A República Soviética Húngara de 1919 – A Revolução Esquecida

Em 21 de março de 1919, a República Soviética Húngara foi proclamada. Em 1º de agosto, 133 dias após, este heróico capítulo da história da classe trabalhadora húngara foi encerrado com a entrada do Exército Branco romeno em Budapeste. Fosse o proletariado húngaro bem sucedido, o isolamento da República dos Trabalhadores Russos não teria ocorrido.

Em 21 de março de 1919, proclamou-se a República Soviética Húngara. Em 1º de agosto, 133 dias depois, esse histórico capítulo da classe trabalhadora húngara encerrou-se com a entrada do Exército Branco romeno em Budapeste. Do êxito do proletariado húngaro dependia o fim do isolamento da República dos Trabalhadores russos.

A breve experiência da República Soviética Bávara, que durou de abril a 1º de maio de 1919, foi uma indicação de que a maré montante da revolução se estendia do leste para o oeste o que parecia na época um irresistível ímpeto. Se o estado húngaro dos trabalhadores houvesse conseguindo consolidar-se, por apenas mais alguns meses, as chamas da revolução teriam abrangido Viena e Berlim, onde a classe trabalhadora á estava em efervescência revolucionaria.

O triunfo da revolução alemã teria mudado todo o curso da história humana. Todavia isto não ocorreu, e a Revolução Húngara de 1919 entrou para os anais da história como se fosse um outro episodio semelhante ao da Comuna de Paris em 1871.

Não obstante, como um estudo das causas do fracasso, a República Soviética Húngara meio século mais tarde contribui para enriquecer nosso conhecimento dos processos através dos quais a transformação socialista da sociedade vem à baila, a fim de melhor prepara-nos para a luta pelo socialismo em nossos dias.

Em 1919, a sociedade húngara ostentava todas as características de uma estrutura arcaica que se mantivera mais ou menos intacta por séculos. Da sangrenta reação seguinte à derrota da revolta camponesa de 1514, elaborou-se na Hungria o Código Tripartite Wertboczis (a) que dividia o povo húngaro em castas fixas da grande e da pequena nobreza, com o clero de um lado e a “plebe” de outro.

No curso de 150 anos, a Hungria definhou sob o domínio dos turcos otomanos. Então, em 1687, determinou-se a hereditariedade da Coroa de São Estevão para a linhagem masculina dos Habsburgos austríacos. Durante séculos, os húngaros lutaram para assegurar seu direito de existência como uma nação. A mais séria tentativa de livrarem-se do jugo austríaco surgiu por ocasião da onda revolucionária que varreu a Europa em 1848. Mas a débil burguesia húngara e a desfibrada nobreza revelaram-se incapazes de libertar-se do opressor alienígena. Depois da derrota de 1848, a opressão da Hungria alcançou seu apogeu – 10.000 húngaros foram executados.

Jornais húngaros foram arrolhados e escolas assumidas pelos austríacos. As propriedades confiscadas dos rebeldes húngaros foram doadas a aristocratas da corte vienense. Milhares de policiais, espiões e agentes inundaram o país. A nação magiar ficou sujeita a humilhações à censura dos habsburgos e submetida à germanização.

Em seguida, aconteceu a ascensão prussiana e a humilhante derrota da Áustria diante de Bismarck em 1866. Sofrendo sob os golpes, o imperador Franz Josef (b) iniciou tentativas para entendimentos com a aristocracia húngara. Daí surgiu o famoso “Ausgleich” ou compromisso de 1867.

Asnegociações significavam que o império Habsburgo consistiria daí por diante de dois “povos dirigentes” – os austríacos e os magiares (húngaros), “dois povos de segunda classe”, os croatas e poloneses e seis povos sem direitos: os tchecos, os eslovacos, os romenos, os rutenos, os eslovenos e os sérvios. A classe dirigente magiar apoiava os habsburgos e, em compensação, tinha a permissão de explorar e oprimir as outras nacionalidades, vivendo em sua metade do império.

A sociedade húngara caracterizava-se por seu extremo atraso, por relações semi-feudais e concentração de poder nas mãos de pequeno número de nobres ricos. Algo em torno de 5% da população possuía 85% da terra. Teoricamente, abolira-se a servidão, mas na prática os 20 milhões de acres representados pelas grandes propriedades eram laboradas por “agregados” cujas condições sociais diferiam muito pouco da servidão.

As grandes propriedades nem podiam ser vendidas nem divididas. Um exemplo do caráter feudal do código húngaro era a família Esterhazy (c) que detinha 100.000 acres de terras que seriam possuídos pelos primogênitos perpetuamente.

Como indicação do atraso do desenvolvimento social húngaro, verificava-se que a maioria dessas “propriedades legadas” fora efetivamente criada a partir de 1869 – isto é, num período em que na maior parte dos países europeus os últimos traços de relações feudais haviam desaparecido.

Três quartos do campesinato era formado por lavradores pobres e trabalhadores rurais – num total de 2,5 milhões e 4 milhões vivendo em condições de gritante miséria. Geralmente o camponês levantava-se às duas ou três horas da manhã nas épocas de colheita e labutava até às 9 ou dez horas da noite, alimentando-se de côdeas de pão, toucinho rançoso e dormindo num buraco cavado no campo com uma enxada. Não se observavam dias de descanso.

A família camponesa média morava numa cabana de cômodo único, em regra compartilhado por duas famílias ou mais, algumas vezes com 20-25 pessoas num quarto. Seis em cada dez bebês morriam antes de alcançar o primeiro ano de idade. A tuberculose, causada pela fome, era tão comum que se conhecia como “a doença húngara”.

A única oportunidade em que a família camponesa comum usava botas era no exército, onde estava sujeito à discriminação racial e à violência física por parte de algum sargento instrutor austríaco. Pancadas e chicotadas eram usuais nas propriedades. De acordo com certo código “liberal”, trabalhadores rurais de idade entre 12 e 18 anos poderiam ser surrados pelo proprietário, mas apenas de tal maneira “que não lhe cause ferimento impossível de sarar em oito dias”.

Uma minoria de camponeses detinha pequenos tratos de terra mais ou menos de um acre. Mas esses “proprietários-anões” não podiam manter as famílias com a produção de suas áreas e tinham de trabalhar para outros também. No final da escala, estavam os “csiras” ou tratadores de vacas “O trabalho dos csiras ... é o mais penoso de todos. Geralmente, após quatro anos o trabalho penoso e a atmosfera carregada do fedor do esterco nos estábulos destruíam-lhes os pulmões. Se um “csiras” fosse feliz, daria nos calcanhares antes de começar a escarrar sangue. Mas muitos permaneciam, tornando-se inúteis e iam para as aldeias e cidades, vendo-se obrigados, assim, a sobreviverem como pedintes”.

A fome por terras juntamente com a questão nacional foram sempre a força motriz da revolução na Hungria, com um histórico de sangrentas revoltas camponesas debeladas através das mais bárbaras crueldades. Na revolução de 1848, houve tentativas de distribuir pastagens comunitárias entre os camponeses e confiscar grandes propriedades. Mas a vitória dos Habsburgos significou a vitoria dos grandes senhores de terras (latifundiários) que, subseqüentemente, formaram sólido baluarte reacionário na Hungria, tornando-se agentes locais do imperialismo no solo húngaro.

O problema das minorias nacionais.

A explosiva situação no campo húngaro por volta do fim do século 19 é adequadamente exposta num relatório oficial da poderosa associação de senhores de terras OMGE, escrito em 1894:

“A população das grandes planícies é formada de agregados e do proletariado agrário, que vive totalmente isolado uns dos outros, odiando-se reciprocamente.

“O serviço público vê os distritos agrícolas húngaros como colônias, encarando seu próprio trabalho como colonial.

“Os camponeses ricos estão de alguma forma segregados em inexpugnável e petrificado conservadorismo, enquanto os peões relembram as grandes revoluções históricas e vêem o futuro sem qualquer esperança. Todavia ainda acalentam ambições revolucionarias”.

Os burocratas governamentais que compilaram esse documento não estavam enganados. A onda de greves de trabalhadores do campo que varreu o país nos primeiros anos do século, e por vezes alcançou nível de batalhas campais com a polícia, culminou na greve de 10.000 peões em 1905 e na greve geral de 100.000 “assalariados” em 1906 só debelada mediante a convocação dos grevistas para o serviço militar. A única fuga possível para a apavorante miséria era a emigração. Entre 1891 e 1914, aproximadamente dois milhões de húngaros – 80% deles camponeses pobres – deixaram o país para os Estados Unidos amontoados em navios como gado.

O problema social na Hungria era exacerbado e complicado pela existência de minorias nacionais. Em 1910, entre as 21 milhões de pessoas vivendo na Hungria, contavam-se 10 milhões de húngaros, 2,5 milhões de croatas e eslovenos, 3 milhões de romenos, 2 milhões de alemães, e o restante era composto de eslovacos, sérvios, ucranianos e outras etnias menores.

Assim, para a Hungria, o problema nacional não se restringia ao problema de sua dependência semi-colonial em relação à Áustria, mas também incluía o problema da opressão nacional dos elementos não magiares vivendo dentro das fronteiras húngaras. A discriminação sistemática contra as minorias é mais evidente no campo educacional.

Em 1900, 39% da população eram analfabetas. Mas os percentuais para os eslovacos era 49,9%, 58.5%, para os sérvios, 58,5%, para os romenos, 79, 6% para os ucranianos, 85,1%. Os salários na Hungria eram 33% inferiores aos da Áustria e 50% mais baixos do que na Alemanha. Mas em 1913 os salários dos trabalhadores não magiares eram 30% inferiores aos dos trabalhadores húngaros.

A débil e atrasada burguesia húngara revelava-se incapaz, através de toda sua história, de superar sequer esses problemas fundamentais. A razão é fácil de identificar. Posto que indubitavelmente a mais atrasada metade do Império, a Hungria já tinha decisivamente entrado no processo de desenvolvimento capitalista na virada do século. Ao lado das grandes propriedades feudais, surgiram modernas indústrias capitalistas, mantidas por investimentos de capitalistas estrangeiros.

