Notas sobre o papel do Estado na economia hindu

A economia hindu vem passando por um longo período de crescimento elevado e sustentável. Continua a ser um país de enormes contradições, com uma imensa polarização da riqueza.

A economia hindu vem passando por um longo período de crescimento elevado e sustentável. Continua a ser um país de enormes contradições, com uma imensa polarização da riqueza. No entanto, apesar de toda a propaganda sobre os “malefícios” do Estado, sem a intervenção deste o capitalismo hindu não poderia ter se desenvolvido até onde se desenvolveu.

No biênio 2003-2004, a economia hindu se tornou a segunda economia de crescimento mais rápido no mundo, perdendo somente para a China. No segundo trimestre de 2006, o crescimento do PIB hindu foi em média de 8%; em 2007, foi de cerca de 9%; e, em 2008, teve crescimento do PIB de 7,3%.

Historicamente, a Índia sempre teve um setor estatal muito grande. As empresas estatais na Índia, em 2000, ainda constituíam grande parte da economia e eram responsáveis por mais de 50% da formação bruta de capital nacional. Havia cerca de 300 empresas estatais em nível federal e, provavelmente, alguns milhares mais nos níveis estadual e municipal. (Fonte:ver o artigo aqui)

Wikipedia tem o seguinte a nos dizer sobre a economia hindu no passado: “A política econômica depois da independência hindu... tendeu ao protecionismo, com forte ênfase na substituição de importações, na industrialização, na intervenção estatal nos mercados de trabalho e financeiro, no amplo setor público, na regulamentação dos negócios e no planejamento central. Os planos quinquenais da Índia pareciam ao planejamento central da União Soviética. Siderurgia, mineração, máquinas-ferramentas, água, telecomunicações, seguros e instalações elétricas, entre outros setores, foram efetivamente nacionalizados em meados dos anos 1950. A elaboração de certificados, de regulamentos e da burocracia que os acompanha, comumente conhecidas como Licenças Raj, era requerida para se levantar um negócio na Índia entre 1947 e 1990”.

A Índia ainda tem planos quinquenais. Encontra-se, agora, sob o décimo-primeiro (2007-2012). No entanto, a partir do início de 1990, um extenso programa de privatizações foi lançado. Em Aspects of India’s Economy, lemos o seguinte:

“A economia da Índia tem apresentado crescimento rápido desde 2003-04. A escala desse crescimento não foi prevista por muitos dos críticos das políticas neoliberais da economia. Em especial, as seguintes características foram inesperadas:

O crescimento do PIB se sustenta há cinco anos em níveis elevados e se prevê amplamente que continue a taxas elevadas no futuro;

O crescimento rápido não se restringe mais, como no passado, ao setor de serviços, mas se estendeu à produção;

Houve aumento sem precedentes das taxas de poupança e de investimento.

Na opinião dos defensores da atual política econômica, esses desenvolvimentos parecem provar que a Índia está a caminho de se juntar ao ‘mundo desenvolvido’ e, até mesmo, de se tornar uma ‘superpotência econômica’.

Ao mesmo tempo, os defensores das políticas atuais não conseguem explicar porque, em meio a este extraordinário boom, ainda persistem os seguintes problemas:

Predomina a desnutrição em massa, ainda pior do que a das regiões subsaarianas, com o consumo médio de calorias e proteínas em declínio efetivo durante o período em que se deram as políticas de liberalização econômica;

  • O abismo entre o crescimento e a qualidade dos empregos oferecidos;
  • Estagnação dos salários reais/declínio da economia como um todo;
  • O investimento e o crescimento do setor agrícola estão a declinar;
  • A existência de uma profunda crise entre os pequenos camponeses (sublinhada pelo número crescente de suicídios).

E a cura para estes problemas da economia hindu seriam os seguintes: “Os economistas neoclássicos afirmam que a intervenção do Estado é prejudicial... Para a indústria, eles exigem que as leis trabalhistas que proporcionam segurança aos trabalhadores sejam relaxadas e que as demais empresas que pertençam ao Estado sejam privatizadas ou ‘se abram ao capital privado’. As restrições à entrada de capital externo em vários setores devem ser removidas. As tarifas sobre as importações devem ser reduzidas a níveis muito baixos. Os subsídios, sejam eles ocultos ou abertos, devem ser descartados”.

Como se pode ver, a economia hindu foi durante um período que atravessa muitas décadas uma forma de capitalismo conduzida pelo Estado, com um setor estatal muito grande. Ainda hoje o Estado desempenha papel significativo. Naturalmente, os economistas da burguesia neoliberal de hoje veem o setor estatal como uma perversidade que deve ser erradicada e estão pressionando para que isto aconteça.

No entanto, permanece o fato de que o capitalismo hindu não poderia ter se desenvolvido sem o fundamental papel interventor do Estado. Isto levou alguns economistas a falar de um “passado socialista da Índia”, como se um setor estatal forte e os “planos quinquenais” equivalessem ao socialismo.

Nada poderia estar mais longe da verdade. A economia hindu é capitalista, embora seja uma economia capitalista semidesenvolvida dominada, com muitas contradições internas e com imensas disparidades nos níveis de desenvolvimento entre diferentes regiões. Em algumas áreas, vemos a indústria moderna; em outras, vemos condições quase feudais e camponesas imensamente pobres.

A Índia tem algumas características da China. Também tem muitas diferenças, naturalmente. A Índia nunca teve uma economia planificada como teve a China no tempo de Mao Zedong. Na China, no tempo de Mao Zedong, o capitalismo foi abolido. Na Índia, por outro lado, o papel do Estado era o de promover o desenvolvimento capitalista onde a burguesia local fosse incapaz de fazê-lo.

A experiência hindu pode ajudar na compreensão de que se pode ter um setor estatal muito grande e até mesmo “planos quinquenais”, enquanto o sistema continua sendo capitalista.

Aproximadamente nos últimos trinta anos, a tendência que prevalece em todos os lugares é a de privatizar, de reduzir gradativamente o setor estatal e de tudo colocar sob o império do mercado. Na verdade, isto é um sintoma da crise do sistema como um todo. Reflete a busca de saídas lucrativas para os investidores privados. Quando não podem realizar lucros de acordo com “as leis de mercado”, eles parasitam o Estado, comprando suas empresas mais barato do que custaram ao erário público. Isto também aconteceu na Índia.

Contudo, ninguém pode negar que o desenvolvimento obtido pela Índia depois da II Guerra Mundial só se tornou possível através da intervenção do Estado.

Traduzido por: Esquerda Marxista (Brazil)