Reunião histórica dos trabalhadores da América Latina - Os trabalhadores de CIPLA votam por 30 horas semanais

Portuguese translation of Historic meeting of workers of Latin America – Cipla workers vote for 30-hour week (December 11, 2006)

O grande auditório da CIPLA, com capacidade para cerca de mil pessoas, lotou até a capacidade máxima com pessoas de pé nas galerias e ouvindo do lado de fora das instalações através de um sistema de som. O ânimo dos trabalhadores era de entusiasmo e alegria, quase como um carnaval, mas sem escola de samba.

O hall estava decorado com posters e slogans revolucionários. A totalidade da força de trabalho da fábrica tinha comparecido para votar sobre uma histórica proposta de redução da semana de trabalho a 30 horas. Num momento em que a média dos trabalhadores brasileiros trabalha 44 horas semanais, este seria um passo corajoso e revolucionário a ser dado.

Somando-se aos trabalhadores da CIPLA, havia um grande número de delegados de todas as partes do Brasil e de outros países da América Latina e do mundo, que vieram assistir à Conferência Pan-americana em Defesa do Emprego, Direitos, Reforma Agrária e do Parque Fabril.

Havia um total de 685 delegados acreditados e um grande número de visitantes. Muitos deles tinham viajado grandes distâncias, alguns viajando por 24 horas em ônibus, e alguns, do Nordeste do Brasil, resistiram a 70 horas de longa jornada para chegar à Conferência. Entre os delegados e visitantes do exterior estavam trabalhadores e ativistas da Argentina, Bolívia (os dirigentes dos trabalhadores das minas), Paraguai, Uruguai, Venezuela, Espanha, Áustria, Grã Bretanha e Itália.

A primeira parte dos procedimentos foi aberta por Serge Goulart, o mais proeminente dirigente dos trabalhadores da CIPLA e do movimento das fábricas ocupadas [na América Latina, os trabalhadores preferem se referir a elas como "fábricas recuperadas"]. Num discurso apaixonado, Serge fez um convincente apelo à aprovação das 30 horas semanais. Em seguida, dentro das tradições democráticas da CIPLA, ele propôs a qualquer um que tivesse dúvidas ou propostas alternativas a apresentá-las.

Três trabalhadores falaram, expressando suas reservas, mas nenhuma proposta alternativa foi apresentada e o companheiro Serge respondeu às objeções ponto a ponto. O voto foi esmagadoramente a favor - com somente dois votos contra e uma abstenção. A decisão foi acolhida com uma explosão de alegria pelos trabalhadores reunidos. Isto agora significa que os trabalhadores da CIPLA trabalharão seis horas ao dia numa semana de cinco dias, sem perda salarial. Serge Goulart apelou a todos os presentes a levar ao conhecimento de todos os outros trabalhadores esta decisão histórica. Foi um inspirador início para a Conferência.

A abertura da Conferência

A Conferência propriamente dita foi aberta pelo companheiro Carlos Castro do Conselho Unificado dos Trabalhadores da CIPLA e da INTERFIBRA. O Secretário-geral da CUT no Estado de Santa Catarina entregou uma mensagem de saudações e também falou em apoio às 30 horas semanais. Estava também na tribuna o secretário nacional do sindicato dos trabalhadores da indústria química, da CUT, que falou da luta da classe trabalhadora em escala mundial. Antes dos delegados internacionais serem introduzidos, canções revolucionárias dos trabalhadores foram ouvidas com evidente entusiasmo.

Além dos delegados das fábricas ocupadas no Paraguai, Uruguai, Argentina e Venezuela (Inveval, Gotcha e Sideroca), havia um representante do povo palestino e um inesperado orador adicional - um jovem bispo local, Padre Dulce, que surpreendeu a muitos com seu discurso radical em favor dos trabalhadores e sua feroz denúncia do capitalismo.

Roberto Chávez, o secretário-geral do combativo sindicato dos mineiros bolivianos (FSTMB) fez o seguinte discurso:

"Companheiros, trago saudações dos mineiros e trabalhadores assalariados da Bolívia. Esta reunião de hoje marca um histórico ponto de virada para a classe trabalhadora na América Latina. Todos nós que estamos presentes nesta Conferência Pan-americana temos testemunhado a determinação revolucionária dos trabalhadores de CIPLA de reduzir a jornada de trabalho a seis horas. Isto deve ser divulgado em todas as outras fábricas e comunidades no interesse da classe trabalhadora. E não somente no Brasil, mas em toda a América Latina.