Os bancos dominavam a economia húngara e através deles era exercido o sufoco praticado pelo capital financeiro da Áustria, da Alemanha, da França e da América. O desenvolvimento capitalista atrelava ainda mais opressivamente a Hungria ao imperialismo austro-húngaro. Por outro lado, a aristocracia feudal também entrelaçava-se cada vez umbilicalmente com as grandes empresas e os bancos.

Em 1905, contavam-se 88 condes e 64 barões nos conselhos administrativos das indústrias, dos transportes e dos grupos bancários. Um deles, o conde Istvan Tisza (d), era presidente do maior banco mercantil do país.

Por todos estes motivos, qualquer tentativa de desfazer a antiga e humilhante dependência em relação à Áustria e erradicar as relações feudais nas aldeias necessariamente pressupunha uma luta declarada contra o capitalismo que somente podia ser liderada pela classe operária em aliança com a massa camponesa pobre e os peões.

Às vésperas da revolução, a Hungria constituía a metade mais atrasada do Império Austro-Húngaro, mas exatamente por esta razão era essa parte onde as tensões sociais mais celeremente alcançavam o ponto de ebulição, e onde a classe dominante se revelava a menos capaz de resistir ao impulso de mudanças sociais. O proletariado era uma minoria dentro da sociedade, predominantemente composta de camponeses pobres. Mas a natureza opressiva das relações sociais nas aldeias e vilas significava que o campesinato potencialmente representava poderoso aliado da classe operária.

A deflagração da I Guerra Mundial

O tratamento brutal e degradante das minorias nacionais no decorrer de toda a história do Império Húngaro também revelou-se o calcanhar de Aquiles de sua classe dirigente. O de que se necessitava era de uma força social capaz de galvanizar essas forças e liderá-las no assalto final à oligarquia dominante.

Em virtude de seu papel chave na produção, sua coesão e consciência de classe, somente a classe operária, a despeito de sua inferioridade numérica, tinha capacidade de cumprir sua função revolucionária.

O proletariado húngaro era uma classe mais atrasada e menos vigorosa do que suas irmãs austríaca e alemã. Em 1910, tão-somente 17% da população trabalhavam na indústria, e deste percentual apenas 49% labutavam em fábricas de menos de 20 operários.

Mas em Budapeste e seus arredores, indústrias de grande porte tinham surgido, apoiadas por amplos investimentos de capital externo.

Mais de 50% da indústria aqui eram concentradas. Ademais, o desenvolvimento industrial desigual é ilustrado pelo fato de 37,8% do total da força de trabalho concentrar-se em grandes fábricas com mais de 500 operários. Estes bastiões laborais gigantescos puderam desempenhar papel decisivo nos eventos de 1918-1919. Oitenta e dois cartéis enormes controlavam a totalidade da indústria magiar – 16 deles húngaros e 56 austro-húngaros.

Às vésperas da I Guerra Mundial, a Hungria encontrava-se em situação semi-colonial, em dependência relativamente à Áustria e à Alemanha, formando uma colônia agrícola exportadora de alimentos para a Áustria em troca de produtos industriais. Os interesses da burguesia húngara estavam inextricavelmente atados aos da política burocrática austro-húngaro e á oligarquia agrária feudal, cuja expressão política era o Partido Liberal.

Por trás do vistosos enfeites fraseológicos nacionalistas, por meio dos quais a burguesia se esforçava em manter sua base entre as massas, situava-se a realidade de uma cruel impotência, subserviência e dependência ao imperialismo austro-germânico, brutalmente evidenciadas em agosto de 1914.

A guerra imperialista lançou a toda a sociedade num cadinho. Entusiasticamente apoiada pela oligarquia e a igreja, a guerra contra a Sérvia também recebeu as bênçãos do partido de 1848, o partido da burguesia liberal que desde longo tempo se desfez dos devaneios de independência nacional para atirar-se de corpo e alma ao regaço dos ladrões de Viena e Berlim.

No início da guerra, similarmente a outros países, a classe operaria paralisou-se diante da primeira onda de entusiasmo patriótico. Os dirigentes sociais democráticos, não obstante seu prévio fraseado de “esquerda”, tomado de empréstimo dos chamados “austros-marxistas”, prontamente aderiu à patriotada. Eles justificavam a guerra como se fosse uma luta para “defender a democracia contra o barbarismo russo”, e mesmo uma guerra “por jornadas mais curtas e salários mais altos, pregando a colaboração de classe e a “paz entre as classes”.

Mas, à medida que a guerra se prolongava, a dolorosa realidade foi percebida pelos operários e camponeses. A “guerra por jornada mais curta” significava que os trabalhadores tinham de labutar por 60 horas semanais. Crianças de 10 e 12 anos de idade trabalhavam 12 horas por dia e até mais nas fábricas. Os lucros subiam e os salários caiam constantemente. Em 1916, a moeda corrente valia apenas 51% de seu valor de antes da guerra, portanto caíra vertiginosamente. A dilaceração provocada pela guerra causou o colapso industrial.

As condições nas frentes de batalha eram ainda piores. Centenas de milhares de soldados húngaros pereceram miseravelmente no frio, sob as nevascas do inverno de 1914-1915 nos montes Cárpatos. À altura do final da guerra, de um exército de nove milhões, mais de cinco milhões estavam mortos, feridos, feitos prisioneiros ou desaparecidos em ação. Destes, dois milhões eram húngaros.

O descontentamento entre os magiares componentes do exército austro-húngaro conduziu a situações em que as tropas húngaras tinham de ser empurradas para a batalha enxertadas entre soldados alemães e austríacos com metralhadoras apontadas às suas costas. A deserção assumiu proporções alarmantes à medida que se aproximava o fim das hostilidades.

Efeitos da Revolução de Outubro

Através dos anos 1915 e 1916, houve um constante aumento no numero de greves. O desgaste provocado pelas ações bélicas nas massas agravava-se no tocante à Hungria devido ao flagrante sentimento de opressão nacional. A crescente efervescência nas fábricas, nos quartéis e nos bairros operários provocou dissensões internas nas fileiras da classe dominante.

No decorrer de 1915, o conde Karolyl (e) formou seu partido pacifista, liberal e anti-germânico.e tentou estabelecer contacto com os Aliados, indicando que os representantes de mais larga visão da burguesia, pressentindo a possibilidade de uma derrota germânica, preparavam-se para colocar-se sob a proteção do imperialismo anglo-francês, ombreando-se sob as baionetas aliadas e afastando-se das similares germânicas.

A Revolução de Fevereiro na Rússia deu enorme impulso ao movimento revolucionário húngaro. No 1º de maio de 1917, uma onda grevista e demonstrações de massas conseguiram, no dia 23 seguinte, a queda do governo reacionário do conde Tisza. Novo gabinete foi formado sob a direção do conde Esterhazy, que pretendeu manobrar entre as classes na tentativa de evitar o descontrole total da situação. O governo de coalizão foi ampliado a fim de nele incluir-se diferentes grupos burgueses, enquanto os líderes do PSD apoiavam o governo sem dele participar.

Os trabalhadores interpretaram corretamente a jogada como um sinal de fraqueza e pressionaram em reforço de sua vantajosa situação. O novo poder foi saudado por uma onda de greves, surgida espontaneamente na cara da oposição dos dirigentes sindicais ditos “moderados” Um deles, Samu Jasza , posteriormente admitiu “Já em 1917 havia muitas paredes posto que os sindicatos insistissem que não devia haver interrupção do trabalho”. Estes infelizes líderes se viram obrigados a “atuar nos bastidores”, ou perderem sua influência entre os trabalhadores.

A vitória da Revolução na Rússia teve efeito eletrizante na Hungria. A magistral agitação anti-bélica de Trotsky durante as negociações de paz de Brest-Litovsk (f) encontrou pronta resposta entre a massa operária, os camponeses e os soldados cansados da guerra. O anseio por uma “paz sem anexações e sem indenizações” ecoou nas fábricas, nas aldeias e nas trincheiras. Sob a irresistível pressão das massas, o partido anti-guerra da burguesia, dirigido por Karolyl, o “Kerensky húngaro”, encontrou renovado alento para pressionar em favor de seus pleitos.

A fermentação nas fábricas levou a uma greve geral em Budapeste contra a guerra em 19 de janeiro de 1918, o que gerou reuniões de massas das quais participaram muitos soldados. A onda de greves de janeiro espalhou-se como um relâmpago através da Áustria, da Hungria e da Alemanha. Foi precisamente o sopro quente da revolução, na retaguarda obrigando destarte o representante austríaco em Brest-Litovsk, Czernin (g), a assumir posição conciliatória frente ao governo bolchevique, não obstante fosse dominado pelo estado-maior germânico, na pessoa do general Hoffman (h).

Pelo mesmo motivo, o governo húngaro agora se apressou em ampliar o direito de voto. Como sempre, a classe dirigente só está preparada para conceder reformas sérias quando se sente ameaçada diante da perda de poder e privilégios.

A burguesia aterrorizou-se da mesma forma que a liderança operária de direita que tinha apoiado a guerra e se opusera a qualquer movimento militante dos trabalhadores. Os líderes da social-democracia, em pânico ante a rápida extensão da greve geral, apressaram-se em desfazê-la em 21 de janeiro, apenas a quatro dias de seu início. Essa traição serviu somente para aprofundar a divisão nas fileiras do PSD e aumentar ainda mais o vigor da oposição de esquerda.

Nota-se a profundidade do movimente revolucionário ascendente pelo despertar dos setores mais atrasados e inertes dos oprimidos, especialmente da mão de obra feminina, cujo papel heróico nesses eventos revelou-se numa circular secreta do Ministério da Guerra, datada de 3 de maio de 1918:

“As operárias não somente tentaram desestabilizar as fábricas interrompendo a produção, mas até mesmo fizeram discursos inflamados, participaram de demonstrações, marchando na frente com os bebês nos braços e comportando-se de maneira insultuosa para com os representantes da lei”.

