Paquistão – uma crítica

O Paquistão se parece a um inferno em vida. A economia continua a desmoronar. O tecido social está se descosturando. As relações humanas tornaram-se amargas e pesadas.

Uma peculiar espécie de pernilongo espalhou o caos em Lahore. Traumas psicológicos devastam o Punjab, particularmente em sua capital. O Baluquistão continua a sangrar e a repressão do Estado é implacável.

Pushtoonkhawa não consegue respirar em meio aos bombardeios dos predadores imperialistas e dos terroristas fundamentalistas. A miséria na Cachemira se agrava a cada dia que passa e o sonho de liberdade murcha e cai no esquecimento. Devastadoras enchentes arruinaram Sind mais uma vez neste ano. Chuvas torrenciais se precipitaram sobre Karachi depois do recente e interminável surto de violência sangrenta.

O Paquistão se parece a um inferno em vida. A economia continua a desmoronar. O tecido social está se descosturando. As relações humanas tornaram-se amargas e pesadas. As famílias estão se desfazendo com o aguçamento das relações de propriedade e com a exasperante avidez de dinheiro. A pilhagem imperialista e a exploração das elites mergulham rapidamente a grande maioria das pessoas no abismo da pobreza, do desemprego, da inflação, do analfabetismo, da miséria e das doenças.

A infraestrutura material e social balança à beira do abismo. Estradas de ferro, saúde, educação, saneamento, água, eletricidade, agricultura, transportes e habitação encontram-se todos arruinados e fora do alcance das massas em geral. Olhe em torno e verá uma sociedade em estado de permanente degradação e deterioração. As enchentes mais uma vez expuseram a fragilidade do sistema de drenagem. Catástrofes naturais que poderiam ser evitadas estão destruindo milhões devido à falta de investimentos de um sistema que se baseia na ganância e na escassez.

As instituições estatais, do judiciário ao executivo e do exército à legislatura, se encontram no bojo de uma profunda crise de conflitos internos. O aparelho estatal está impregnado de corrupção, imerso na economia informal e em estado de decomposição. Até mesmo o benefício de uma magistratura “livre” é considerado como uma despesa exorbitante e se encontra fora do alcance das pessoas comuns. Não há nenhuma pausa no astronômico aumento dos custos das forças armadas. O Parlamento e todo o aparato político estão infestados de crimes, pilhagens e extorsões. A mídia “independente” é abertamente cínica, na tentativa de manipular a consciência das massas a fim de escravizá-la a este sistema de exploração. Em pagamento, os barões da mídia e sua classe são recompensados com bens, lucros, regalias, privilégios e alto status social. Enquanto continua esta orgia de pilhagem e exibicionismo dos ricos, dos que têm prestígio e poder, dos selvagens e elegantes novos ricos, dos abutres “respeitáveis”, ferve o desprezo e a ira entre as classes oprimidas que sofrem uma vida pobre e agonizante.

E, no entanto, parece que ninguém no controle dos assuntos se sente minimamente incomodado com isso. Os políticos, intelectuais, generais, juízes, burocratas, mulás, teóricos e peritos em devoção religiosa envolvem-se em infindáveis debates sobre questões que não se relacionam aos verdadeiros problemas das massas e à iminente catástrofe que paira sobre esta trágica sociedade.

O seu enfoque das contradições fundamentais desta sociedade é equivocado. Os conflitos entre secularismo e religiosidade, liberalismo e conservadorismo, democracia e ditadura, separatismo e patriotismo, imperialismo e fundamentalismo, governo e corrupção, são produtos permanentes deste sistema e se agudizam dentro das fronteiras e restrições do capitalismo. De fato, estes são os diferentes conceitos, ideologias, estratégias e métodos da classe dominante, que está enfrentando uma crise sem precedente devido à obsoleta natureza do sistema em que se baseia.