"Nós, mineiros bolivianos, estamos lutando para que as minas privatizadas retornem às mãos dos trabalhadores. Já existem quatro minas recuperadas em nosso país. Isto deve se estender por toda a América Latina. Na Bolívia havia grandes movimentos de massas depois de 2003, quando derrotamos o governo de direita dos oligarcas. Agora temos um governo que foi eleito pela maioria do povo, inclusive por nossos companheiros, os indígenas bolivianos.

"Este governo está comprometido com mudanças estruturais. Isto significa a execução da agenda de Outubro de 2003, isto é, a tomada sem qualquer compensação de todo o petróleo, gás e riqueza mineral e a nacionalização de todas as minas privadas. O povo apóia estas demandas, que são asperamente rechaçadas pelas grandes empresas e pela oligarquia. A revolução boliviana, que começou em 2003, deve ser completada em 2007.

"Os mineiros têm sido brutalmente atacados. Em Huanuni, a cooperativa dos mineiros, manipulada pelos capitalistas, tentou se apoderar de duas minas à força. Os mineiros defenderam-se e um conflito sangrento aconteceu em que cinco companheiros foram mortos. Mas nós pensamos que o seu sacrifício salvou as minas.

"Depois do conflito, persuadimos muitos dos trabalhadores das cooperativas a se juntar a nós na administração da mina, que agora tem uma força de trabalho de cinco mil. Devemos encontrar uma solução para este problema e o único caminho é o da nacionalização das minas sob controle operário. Este é o único caminho para garantir os empregos e a seguridade dos trabalhadores".

Depois deste discurso inspirador, Roberto Chávez ofereceu a Serge Goulart um escudo com o lema do sindicato dos mineiros bolivianos inscrito nele.

O próximo orador foi uma surpresa. Padre Dulce, um jovem padre que recentemente se tornou bispo, apresentou-se como porta-voz do episcopado. Ele apareceu diante dos trabalhadores vestido, não com uma batina, mas com uma camiseta amarela do movimento das fábricas ocupadas. Em seguida, ele apresentou um dos mais combativos discursos do dia.

"Que alegria é para mim, estar presente nesta histórica reunião", disse ele. "A redução da jornada de trabalho é o único caminho para os trabalhadores e trabalhadoras poderem viver uma vida plena e se desenvolverem, elevando o seu nível cultural e educacional".

Logo, com a bíblia na mão, ele continuou a vergastar os patrões. Citando com evidente deleite uma feroz passagem da epístola de São Jaime, ele denunciou os ricos e praticamente mandou todos os que recusam aceitar a jornada de 30 horas a queimar no fogo do inferno.

"É uma grande responsabilidade para todos nós realizar uma completa mudança no sistema de trabalho. Nosso sistema globalizado mudou tudo. É a causa de muita miséria quando existem condições para uma vida de plenitude para todos. Possa o espírito de Deus enchê-los a todos com a determinação de realizar todas as demandas dos trabalhadores. Amém!".

A audiência mostrou sua simpatia por este inusitado sermão com aplausos entusiásticos, após os quais o bispo deixou a tribuna para prosseguir sua missão em outros lugares. Unicamente esperamos que seu discurso não prejudique o seu futuro cargo quando o Episcopado ouvir falar dele.

Entre outros oradores, estava o companheiro Lluis Perernau da UGT de Barcelona, Paolo Brini da Federação Italiana dos Trabalhadores do Metal da CGIL, um orador da PLO e Alan Woods, cujo discurso recebeu uma recepção particularmente entusiástica e foi frequentemente interrompido pelos aplausos.

Ele disse:

"Companheiros e amigos, em nome da Tendência Marxista Internacional, trago-lhes as saudações dos trabalhadores, sindicalistas e juventude revolucionária em mais de 30 países de cinco continentes.

"Vejo diante de mim a verdadeira face da classe trabalhadora: a face de homens e mulheres livres lutando por seus direitos. A sociedade está dividida em duas classes hostis: aqueles que têm tudo e nada produzem, e aqueles que não têm nada e produzem tudo (aplausos).

"Deixem-me fazer-lhes uma pergunta. Quantas pessoas ricas existem no Brasil? Quantas pessoas ricas existem na Bolívia? Vocês não sabem nem eu. Mas sei que eles são apenas um punhado minúsculo. Nós somos muitos e eles são poucos! Esta é a nossa fortaleza! (aplausos).

"Mas há outra questão. Como pode ser que tão poucas pessoas dominem a tantos? Não pode ser pela força das armas. Sabemos que o Estado é um instrumento de opressão de uma classe sobre outra. Mas a repressão aberta é uma arma de reserva que é raramente usada. O método de dominação é diferente.