Em 20 de junho de 1918, nova greve irrompeu como resultado de um tiroteio contra trabalhadores. Sovietes, ou conselhos de trabalhadores, constituíram-se para lutar pelas reivindicações operárias, pelo sufrágio universal, por todo o poder para os sovietes. A greve alastrou-se de Budapeste para outros centros industriais. Contudo, mais uma vez foi desmobilizada pela liderança após dez dias. As massas estavam preparadas para a luta pelo poder, mas viram-se contidas a todo momento por seus próprios líderes. No entanto, as condições insuportáveis das massas, o descontentamento e as frustrações acumulados no passado conduziram inexoravelmente a novas explosões no outono de 1918.

Com o colapso na frente búlgara, a onda de deserções transformou-se num verdadeiro vagalhão que inundou o país. Ocorreram levantes e motins esporádicos no exército e na marinha. Bandos de desertores armados ligaram-se aos grevistas e camponeses nos choques com a polícia e participaram da tomada de propriedades rurais. Quando se tornou claro que as potências centrais estavam a ponto de perder a guerra, os motins generalizaram-se.

O aparato estatal desintegrou-se e entrou em colapso sob seu próprio peso. O governo em Budapeste pairou no ar. O poder transferiu-se para as praças públicas.

No meio de greves, motins e demonstrações públicas, a classe dirigente fracionou-se. No parlamento ocorreram cenas tempestuosas. Em 17 de outubro, um desmoralizado conde Tisza anunciou: “Perdemos a guerra”. A oligarquia fundiária burguesa sentindo o poder fugir de suas debilitadas garras, voltou seus olhares em busca de uma segunda linha de defesa e encontrou-a no inimigo de ontem – Karolyl.

Em 28 de outubro ocorreu uma demonstração de massas em Budapeste exigindo a independência da Hungria. No dia seguinte, proclamou-se a República Húngara. E em 30 outubro houve levante de trabalhadores, soldados e marinheiros em Budapeste

O governo ruiu como um castelo de cartas, sem disparar pelo menos um tiro em sua defesa. As ruas foram ocupadas pelos insurgentes gritando slogans tais como “Longa vida para a Hungria democrática e independente!”...”Abaixo os condes!” “Apenas o conselho!” “Não mais guerra!” ... “Todo o poder aos conselhos de soldados!” Ao anoitecer de 31 de outubro, os insurretos tinham ocupado todos os pontos estratégicos e libertado a totalidade dos prisioneiros políticos.

A revolução triunfara de forma rápida e indolor. A classe dirigente apanhada desprevenida e faltando-lhe base real, não resistiu. Foi um levante de massas espontâneo semelhante ao da Revolução de Outubro na Rússia, sem liderança e sem programa claro. Os líderes trabalhistas nada fizeram, ou até mesmo impediriam a revolução que não desejavam e que temiam como se fosse uma praga.

A massa de operários, de soldados e de camponeses, faltando-lhe um partido revolucionário e um programa, não obstante tateava em busca de diretriz programática. Talvez não entendesse com clareza o de que necessitava, mas sabia muito bem o que não queria. Repelia o domínio de uma oligarquia privilegiada e corrupta: abominava a monarquia ou qualquer substituto dela; detestava as relações feudais e a opressão nacional.

Mas na luta em prol desses temas ardentes, as massas prontamente chegaram `compreensão da impossibilidade de soluções parciais para seus problemas e a inevitabilidade de uma limpeza total, uma reconstituição integral da sociedade em novas direções, a fim de eliminar toda a sujeira acumulada durante séculos de opressão e de humilhação nacionais.

Os trabalhadores reivindicavam uma república. Os políticos do partido liberal de 1848 e a facção direitista dos líderes operários resistiam a essa reivindicação na medida do possível. Esses “revolucionários” relutantes foram apanhados pelo cangote e alçados ao governo pelo movimento das massas.

No poder, eles se dedicaram a uma obstinada ação na retaguarda defendendo o sistema de domínio de classe e de privilégios. O terror deles diante das massas era centenas de vezes maior do que sua aversão à reação feudal e eles se agarravam com unhas e dentes a qualquer ponto de arrimo ao seu alcance em sua luta para manter o status quo.

“Um amigo na necessidade é um amigo de verdade”, esta afirmação procede em política e também na vida real. Reconhecendo que todo o seu futuro como uma classe privilegiada permanece nas mãos de odiados liberais burgueses e seus partidários sociais democratas, os banqueiros, oligarcas feudais e generais agrupados em volta do “Kerensky húngaro”, abrigaram-se nos rabos de saias da “democracia”. De outra forma, os trabalhadores e soldados, como na Rússia após fevereiro de 1917, depositaram seus anseios em suas organizações, confiantes na luta e nos sovietes.

Como na Rússia, também na Hungria havia elementos da dualidade de poder. Diferentemente da Rússia, porém, não havia um partido bolchevique capaz de conduzir a situação pré-revolucionaria na direção exitosa de uma revolução socialista. A ala esquerdista do PSD, com sua confusão e falta de programa claro, julgou-se incapaz de desempenhar um papel independente, enquanto a ala direitista da liderança dos trabalhadores ajudavam Karolyl a restaurar a velha relação de classes à guisa de uma “revolução democrático-burguesa”.

Hoje em dia “teóricos” de certos partidos comunistas caracterizam esse posicionamento como “revolução-democrática” burguesa. Na realidade, a burguesia não desempenhou nenhum papel na revolução,visto que não tinha nenhuma intenção de tomar o poder e abolir o velho estado semi-feudal, e até mesmo resistiu à idéia de instituição de uma república burguesa.

A iniciativa em cada estágio permaneceu firmemente nas mãos dos trabalhadores e soldados que compeliram os liberais a tomarem o poder, a despeito de si mesmos, e começaram a executar as tarefas da revolução democrático-burguesa pela base. Noutras palavras, o que tínhamos não era a revolução democrático-burguesa, mas um aborto de revolução socialista dada a ausência de liderança revolucionaria genuína e a traição dos líderes sociais-democratas.

O governo burguês de Karolyl, que não desejava e que não podia executar qualquer tarefa da revolução democrático-burguesa na Hungria, foi comprovadamente milhares de vezes mais fraco, mais inerme e impotente do que tinha sido o governo provisório na Rússia após fevereiro de 1917.

Por um lado, o proletariado constituiu-se na única força real dentro da sociedade. O poder estava nas mãos dos trabalhadores e dos soldados, armados e organizados em sovietes. De outra forma, os líderes “moderados” da social-democracia (PSD) e os sindicatos bloquearam as vias de avanço sob a falsa política de “procrastinação da luta de classe” para “defesa da democracia” etc.

À semelhança dos mencheviques em 1917 e dos stalinistas por todo o mundo desde então, os líderes sociais democratas apelaram aos trabalhadores e aos camponeses para esquecerem a luta pelo socialismo no interesse da consolidação da democracia burguesa.

Eles não viram que as tremendas contradições no interior da sociedade inevitavelmente aumen- tavam a polarização das classes, o que somente admitiria uma das duas opções: ou a classe trabalhadora, à frente de todas as camadas oprimidas e exploradas da sociedade, derrubava a burguesia, suprimia a ficção de “Conselho Nacional” de Karolyl e sem mercê esmagava as forças da reação que se acobertavam por trás dela, ou então estas mesmas forças aproveitariam a situação para recobrarem forças, reagruparem-se e lançarem nova contra-ofensiva que descartaria as luvas de veludo da “democracia” para mostrar os punhos de ferro da reação fascista.

Não havia “meio caminho” . Ou os trabalhadores triunfavam e estabeleciam uma democracia proletária, ou a classe dominante se vingaria terrivelmente da classe trabalhadora e dos camponeses pobres. Inexistia outra saída, todavia os “meios termos” pareciam firmes em sua posição. Karolyl gozava de alguma popularidade, especialmente junto à massa pequeno-burguesa, resultante de sua oposição à guerra.

A social-democracia em seu período inicial cresceu aos trancos e barrancos, isto é, a passos largos. As massas recentemente despertadas para a vida política correram para as organizações de trabalhadores, desatentas ao papel que estava sendo desempenhado pelas lideranças. Não apenas os trabalhadores, mas muitos intelectuais, profissionais, até mesmo políticos e funcionários civis afiliaram-se ao PSD, alguns honestamente, outros em busca de “segurança política” com os olhos no futuro. Subitamente, sociais democratas e republicanos, até aqui perseguidos como perigosos radicais, transformaram-se em pilares da respeitabilidade e salvadores da sociedade.

Agora, quando a causa da monarquia estava irremediavelmente perdida, todos os elementos reacionários da sociedade juntavam-se sob o pendão da república burguesa, solidamente apoiados por Karolyl e a social-democracia.

Todavia, as massas não tardaram em entender o enorme golfo que agora surgia e se escancarava entre a forma de república de que necessitavam e a que tinham alcançado. Encorajados com os êxitos, os trabalhadores foram para à praça pública pressionar por suas reivindicações de classe, a despeito dos apelos frenéticos de apaziguamento de seus líderes. Em 16 de novembro, gigantesca de demonstração de centenas de milhares formou-se diante do edifício do parlamento em prol de uma república socialista.

Eles não tinham derrubado o Império Habsburgo quatrocentista meramente para devolverem o poder aos velhos sob novas denominações. Os soldados acorreram para Budapeste desde as linhas de frente. Rasgaram as insígnias das ombreiras dos oficiais. As ruas da capital ficaram repletas de soldados amotinados: 300.000 deles esperando para serem desmobilizados. Oficiais e burgueses eram atacados em praça pública.

O governo de Karolyl de governo tinha apenas o nome. Não contava com exército confiável em que apoiar-se. As armas estavam em mãos operárias. A economia achava-se virtualmente em colapso. A Hungria fora bloqueada por forças aliadas. A situação alimentar encontrava-se em situação crítica.

Numa tentativa de apaziguamento das massas, o governo Karolyl imaginou um programa de reforma agrária visando à distribuição de terras para os trabalhadores do campo de propriedades que excedessem 500 acres mediante compensações pagas pelo governo.