As massas mal tomam conhecimento e apenas se irritam com estes temas da elite e da chamada “sociedade civil”. O real e incendiário problema da vasta maioria é que simplesmente sobreviver no dia-a-dia está se tornando uma tarefa medonha. As atrozes condições, dentro das quais as massas são obrigadas a viver pela classe dominante e por seu cruel sistema, estão se tornando crescentemente insuportáveis. E a elite intelectual parece cega a tudo isto. Em sua insensibilidade, eles atacam impunemente, mantendo as massas cambaleando entre o acosso dos drásticos cortes orçamentários e a punição dos aumentos dos preços de um dia para outro.

Mais uma vez, a classe trabalhadora do Paquistão está superando os obstáculos da cultura, da moralidade, dos sermões e da repressão estatal da classe dominante, está driblando todos os outros enganos e estratagemas do Estado e entrando militantemente na luta de classes. Ela vem encostando a elite e suas forças estatais nas cordas, mas sempre é contida na hora de derrubar este sistema amaldiçoado por sua própria e traidora liderança.

Na última vez que ela se revoltou em um levantamento de massas foi no outono de 2007. A classe dominante e o imperialismo revidaram com o trágico assassinato de Benazir Bhuto. Eliminaram o que viam como o epicentro do movimento. A dolorosa ausência de uma liderança coletiva e de um partido revolucionário foi sentida mais uma vez. Esta imensa derrota e o choque da subsequente avalanche de ataques econômicos lançados pela coalizão de governo dirigida pelos líderes da ala direita do PPP espalhou desespero e apatia dentro da sociedade. Como consequência, a consciência política das massas foi desarticulada e entrou em espiral descendente. A ética e a moralidade reacionárias da classe dominante então prevaleceram. Logros, hipocrisia, pilhagem, obscenidade, obscurantismo e outros vícios deste sistema mandam na casa. Arte, literatura, cinema, relações sociais etc., caíram a novos e mais baixos níveis.

Agora, contudo, a época de suavidade reacionária chegou ao fim. Trotsky escreveu em 1909: “Quando a curva do desenvolvimento histórico se eleva, a opinião pública se torna mais penetrante, mais corajosa e mais engenhosa. Quando a curva política assinala uma queda, a opinião pública sucumbe à estupidez. O dom inestimável das generalizações políticas desaparece algures sem deixar vestígios. A estupidez chega à insolência, e, mostrando os dentes, amontoa insultantes zombarias sobre todas as tentativas de generalização séria. Sentindo-se no comando, ela começa a recorrer aos seus próprios meios”.

Atualmente, os intelectuais da condenação e da obscuridade acusam as massas de covardia e inação. No entanto, são eles, os chamados intelectuais, os que carecem de capacidade dialética para analisar movimentos e situações de massa a partir de uma perspectiva histórica. São os trabalhadores que são as vítimas desta opressão e encargos. A escravidão ao imperialismo e sua inesgotável lassidão é o que caracteriza as classes dominantes do Paquistão desde a “independência”.

Em sete de setembro de 1947, Jinnah [Muhammad Ali Jinnah, político nascido na Índia que fundou o Paquistão como estado muçulmano, também foi o primeiro governador geral do Paquistão de 1947 a 1948 – Nota do Tradutor] falou em uma reunião do gabinete que o comunismo não conseguiria “florescer em solo islâmico. Que os interesses do Paquistão estão mais bem servidos com a amizade de dois grandes países democráticos, o Reino Unido e os EUA”. Contudo, o movimento revolucionário dos trabalhadores, dos jovens e dos camponeses de 1968-69 rejeitou tal noção. A hegemonia imperialista saqueou a economia e causou guerras, mutilações e destruição. As elites locais permanecem como aduladores subservientes. Outro 1968-69 inevitavelmente irromperá em plano mais alto. Sua vitória socialista quebrará de uma vez para sempre as cadeias deste sistema que tem escravizado as classes oprimidas durante gerações.

Translation: Esquerda Marxista (Brazil)