"Por gerações, a classe dominante tem persuadido os trabalhadores de que eles não podem administrar a indústria e a sociedade. Muitos trabalhadores estão completamente convencidos disto. Eles dizem: ‘como podemos administrar a fábrica ou a sociedade quando não temos o necessário conhecimento? '.

"Este problema torna-se mais grave pelo fato de que muitos daqueles que pretendem ser dirigentes da classe trabalhadora constantemente repetem a mesma idéia: ‘Cuidado! Não podemos fazer isto e não podemos fazer aquilo! '.

"Companheiros, tenho uma informação para vocês: SIM, NÓS PODEMOS! (Aplausos).

"No passado um grande revolucionário francês disse: ‘Eles só parecem tão poderosos aos nossos olhos porque nos ajoelhamos perante eles. Vamos nos erguer! ‘ (aplausos).

"Vamos nos erguer! O povo da Venezuela se ergueu. Os trabalhadores da Bolívia se ergueram. E os trabalhadores aqui na CIPLA se ergueram. Esta é a resposta a todos os reformistas e céticos (aplausos).

"Companheiros e amigos, tenho visto muitas fábricas em muitos países. Mas nunca vi uma fábrica tão bem cuidada, tão imaculadamente limpa, tão disciplinada quanto esta (aplausos). Os trabalhadores têm administrado esta fábrica bem e têm obtido êxito. Esta é resposta àqueles que dizem que os trabalhadores não podem administrar a indústria! E lhes faço uma pergunta: se a classe trabalhadora pode administrar esta fábrica, por que não pode a classe trabalhadora administrar toda a sociedade? (aplausos).

"Eu ia citar a bíblia, mas o companheiro bispo ganha de mim nisto (risos). Então, em vez disso, citarei de um livro até mesmo mais velho. Citarei o filósofo grego Aristóteles, que disse: ‘O homem começa a filosofar quando as necessidades da vida estão satisfeitas. Consequentemente, a matemática e a astronomia foram descobertas no Egito, devido aos sacerdotes egípcios que não tinham de trabalhar'.

"Aqui temos o materialismo histórico 2.400 anos antes de Marx! Vocês querem saber a resposta da pergunta que fiz no início? Como pode ser que uma pequena minoria domine a maioria esmagadora da sociedade? É porque eles possuem o monopólio da cultura - da arte, ciência e governo. Este é o verdadeiro segredo da sociedade de classe.

"É por isto que a decisão hoje tomada aqui nesta manhã tem um significado tão revolucionário. Unicamente através da redução da jornada de trabalho é possível para a classe trabalhadora obter o tempo necessário para adquirir a cultura e a destreza necessária para administrar a sociedade.

"Deixem-me lembrar um incidente que vocês podem não conhecer a respeito de Lênin. Em 1919, os trabalhadores da Bavária dirigiram uma insurreição e constituíram uma república soviética que durou somente um curto tempo. Logo que Lênin soube disso, imediatamente enviou um telegrama à República Soviética da Bavária. O que ele escreveu neste telegrama? Nenhuma retórica revolucionária, nem frases floridas, apenas uma simples frase: Ponham em prática imediatamente as 40 horas semanais, sem isto vocês estarão perdidos".

"É esta a enorme importância de uma redução das horas de trabalho. É por isto que a decisão dos trabalhadores de CIPLA é tão importante. Mas eu gostaria de emitir uma palavra de advertência. Toda a história demonstra que não é possível construir uma ilha de socialismo dentro de um mar de capitalismo. Para ter êxito, é vital que os trabalhadores de CIPLA saiam da fábrica e vão até os outros locais de trabalho, escritórios, vilarejos e escolas, para explicar o que estão fazendo e pedir apoio - não somente em Joinville e Santa Catarina, mas em todo o Brasil e mais além.

"Concordo que uma grande responsabilidade pesa sobre seus ombros. Esta conferência pode realmente ser um histórico ponto de virada se levar à ação. Devemos não simplesmente ir para casa depois da conferência e continuar como antes. Esta conferência deve ser o início de uma campanha, nacional e internacionalmente, em favor das fábricas ocupadas, do controle operário, mas também pela nacionalização da terra, dos bancos e das grandes indústrias como o único caminho para resolver os problemas fundamentais da classe trabalhadora" (aplausos entusiásticos).

Ao final da sessão de sexta-feira, os membros da Organização de Direitos Humanos (Maria da Graça Braz) conferiram um prêmio ao Movimento das Fábricas Ocupadas, que foi aceito por Serge Goulart. No final de seu discurso, o representante da Organização de Direitos Humanos disse: "Longa vida à luta dos trabalhadores de todo o mundo". Os delegados levantaram-se e gritaram VIVAS!!

Joinville, Sexta-feira, 8 de dezembro de 2006.