Karolyl, ele próprio proprietário rural, doou sua propriedade a camponeses. Mas seu exemplo não foi seguido pelo restante de sua classe. Similarmente todas as demais medidas deste governo, e também a reforma agrária, permaneceram no papel. Tal como a questão agrária, a mesma coisa aconteceu relativamente às oprimidas nacionalidades. A democracia burguesa húngara chegara de mãos vazias. Como o próprio Karolyl mais tarde lastimou: “A situação tinha agora mudado radicalmente, e o que nos tinha parecido oferta extremamente liberal se tornara inteiramente anacrônico. As minorias de ontem viam-se merecidamente como os vencedores de amanhã, e recusavam imaginar qualquer solução no âmbito da Coroa de São Estevão, entidade que para eles significava uma ofensa”.

“Muito pouco e muito tarde”, seria o epitáfio apropriado para a infeliz democracia burguesa na Hungria, que assumira o poder quando a história já tinha colocado na ordem do dia a revolução proletária como o único meio de solucionar problemas que burguesia fora incapaz de enfrentar. Ao crescente descontentamento dentro do país agora se acrescentava uma aterradora ameaça externa.

A queda de Karolyl

Durante a I Guerra Mundial, as burguesias nacionais da Europa do leste e central, inclusive a da Hungria, arregimentaram-se sob o pendão do imperialismo germânico, mas com a derrota da Alemanha e a desintegração da Áustria-Hungria as classes dirigentes de um aglomerado de estados recém-formados disputavam entre si na busca de favores do imperialismo britânico, francês e americano, enquanto simultaneamente guerreavam-se para ver quem abocanhava mais território de seus vizinhos.

A Doutrina Wilson adotada pelo imperialismo americano que abusara de falsos louvores a postulados democráticos e à autodeterminação das pequenas nações, desses expedientes servira-se como adequado pretexto para pequenas guerras predatórias que, por sua vez, serviram para balcanizar a Europa central e do leste, atrelando ainda mais firmemente as recém-formadas nações ao carro de guerra anglo-francês e do imperialismo americano através de bancos, ferrovias e gigantescas empresas.

O slogan Estados Socialistas da Europa, lançado pela recém-criada Internacional Comunista, representou a única esperança para os povos da Europa, fracionada e dessangrada pelas guerras, pela fome e pelo colapso econômico. Unicamente o êxito de uma revolução socialista podia proporcionar a saída para a desesperada falência em que .se encontravam os pequenos e retrógrados países europeus.

A classe dirigente da Hungria tentou proteger-se da tempestade acobertando-se por trás de algumas formas de democracia parlamentar. Mas as convulsões sociais desencadeadas pela guerra não admitiam soluções parciais. Muito mais rapidamente do que o Governo Provisório russo, o governo de Karolyl revelou sua bancarrota de forma ainda mais surpreendente.

Segundo a afirmação de Lenine: “A burguesia húngara admitiu perante todos os povos que renunciava voluntariamente e que a única força no mundo capaz de dirigir a nação num momento de crise era o poder soviético”. (Obras, vol. 29, p. 270).

A causa imediata da queda do governo foi o ultimato de 24 de março de 1919 apresentado pelos Aliados ao regime de Karolyl, determinando que a Hungria devia aceitar nova linha de demarcação. Por ocasião do armistício, poucos meses antes, a Hungria já tinha aceitado a humilhante perda de território. Agora, os ladrões aliados reuniam-se em Paris exigindo a entrega de território ocupado por mais de dois milhões de húngaros.

O impotente governo de Karolyl tentou tergiversar sugerindo um referendo, recurso este peremptoriamente recusado. Os Aliados solicitaram resposta no mesmo dia. Solapado pela pressão interna e externa, e compreendendo sua própria impotência, Karolyl recusou assumir a responsabilidade pelos negócios da nacionais e renunciou.

Assim fazendo, a totalidade da burguesia húngara admitiu sua total incapacidade de liderar o país num momento decisivo. No dia seguinte, 21 de março, a República Soviética foi proclamada. O proletariado assumia o poder sem disparar um tiro.

A súbita derrocada de Karolyl significou repentina e abrupta virada na situação do Partido Comunista Húngaro que apenas com quatro meses de existência se achou de repente confrontado com o problema do poder. Os líderes do partido eram jovens e por completo inexperientes. Sua visão, à semelhança do ocorrido com muitos dos partidos comunistas recém-formados, era influenciada por uma mistura de esquerdismo extremado e sindicalismo.

A impaciência deles levou-os a desconhecer a dinâmica do processo revolucionário e a complexa inter-relação entre a classe, o partido e sua liderança. De diversas formas, isto era compreensível. O Partido Comunista Bolchevique russo tinha-se estruturado no curso de décadas, e de sua vida pregressa constavam a experiência da revolução de 1905 e o trabalho sob as mais variadas situações.

Mas os novos partidos da Internacional Comunista na maioria dos casos eram compostos de jovens inexperientes que tinham aderido ao bolchevismo no período tempestuoso iniciado pela Revolução de Outubro. Não tiveram tempo de capacitar-se e adquirir a experiência e a autoridade necessárias aos olhos das massas quando mergulharam no turbulento movimento de 1918-1920. Em lugar nenhum a transição foi tão abrupta quanto na Hungria.

Os líderes do jovem PC, em sua maior parte formados de prisioneiros de guerra recentemente retornados da Rússia, demonstraram coragem, iniciativa e energia. Mas desde o inicio, a confusão deles em assuntos teóricos levou-os a cometerem uma série de erros sobre temas fundamentais que no futuro teriam conseqüências desastrosas.

No tocante à questão básica da terra, eles defenderam o confisco das grandes propriedades rurais, mas se opuseram à distribuição da terra para os camponeses sob o pretexto de que a medida favoreceria o desenvolvimento de pequenos proprietários, impedindo o fomento das idéias socialistas nas aldeias. Quanto à questão nacional, ao invés de claramente investirem em favor da auto-determinação, eles propuseram o inexpressivo slogan do “auto-desenvolvimento proletário.”

Não obstante, no clima revolucionário predominante os comunistas ganharam terreno rapidamente, a despeito de seus erros, penetrando nos quartéis, fábricas e sindicatos, setores até aquele momento dominados por dirigentes trabalhistas de direita.

Dada a disposição das massas, o PC experimentou crescimento espetacular em questão de semanas, não somente na Budapeste proletária, mas em Szeged, a segunda maior cidade, onde uma grande seção do PSD se desfez e muitos elementos da guarnição local desfizeram-se de seus cartões de filiação. Ainda mais importante, a Liga da Juventude do PSD passou em bloco para o PC em dezembro de 1918.

Alarmados diante do rápido crescimento do PC que ameaçava solapar sua tênue influência através de um trabalho organizado, os líderes da Social Democracia iniciaram campanha alarmista contra os “Bolchevistas Russos” e “dissidentes” e a “contra-revolução de esquerda”. À semelhança dos mencheviques russos, os líderes húngaros do PSD não consideravam a Hungria amadurecida para a revolução socialista.

Baseavam-se na idéia de um longo processo evolucionário no qual pacificamente, gradualmente, sem sobressaltos, a Hungria passaria, em primeiro lugar por um prolongado período de democracia burguesa e, então, talvez após 50 ou 100 anos, a sociedade húngara estaria “pronta” para o socialismo.

Infelizmente para as ideologias do gradualismo, os eventos em curso moviam-se celeremente em direção oposta. Observando a falência da democracia burguesa no enfrentamento de qualquer um dos problemas prementes, as massas resolveram agir sem delongas e ocorreu uma onda de ocupações de fabricas.

O controle operário foi estabelecido em muitos centros. Ocorriam constantes demonstrações de trabalhadores, de soldados e de desempregados nas ruas, No fim de janeiro de 1919, aconteceram sangrentos choques entre guardas governamentais e grevistas. O descontentamento espalhou-se pelo exército. A questão nacional irrompeu intensamente renovada com sublevações revolucionárias no oeste da Ucrânia. As promessas de autonomia de Karoly longe de amortecerem o movimento acrescentaram combustível às chamas.

Seguindo o exemplo de Noske (i) e Scheidermann (j) na Alemanha quando Rosa de Luxemburgo (k) e Karl Liebknecht (l) foram assassinados por instigação dos líderes sociais democratas, a liderança incentivou uma campanha anticomunista que culminou numa provocação semelhante à dos idos de julho na Rússia, ou seja a prisão da liderança do PC, Bela Kun e seus camaradas, os quais foram submetidos a selvagens espancamentos.

Contudo, erraram no cálculos. Em situação revolucionária, a disposição de ânimo das massas pode mudar rapidamente. As prisões serviram para evidenciar o papel contra-revolucionário dos líderes do PSD nos postos governamentais. As massas rudes que olhavam estes líderes na esperança de encontrarem solução para seus problemas agora se voltaram rapidamente contra eles.

O PC da posição de pequena minoria agora conseguia maior apoio em áreas decisivas do movimento operário. Os trabalhadores chegaram a uma conclusão simples: se o governo é contra o Bolchevismo, nós devemos ser a favor deste. Os dirigentes do PSD agora eram vaiados nos comícios.

Até mesmo sociais-democratas de direita, a exemplo de Erno Garami (m), mais tarde admitiram que “a prisão dos líderes bolchevistas em lugar de enfraquecer sua capacidade de luta a fortaleceu”.

Outro do mesmo estofo, Wilhelm Bohm (n), escreveu: “Privados de seus líderes, o movimento bolchevista ganhou novo alento”.

O movimento agora fluía fortemente em direção ao PC. As prisões serviram de catalisador para o total descontentamento e frustração acumulados das massas. No decorrer de março, surgiu inequívoca tendência para insurreição armada. Em Szeged, aos 10 de março o soviete local assumiu o controle e rapidamente foi seguido por outras cidades. Camponeses tomaram as terras do conde Esterhazy, sem esperarem por decretos governamentais.

Apanhados desprevenidos pela reviravolta dos acontecimentos, os líderes sindicais reformistas tentaram desviar o movimento para canais anódinos, recorrendo ao slogan favorável a uma assembléia constituinte. Mas os dirigentes do PSD foram isolados pelo impetuoso movimento das massas. Vigorosos batalhões de trabalhadores nas grandes fábricas de Budapeste aderiram ao PC.

Os operários estavam tiraram conclusões revolucionárias de toda a situação. Tinham derrubado 400 anos de domínio habsburgo através de seus próprios esforços e de suas organizações. Os sovietes de trabalhadores possuíam não apenas armas leves mas também metralhadoras e artilharia. Por outro lado, o governo não contava com forças armadas que pudessem travar batalhas em sua defesa.

As massas tinham passado pela árdua escola de guerra, da revolução e da contra-revolução sob máscara democrática, e agora estavam preparadas para uma decisiva demonstração. Os argumentos moderadores da liderança social-democrata não sortiam efeito.

Os trabalhadores corretamente interpretaram-nos como tentativas para desviar a atenção do operariado do objetivo central: o poder. A crescente impaciência dos trabalhadores ante o papel desempenhado pelos dirigentes sociais-democratas foi expressa na recusa dos gráficos de Budapeste de imprimirem o Nepszava, diário do PSD. Este setor operário parou em 20 de março – o mesmo dia em que os Aliados enviaram um ultimato a Karolyl. No dia 21, a greve dos gráficos generalizou-se, exigindo a libertação dos líderes do PC e a transferência do poder para os trabalhadores.

O movimento espontâneo provocou racha na liderança do PSD. Um setor da direção, identificado abertamente com a burguesia, estava preparado para desempenhar o mesmo papel contra-revolucionário de Noske e Scheidemann na Alemanha. Outros eram mais cautelosos. O governo de Karolyl entrou em colapso em seguida ao ultimato aliado.

Desmoralizados, os liberais burgueses transferiram o poder aos líderes operários reformistas, que aceitaram o presente com o coração pesaroso e mãos trêmulas. A burguesia transferiu o ônus da solução da crise para os ombros dos “moderados” sociais-democratas. Mas estes, sempre desejosos de aceitar o “dever patriótico”, encontravam-se numa posição singularmente fraca.

Sua influência no seio das massas celeremente reduziu-se a zero. Como podiam manter-se? Então surgiu um evento sem precedente na história: os dirigentes do PSD, ainda no governo, foram às prisões com o intuito de negociar com os líderes do PC, pouco antes aprisionados com sua conivência. Este fato em si, demonstra a principal mudança na correlação de forças de classe que ocorre em situações revolucionárias.

Lenine adverte

De início, os dirigentes do PSD propuseram apoiar o PC ausentes do governo. Quando esta alternativa foi recusada, os reformistas propuseram a fusão de partidos! Esta oferta equivalia a uma proposta para formar-se uma coalizão governamental sob o disfarce de Partido Socialista “único”. As velhas e astuciosas raposas que comandavam o PSD estavam dispostas a assinarem qualquer coisa, concordar com algo não importava quão radical parecesse, a fim de conseguir o acordo.

Os perpétuos expoentes do gradualismo subitamente aderiram à ditadura do proletariado, ao poder soviético, à revolução – o que quer que fosse – para conseguirem que os comunistas participassem do governo com eles. Na verdade, os sociais-democratas tão-somente reconheciam a real situação momentânea. Enquanto os líderes do PC negociavam em torno da unidade com o PSD, os trabalhadores em Budapeste levavam a cabo uma revolução sem derramamento de sangue, a qual o governo não podia oferecer resistência. O PC e o PSD uniram-se como um movimento quando o poder já estava efetivamente nas mãos da classe trabalhadora armada.

Isto constituía uma fusão burocrática negociada pelas cúpulas partidárias, ao invés de genuína unificação baseada no trabalho paciente para afastar os trabalhadores de seus velhos e falsos líderes. No entanto, no momento da unificação a influência dos comunistas nos setores decisivos do proletariado era muito maior do que a dos reformistas, pois estes se achavam seriamente comprometidos por sua colaboração no governo com a burguesia e suas ações repressivas contra os trabalhadores.

Eles acertaram a idéia da fusão unicamente quando seu próprio futuro em todos os aspectos se encontrava ameaçado e a revolução constituía um fato. A idéia era preservar prestígios e privilégios atirando-se no regaço do lado em situação vantajosa. Somente os elementos mas declaradamente contra-revolucionários, liderados por Erno Garami, recusaram-se a participar da unificação. Entre aqueles que assumiram tal atitude, alguns eram ao mesmo tempo burocratas honestos, esquerdistas ou obstinados direitistas.

A despeito da falta de informações, e da grande distância separando Lenine dos eventos na Hungria, ele logo sentiu o perigo dessa decisão:

“A primeira comunicação que nós recebemos sobre o assunto (a unificação- AW) deu-nos razão para temer que talvez os auto-intitulados socialistas, traidores socialistas, tivessem recorrido a algum tipo de subterfúgio, ludibriando os comunistas, tanto mais que estes se encontravam na prisão” (Obras, vol. 29, p. 242).

Numa mensagem telegráfica para Bela Kun (o), Lenine externava dúvidas quanto ao acerto da unificação nos seguintes termos:

“Obséquio informar-nos que garantias efetivas vocês têm de que o novo governo será realmente comunista, e não simplesmente socialista, isto é, um governo de sociais traidores. Terão os comunistas maioria no governo? Quando acontecerá o congresso dos sovietes? Em que consiste o real reconhecimento pelos socialistas da ditadura do proletariado?

“Afora qualquer dúvida, a simples aplicação de nossas táticas russas, em cada pequeno detalhe, às condições da revolução húngara seria errôneo. Eu devo advertir contra esses erros, mas gostaria de saber em que vocês vêem garantias reais?” (Obras, edição russa, vol. 29, p. 203).

Bela Kun respondeu a Lenine de forma atenuante. Mas Lenine não se convenceu. No 1º Congresso da Internacional Comunista que se realizou logo após à revolução húngara, ele avisou ao comunista húngaro Laszlo Rudas (p):

“Eu vejo a unificação como perigosa. Teria sido melhor formar um bloco em que ambos partidos preservassem suas independências, desta maneira os comunistas seriam capazes de aumentar seu potencial dia após dia, e caso necessário, se os sociais-democratas não cumprissem suas obrigações revolucionárias, chegar-se-ia a uma dissensão . (Szabad Nep, 21 de janeiro de 1949).

A advertência de Lenine aos comunistas húngaros não tinha nada em comum com uma posição intransigente e sectária. De fato, o próprio Lenine defendia a idéia de unificação, contanto que fosse executada apropriadamente, através de um programa revolucionário bem claro e ao mesmo tempo excluindo todos os líderes direitistas. O erro não foi buscar a unificação com os sociais-democratas, mas embaralhar as bandeiras e programas irrefletidamente.

Os comunistas húngaros na realidade liquidaram seu partido na fusão com o PSD cujos líderes ficaram com a parte do leão das posições de liderança na nova agremiação partidária, nos sindicatos e no governo. Pela ação de Bela Kun e os outros, os próceres revolucionários mais avançados da classe submergiram no seio da massa politicamente mais atrasada e rudimentar.

Logo se comprovou que o erro fora fatal. Ele demonstrou exatamente o que teria acontecido na Rússia, no caso da pretensa fusão dos bolcheviques com os mencheviques depois da revolução de fevereiro, como advogavam Stalin e Kamenev, ou sucumbido em novembro de 1917 por causa das pressões para formar-se coalizão “governo dos sovietes de todos os partidos”, afortunadamente recusada por Lenine e Trotsky.

Erros dos comunistas húngaros

É lei revolucionária que no momento decisivo quando se enfrenta a questão do poder, a liderança do partido revolucionário inevitavelmente tende a receber pressão de influências estranhas; a pressão da “opinião pública” burguesa e até mesmo de camadas retrógradas da própria classe operária. Os dirigentes bolcheviques em Petrogrado no curso de fevereiro de 1917 demonstraram muito mais experiência do que os líderes comunistas húngaros em março de 1919, contudo Kamenev e Stalin, sob pressões enormes, cederam à linha de menor resistência, defendendo o apoio ao Governo Provisório e a unidade com os mencheviques.

O temor de ficar “isolado”, de aparecer aos olhos das massas como “dissidentes” e “sectários” atua como poderosa pressão sobre os ombros da liderança revolucionária. Somente uma visão abrangente do processo revolucionário teria provido sadias políticas de resistência a essas pressões. Aos líderes comunistas húngaros, jovens e inexperientes, faltavam o discernimento e a firmeza necessários; assim vacilaram e perderam a cabeça.

Tivessem eles preservado a independência, levando em conta as admoestações de Lenine para que propusessem aliança de ação com o PSD e atuassem pacientemente no convencimento dos trabalhadores sociais-democratas quanto à correção de suas idéias e de seu programa, teriam eles rapidamente conquistado a grande maioria dos trabalhadores como também os indivíduos honestos entre os lideres, conseguindo excluir e isolar os corruptos e carreiristas. Foi o desejo de encontrar um “atalho” que efetivamente evitou que o PC agisse acertadamente.

O novo governo dos trabalhadores na Hungria gozava de uma série de vantagens. A revolução, contrariamente a todos os argumentos sempre suscitados pelos reformistas acerca de possível violência, aconteceu inteiramente sem derramamento de sangue. A burguesia estava totalmente desmoralizada e abalada para que lhe fosse possível oferecer qualquer resistência. O grosso da população indubitavelmente identificado com o novo governo, não apenas os trabalhadores e os camponeses mas também, distintamente do que ocorreu na Rússia, grande setor da inteligência o qual, em parte por causa de velhas tradições nacionais-revolucionárias, apoiavam a revolução.

Por outro lado, a república dos trabalhadores Húngaros nasceu num momento crítico da vida do imperialismo mundial. Os próprios alicerces do sistema pareceram entrar em colapso sob os pesados golpes revolucionários. O ano de 1919 foi venturoso na história da humanidade. Após as comoções revolucionárias de Berlim em janeiro, a Áustria entrou num estágio de fermentação revolucionária. Efêmera república soviética foi proclamada na Baviera.

Na França, o período de desmobilização foi acompanhado por extrema tensão. Na Grã-Bretanha, o movimento dos dirigentes sindicais e a Aliança Tríplice alcançaram ponto alto. Houve luta pela jornada de 40 horas semanais, o movimento “Mãos fora da Rússia”, motins no exército e revolta no Clyde.

 medida que o ano avançava, ocorreram vigorosas greves na Holanda, na Noruega, na Suécia, na Iugoslávia, na Romênia, na Tchecoslováquia, na Polônia, na Itália e até nos Estados Unidos. Mediante política e orientação corretas, a revolução húngara podia ter levado as chamas da revolta para o coração da Europa, segundo os estrategistas do imperialismo reconheceram muitíssimo bem.

Tragicamente, os líderes comunistas húngaros cometeram erros seguidos os quais efetivamente selaram os destinos da revolução. Conforme já salientado, o partido assumiu posição completamente errônea sobre a questão agrária. Esta não foi posta em prática. Dos nove milhões de habitantes da república soviética húngara 4,4 milhões trabalhavam a terra. Havia 5.000 grandes proprietários rurais (1% do total), que detinham mais terra do que os 99% restantes. Existia 1 milhão de “proletários rurais”; cerca de 700.000 pequenas famílias camponesas; mais de 100.000 camponeses médios (11,7% do total), cerca de 70.000 herdades de fazendeiros (8% do total). Uma política agrária correta podia e devia conquistar a grande maioria dos camponeses para a revolução.

Na Rússia o decreto da terra foi um dos primeiros promulgados pelos bolcheviques, imediatamente após assumirem o poder. Na Hungria, passaram duas semanas para que o novo governo publicasse o decreto da terra – longo tempo numa situação revolucionária -, que proporcionou aos elementos contra-revolucionários nas aldeias oportunidade áurea para espalharem rumores alarmantes e propaganda anti-socialista. Pior ainda, a impaciência da extrema esquerda comunista levou a um aborto de reforma agrária.

Bela Kun e seus companheiros tinham uma visão “economicista”. Não compreenderam a natureza dialética do relacionamento entre o proletariado e o campesinato e olhavam de soslaio a política bolchevique de distribuição da terra para os camponeses, o que a curto prazo galvanizava a massa de pequenos camponeses em torno da bandeira da revolução socialista. “Tibor Szamuely (q) e eu, “escreveu Bela Kun depois da derrota da revolução, “acreditávamos que nossa política agrária era mais inteligente que a dos bolcheviques russos, porque não dividimos as grandes propriedades entre os camponeses, mas iniciou-se a produção socialista nelas, baseando-nos nos trabalhadores rurais e não os transformando em inimigos do proletariado, graças ao fato de não os havermos convertido em possuidores, proprietários de terra”.

A impaciência e o afobamento dos líderes do PC levou-os a exagerar e idealizar a existência de elementos de “consciência socialista” entre os camponeses húngaros, muito mais do que os narodniks (r) russos tinham feito no século anterior. Tibor Szamuely descreveu estas ilusões numa reunião em maio de 1919 na Rússia em discurso difundido pelo Izvestia em 05 de maio:

“A idéia de organizar comunas é acolhida com a melhor simpatia. No seio do campesinato húngaro não há grupos dispostos a lutarem contra a idéia” (ênfase de Alan Woods).

“Socialismo agora”

Na realidade, o campesinato, devido a todo o seu modo de existência e seu papel na produção, é a classe menos capaz de desenvolver uma consciência coletiva. Alguns comunistas húngaros pareciam compreender este fato melhor do que Bela Kun. Em artigo publicado na primeira edição do Communist International:

“Lazlo Rudas frisou que o camponês pobre e médio era, no melhor dos casos, indiferente ao destino da ditadura do proletariado”.

Todavia esta observação é apenas relativamente verdadeira. Por que os camponeses russos pobres e médios não eram indiferentes à sorte do estado operário russo? Porque os bolcheviques russos tinham distribuído a terra para os camponeses; eles sabiam disso ao defender o estado proletário ao mesmo tempo que defendiam seus tratos de terra contra os grandes proprietários apoiadores dos exércitos brancos. Nesse caso, a ”consciência socialista” está ausente.

No entanto, os bolcheviques liderados por Lenine e Trotsky, fizeram hábil uso da questão agrária para ganhar a massa camponesa de muitos milhões para a revolução socialista. Longe de transformar os camponeses em inimigos, a política agrária dos bolcheviques transformou-os em entusiásticos defensores da revolução. Sem essa aliança, os bolcheviques não teriam sobrevivido por mais tempo que a república soviética húngara.

A posição dos líderes sociais-democratas sobre essa questão não era melhor, porém pior do que a de Bel Kun. Nepszava, o órgão do novo partido, controlado pelos sociais-democratas, escreveu: “Podemos orgulhar-nos da solução do problema agrário... Fomos capazes de resolver a questão em virtude de uma circunstância feliz(!): em nosso pais a produção agrícola não é utopia. Boa parte da terra cultivada passou para a produção coletiva” (06 de junho de 1919).

Na prática, esses burocratas conservadores estavam por natureza aterrorizados diante de qualquer iniciativa das massas. Para esses elementos, a idéia fomentada por Marx e Engels, e realizada pelos bolcheviques, de uma “segunda edição da Guerra Camponesa” como um braço auxiliar da revolução proletária, era anátema. Escondendo-se por trás dos líderes do PC eles apoiavam a coletivização, não devido a qualquer entusiasmo revolucionário, mas como possível artifício para evitar-se “desordens’ nas aldeias.

Eles executaram a reforma agrária empregando meios totalmente burocráticos, privando-a de qualquer conteúdo revolucionário e recurso apelativo que ela devia expressar. No fundo, os sociais-democratas opunham-se ao confisco da terra – anos mais tarde o próprio conde Karolyl revelou que à idéia de reforma agrária opuseram-se não apenas os latifundiários e a igreja, mas também os líderes do PSD. O resultado foi um aborto. “Comissários para a Produção” foram encarregados de cuidar das fazendas coletivas. Em muitos casos, isto não diferia da prática dos proprietários anteriores. Eles permaneceram nas velhas casas, e os camponeses continuaram a tratá-los de “Senhor”.

Como poderia tal situação sensibilizar os camponeses pobres e os peões? Até aonde eles podiam entender, nada de fundamental mudara em relação ao passado. Isto explica a indiferença dos camponeses pobres e médios “no melhor dos casos”, quanto à revolução.

Os aldeões pobres não foram convencidos pelo novo estado de coisas, o qual rigorosamente se assemelhava ao anterior, embora a denominação tivesse mudado. Os pequenos proprietários suspeitavam das intenções do governo e facilmente influenciaram-se pela propaganda dos camponeses ricos e latifundiários cujas propriedades o governo desejou nacionalizar. Enquanto a política leninista serviu para introduzir uma cunha entre os pequenos camponeses e os culaques (s), a política mais “hábil” de Bela Kun teve êxito somente em promover a união dos pequenos agricultores/camponeses e os culaques num bloco hostil à revolução.

A falência da política agrária implicou em sérios efeitos noutros setores. O governo, cônscio da hostilidade ou indiferença da maioria dos camponeses, não se sentiu suficientemente seguro em confiscar cereais, como os bolcheviques tinham feito na Rússia. Isto significou ponderáveis dificuldades para suprir as cidades e o exercito vermelho de alimentos e roupas nos críticos meses seguintes. O erro foi fundamental.

Nos meses posteriores, o governo em lugar de concentrar todos os esforços na ampliação de sua base de apoio e travar luta impiedosa contra a subversão anti-revolucionária, desperdiçou suas energias em toda espécie de questões secundárias. Sob insistente pressão de Lenine, foi introduzida a jornada de oito horas diárias juntamente com número válido de reformas práticas a fim de elevar o padrão de vida popular.

No entanto, mais tempo foi desperdiçado em paradas, discursos e comemorações. Num momento em que as forças da reação se arregimentavam nas fronteiras e dentro da Hungria, ministros dedicavam-se a mil e um projetos culturais. Lenine viu-se obrigado a queixar-se junto a Laszlo Rudas a respeito da fatuidade dos dirigentes do PC húngaro nos seguintes termos:

“Que tipo de ditadura (do proletariado) é que vocês implantaram, socializando teatros e bandas de música? Será que vocês pensam que isto agora constitui a mais importante tarefa?”(Szabad Nep,  21 de janeiro de 1919).

A república soviética húngara, que conquistara o poder com tal facilidade, agora se encontrava em posição insegura para resistir ao assalto da reação. O governo em si era composto de 13 membros, dos quais apenas quatro eram comunistas. Eles imitavam todas as aparentes formas da Revolução Russa (algo que Lenine lhes tinha advertido para evitar), inclusive a fútil criação de uma inspetoria camponesa, e até mesmo proclamaram Lenine “Presidente Honorário” do soviete de Budapeste! Por outro lado, o Exército Vermelho, criado por decreto de 30 de março, era na realidade o mesmo velho exército sob nova denominação, posto sob controle do social-democrata Pogany (t) e comandado por oficiais do regime anterior. O maior número de comissários vinculado ao exército era social-democrata, inclusive Moor, o comissário superior

A Milícia Vermelha incluía destacamentos recrutados entre a velha polícia civil e militar sem nenhum critério seletivo. Desta maneira, ao invés de destruir completamente o aparato do velho estado, importantes elementos dele foram mantidos sob nova rotulagem. Somente aos poucos é que o exército e as milícias foram expurgadas de antigos elementos reacionários. Entretanto inapreciável tempo perdera-se na luta contra a reação.

Em 133 dias de existência, a república soviética publicou nada menos de 531 decretos. Se revoluções fossem vitoriosas por força de papelório, os trabalhadores húngaros nunca teriam sido vencidos. Infelizmente para Bela Kun, a reação lutou com balas de verdade.

Na frente econômica, a impaciência dos líderes do PC acarretou-lhes enormes problemas. Após a revolução de outubro os bolcheviques nacionalizaram somente os bancos e as grandes indústrias. Essas medidas foram suficientes para concentrar todas as alavancas fundamentais da economia sob o poder do estado dos trabalhadores e a mais complicada tarefa de integrar pequenas e médias empresas ao setor nacionalizado podia prosseguir a passos mais ordenados e lentos.

Todavia o desejo de Bela Kun de “dar passadas mais largas” do que os bolcheviques induziu o estado dos trabalhadores húngaros a nacionalizar sem compensação todos os estabelecimentos com mais de 50 empregados nos cinco dias após assumirem o poder. Esta providência equivaleu a tentar realizar demais muito cedo, num país atrasado onde as indústrias de vulto ainda representavam um setor relativamente pequeno.

De fato, dentro de um mês não menos de 27.000 empresas foram nacionalizadas – muitas delas com menos de vinte operários. É verdade que a iniciativa para as nacionalizações comumente partiam dos próprios trabalhadores. O governo assoberbou-se com solicitações para que fossem assumidas. Até mesmo os fabricantes de perucas pretenderam sua estatização.

Mas a idéia dos líderes comunistas húngaros de introduzirem “o socialismo agora” sem que tomassem as cautelas e considerações relativas à transição entre o capitalismo e o socialismo criaram vultosas dificuldades. Sem o reparo adequado e tecnologia suficientemente desenvolvida, a nacionalização de milhares de mini-empresas representou um suicídio e implicou em considerável desarticulação econômica. Medidas tais como o decreto de requisição de todos os taxis de Budapeste e de outras cidades, desatentas ao número de pessoas envolvidas, antagonizaram importantes seções da classe média, pequenos produtores e artesãos.

Os erros cometidos pelos comunistas húngaros enfraqueceram seriamente a revolução diante da crescente ameaça das forças reacionárias. As potências imperialistas, reunidas na Conferência de Paz em Paris compreenderam muito bem o perigo representado pela “questão húngara”. Foi levantada a possibilidade de intervenção armada. No entanto a fraqueza latente do imperialismo naquele momento revelou-se em sua inabilidade para intervir diretamente contra a revolução húngara.

Em substituição, os imperialistas britânicos, franceses e americanos viram-se obrigados a confiar nos préstimos das burguesias tcheca, romena e francesa para fazer o trabalho sujo pretendido. Em 16 de abril, os romenos lançaram o ataque. A agressão imediatamente revelou a fraqueza e o despreparo da República Soviética Húngara. O “Exército Vermelho” composto de soldados e oficiais do velho regime ruiu diante da ofensiva, com um número de seções passando para o lado inimigo.

O imperialismo intervém

O exército romeno penetrou profundamente no território húngaro sem encontrar resistência expressiva. Em acréscimo ao perigo, os sérvios, açulados pelos Aliados, invadiram pelo sul, enquanto a “democrática” burguesia tcheca também juntou-se à invasão, atacando pelo oeste com tropas sob o comando de oficiais franceses e poloneses.

O Times de 07 de maio de 1919, expressando os objetivos imperialistas, exigia a rendição da Hungria, o desarmamento do Exército Vermelho, a renúncia do governo e a ocupação do país por tropas aliadas. Ao primeiro sinal de perigo, os sociais-democratas no governo quiseram entregar os pontos, e Wilhelm Bohm, um dos principais dirigentes do PSD, e ex-comandante do Exército Vermelho, esboçou plano de capitulação.

As atividades desmoralizadoras desses dirigentes trabalhistas de direita, serviram para paralisar o governo num momento decisivo. Indubitavelmente, se a coisa fosse deixada em suas mãos, Budapeste teria sido ocupada pelos Brancos sem resistência.

No entanto o heróico proletariado de Budapeste outra vez assumiu integralmente a causa revolucionaria, forçando mudança de curso do governo, Numa série de reuniões de massa, os trabalhadores ignoraram os apelos de Bohm & Cia. e decidiram lutar. Promoveram-se arrecadações em todas as grandes fábricas e organizaram-se colunas de voluntários que foram mandadas para a frente de batalha. Em poucos dias, graças à magnífica iniciativa dos trabalhadores, milhares de voluntários juntaram-se ao Exército Vermelho – operários, ferroviários, escreventes, funcionários postais, contínuos, escriturários, que modificaram toda a situação em 24 horas.

O Exercito Vermelho foi reorganizado sobre novas bases. E em 02 de março, os trabalhadores de Budapeste conseguiram fazer recuar as forças invasoras por todo o front. Numa brilhante campanha de sete dias, o Exército Vermelho proletário passou da defensiva para a ofensiva, recapturando muitas cidades e aldeias, e superando enormes dificuldades.

O exército tcheco entrou em pânico diante da ofensiva. Amplas áreas da Eslováquia foram liberadas, e em 16 de junho proclamou-se a República Soviética Eslovaca.

Contudo, os heróicos esforços dos trabalhadores húngaros estavam sendo constantemente solapadas pelas lideranças do PSD participantes do governo, que na oportunidade iniciaram uma campanha de críticas contra supostos “métodos severos” e “crueldade desnecessária”. Na realidade, ninguém podia acusar os trabalhadores húngaros de recorreram a práticas excessivamente cruéis, pois a verdade era o inverso.

A revolução tinha sido por demais indulgente com os inimigos, e agora pagava exorbitante preço. Exigir a renúncia a “medidas severas” no aceso de uma guerra civil cruenta e sangrenta equivalia a render-se ao inimigo. Mesmo o mais democrático parlamento de qualquer governo burguês não toleraria propaganda derrotista no curso de uma guerra. Ainda, os trabalhadores húngaros eram obrigados a travar combate em duas frentes: contra o inimigo de classe visível no front e os agentes encobertos e hipócritas empenhando-se em sabotar os esforços de guerra incrustados em posições dentro do próprio governo.

Muito tarde, os dirigentes comunistas compreenderam os erros decorrentes da unificação partidária. Bela Kun resmungou em censura ao comportamento dos sociais-democratas e insinuou a necessidade de uma cisão no momento exato em que mais firme e decisiva união da liderança tornava-se necessária para a luta. O governo estava tomado de cisões e divisões. Os partidários sociais democratas, maioria em todos os setores do partido “unido” com pouquíssimas exceções controlavam o “Conselho Governamental Revolucionário”

Esses carreiristas consumados, que inicialmente apoiaram a “ditadura do proletariado” para conseguir cargos, estavam agora decididos a não apoiar o cavalo que perdia, e diligentemente “namoravam o outro lado”. Eles procuravam afastar-se dos “bolcheviques e culpá-los por tudo, refazendo suas credenciais como respeitáveis e “democráticos” políticos burgueses que nenhum perigo representavam e haviam participado da revolução com o objetivo de “evitar excessos” e assegurar que todo o processo não se descontrolasse.

Se o processo não cindiu, foi porque os dirigentes comunistas, a despeito da pressão da Internacional Comunista para separarem-se abertamente dos sociais-democratas, vacilaram e recuaram sob pressão.

As atividades do PSD no governo encorajaram o imperialismo. Por iniciativa do “campeão dos povos”, o presidente Wilson (u), a Conferência de Paz de Paris, no momento alarmada com os êxitos do Exército Vermelho, mandou novo ultimato a Budapeste em 8 de junho, exigindo que o Exército Vermelho suspendesse seus avanços. Terminava por convidar o governo húngaro a Paris para “discutir as fronteiras húngaras”. À nota, seguiu-se um segundo ultimato, ameaçando com o uso da força caso recusasse as novas exigências.

O ultimato foi aproveitado por Bohm & Cia. para o lançamento de nova campanha pela paz a “qualquer preço”. Sob pressão, Bela Kun novamente contemporizou e defendeu a idéia de trégua. Em 18 de junho, Lenine enviou telegrama no qual explicou que, porquanto negociações com os Aliados fossem, em si e por si, uma tática correta para ganhar tempo, nenhuma confiança devia-se depositar nos Aliados e suas ofertas de paz. Efetivamente, não havia a menor garantia de que as promessas dos Aliados seriam cumpridas se aceito o ultimato.

Com exércitos estrangeiros ainda em seu solo, pedia-se que a revolução se desarmasse baseada num pedaço de papel.Não obstante, iniciaram-se as negociações e o Exército Vermelho começou a retirar-se.

Há momentos psicológicos decisivos na história de uma revolução, tanto quanto numa greve. A renúncia a posições conquistadas com grande esforço e sem um tiro teve efeito desastroso para o Exército Vermelho. A malsinada República Soviética da Eslováquia rendeu-se ao inimigo. O moral dos operários e camponeses sofreu pesado golpe. Lenine tinha advertido contra o perigo de ilusões na “boa-fé” dos Aliados, e agora os húngaros caiam temerariamente na armadilha. Segundo o próprio Bela Kun mais tarde admitiu:

“Não respondemos às manobras de Clemenceau (v) através de contra-manobras. Não nos tínhamos esforçado para ganhar tempo prolongando as negociações. Nós até tentamos compeli-los a aceitar tais acordos, mas tão-somente fazíamos o que eles exigiam, sem a mais leve garantia, sem levarmos em conta a possibilidade de desintegração do exército no caso de retirada”.

Reino de terror

A sorte da revolução húngara agora se encontrava selada. Em 24 de junho, houve tentativa de levante contra-revolucionário em Budapeste sob a direção de um pretenso movimento Nacional “Social Democrático”, mas foi derrotado em 24 horas. Em 20 de julho, Clemenceau publicou nota adicional declarando que o governo húngaro “não era competente para negociar” e exigiu ao mesmo tempo a formação de novo governo excluindo o PC e composto de “líderes trabalhistas responsáveis”. Os líderes do PSD ansiosamente aceitaram as imposições, o que era de esperar.

Eles se tinham escudado no PC, mas agora o pêndulo pendia noutra direção e Bela Kun & Cia. já não lhes era útil. De novo, nesse preciso momento, os líderes comunistas revelaram extremas ingenuidade e confusão. Em lugar de travarem luta para expor a finalidade das manobras dos líderes sociais-democratas, (que coincidentemente estavam em ligação direta com as missões militares francesa, britânica, italiana e americana em Budapeste) eles efetivamente decidiram renunciar “a fim evitar inútil derramamento de sangue”.

Realizou-se um golpe de estado sem o disparo de um tiro sequer. Os líderes operários “responsáveis” concentraram todo o poder em suas mãos com a intenção de devolvê-lo tão celeremente quanto possível aos latifundiários e capitalistas.

Com esse episódio, a virada para o lado da contra-revolução assumiu caráter irreversível. O novo governo social-democrata apressou-se em desfazer todas as resoluções tomadas pela revolução. Devolveram-se empresas nacionalizadas a seus proprietários anteriores. Eliminaram-se ganhos dos operários e camponeses. Muitos membros do PC foram presos, enquanto elementos contra-revolucionários eram soltos. Em sua cegueira reformista, os líderes operários de direita imaginaram que essas ações os valorizariam perante os Brancos, habilitando-os a fazer as pazes com a reação triunfante. Vã ilusão! Em 06 de agosto, o novo governo foi por sua vez derrubado por um bando de aventureiros militares. Desorientados e sem liderança, o heróico proletariado de Budapeste tornou-se incapaz de oferecer qualquer resistência.

Com a entrada do exército romeno em Budapeste, iniciou-se um reinado de terror contra a classe trabalhadora húngara. Os latifundiários e capitalistas vingaram-se pelos susto que passaram, sem vacilações ou escrúpulos quanto a “atos de crueldade”. Arrastavam soldados feridos do Exército Vermelho dos hospitais e assassinava-os. Os Brancos empregaram os mais bárbaros e medievais métodos de tortura; 5000 pessoas perderam suas vidas nesse período. E os Pôncios Pilatos do “gradualismo”, aqueles líderes operários reformistas que protestavam   ruidosamente ante os alegados “excessos” dos trabalhadores e camponeses, em retribuição pela manutenção de seus empregos e privilégios agora olhavam noutra direção, justificando o morticínio e a repressão da maneira mais covarde.

A derrota da revolução húngara de 1919 significou duro golpe para a classe operária internacional. A revolução russa permaneceu isolada num país atrasado, e este fato determinou a subseqüente degenerescência.do primeiro estado operário mundial. No entanto a derrota não era inevitável. A despeito da dificuldade para defender-se, pois era um país pequeno e sem obstáculos naturais, uma política correta poderia conduzir a resultados diferentes. Em particular, a falha em não se adotar política agrária correta demonstrou que a revolução não atraiu os soldados camponeses em armas servindo nas fileiras dos exércitos romenos, tchecos e sérvios. Mas essa possibilidade existiu. Como aconteceu, os 4º, 9º, 161º exércitos romenos recusaram-se a combater. Durante a guerra houve greves expressivas de trabalhadores romenos em Ploesti, Bucareste, etc. O jornal austríaco Deutsche Volksblatt noticiou a apatia e o descontentamento das tropas invasoras:

“Nos exércitos romeno e tcheco ocorreram notórios afrouxamentos de disciplina e as idéias bolcheviques espalhavam-se em seu meio, o que é indicado pelo fato de que na Bessarábia o movimento dos trabalhadores e camponeses voltou-se contra o domínio romeno”.

Cerca de 8.000 soldados tchecos recusaram-se a lutar e desertaram em massa através dos Cárpatos para a Galícia, onde os poloneses os internaram. Houve também casos de confraternização na frente iugoslava. Tudo isso demonstra o que teria sido possível se os comunistas húngaros tivessem perseguido políticas corretas no curso da revolução.

Hoje, 60 anos mais tarde, não obstante todos os erros, a breve experiência da república soviética húngara é uma fonte de inspiração para todos os trabalhadores e socialistas. Somente pela análise dos erros do passado será possível educar as presentes gerações e prepará-las para as tarefas porvindouras que mais uma vez surgirão diante do movimento obreiro na Grã-Bretanha e internacionalmente.

Em 12 de novembro de 1979.

Tradução de Odon Porto Almeida do texto The Hungarian Soviet Republic of 1919 – The Forgotten Revolution, de Alan Woods, divulgado pelo web site In Defence of Marxism, em 27/05/2011.

Notas do tradutor -

a) Conjunto de leis consuetudinárias também chamado de Tripartium, elaborado pelo jurista e membro da nobreza inferior magiar István Werböczy.

b) ou Francisco José I (1830-1916). Imperador da Áustria e rei da Hungria. Firmou as prerrogativas do Estado mantendo atitudes antiliberais. O assassinato de arquiduque Francisco Fernando, seu sobrinho, em junho de 1914, serviu de pretexto para o início da I Guerra Mundial, de que participou seu império.

c) Antiga família húngara de grandes proprietários e influentes personalidades. É mencionada pela primeira vez em 1238. Um indivíduo nascido no império austro-húngaro, chamado Ferdinand Walsin Esterhazy (1847-1923), oficial do exército francês, de péssimo caráter, e que alegava ser originário do ilustre tronco magiar, foi o autor do documento com segredos militares franceses vendido à Alemanha. De sua autoria, porém, acusaram o brilhante oficial francês Alfred Dreyfuss (1859-1935), acarretando-lhe terríveis sofrimentos. Após intensa e longa batalha de eminentes jornalistas, escritores e outros vultos franceses a inocência de Alfedo Dreyfuss foi comprovada. De passagem, assinale-se que a acusação tinha um viés anti-semita, vez que A. Dreyfuss era de origem israelita. No final, Ferdinand Esterhazy recebeu leve punição pelos dissabores que causou a Alfred Dreyfuss e à própria sociedade francesa de sua época.

d) (1861-1918) Primeiro ministro de 1903 a 1905. Retirou-se após a derrota de seu Partido Liberal nas eleições de janeiro de 1905. Fundador, em 1910, do Partido Nacional do Trabalho, tornando-se primeiro ministro em junho de 1913. Apoiou a política da aliança dos Habsburgos com a Alemanha, o que significou compromissos bélicos, daí sua oposição a acordos de paz.

e) (1875-1955). Conde; democrata. Chefiou o governo provisório em 1918, dirigindo um apelo a Bela Kun em 1918 para formação de novo gabinete diante da intransigência dos aliados.

f) Assinados pela Alemanha e seus aliados com a Ucrânia e a Rússia socialista em fevereiro e março de 1918. Foram objeto de duradoura polêmica, entre os bolcheviques, porém considerados por Lenine como necessários, pois representava uma pausa para que a Rússia, então reconhecidamente enfraquecida, respirasse, mormente na expectativa de revoluções nos países ocidentais mais avançados Foram revogados pelo Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919

g) Czernin Ottakar (Boêmia,1872- Viena, 1932). Político austro-húngaro, filho de uma família da Boêmia há longo tempo germanizada. Atuou junto ao arquiduque Francisco Ferdinando em favor de uma política um pouco liberal em relação às nacionalidades do império. No decorrer das negociações de Brest-Litovsk, foi submisso às tendências da delegação alemã

h) Hoffmann, Max (1969 – 1927). General alemão. Chefe do estado-maior na frente oriental em 1916. Nas negociações de Brest-Litovsk assumiu uma posição intransigente visivelmente imperialista diante da delegação russa

i) Gustav Noske (1868-1946). Político alemão, filho de operário e operário por sua vez. Exerceu vários ofícios. Iniciou sua militância no PSD e foi redator de jornais do mesmo partido. Em 1906 elegeu-se deputado ao Reichstag, dedicando-se a assuntos militares e navais, o que facilitou suas ligações com o estado-maior germânico durante a I Guerra Mundial. Nomeado governador de Kiel, esmagou a rebelião dos marinheiros em 1918. Favoreceu a criação dos corpos francos, tornando-se, em 1919, o odiado carniceiro do movimento revolucionário dos trabalhadores alemães

j) Phillip Scheidemann (1865-1939). Líder da ala direitista do Partido Social Democrata. Aliou-se à Reichswehr e aos corpos francos para esmagamento da revolução comunista em Berlim. Após a ascensão de Hitler ao poder, exilou-se na Dinamarca onde faleceu

k) Rosa de Luxeburgo (1871-1919). Nasceu em Zamoshc, Polônia, no seio de uma numerosa família judia. Aos 18 anos de idade, a fim de evitar a prisão por causa da agitação revolucionária em que se empenhara, teve de mudar-se para Zurique (Suíça), onde continuou suas atividades políticas, ao mesmo tempo em que estudava economia; doutorou-se em 1898. Manteve contactos com sociais democratas russos, entre os quais Georgy Plekhanov e Pavel Axelrod. No entanto, suas diferenças teóricas foram sempre agudas, e ela chegou a romper simultaneamente com o Partido Social Democrata russo e o de sua pátria. Seu assassino, o soldado Otto Runge (1870-1945), foi preso e submetido a uma farsa de julgamento, recebendo pena de prisão irrisória. Logo que Hitler assumiu o poder, o assassino, já livre, conseguiu uma indenização de 6.000 M., alegadamente por serviços prestados à pátria alemã. Num período da crise da República de Weimar (1919-1933), esse vil criminoso conseguiu documentos com nome falso, entrou numa fila para receber ajuda, foi desmascarado pelos operários que lá se encontravam e mal sobreviveu a uma tremenda sova.

l) Karl Liebknecht (1871-1919). Filho de Wilhelm Liebknecth, um dos fundadores e dirigente, em 1907, da Juventude Internacional Socialista. K. Liebknecht, na qualidade de membro do Reichstag, foi o único deputado a opor-se à aprovação dos créditos de guerra em 1914. Com outros, liderou o levante de Berlim em 1919, motivo por que foi barbaramente assassinado por milicianos contra-revolucionários

m) Nasceu em 1876, em Budapest e faleceu em 1935. Político húngaro, assumiu a liderança do PSD daquele país em 1898, como membro da ala oportunista do mesmo partido. De 1905 a 1918 foi editor-chefe do jornal p-szava (Voz do Povo).Participou do gabinete de Karolyl, assumindo, de 31 de outubro de 1918 a 21 de março de 1919, o Ministério do Comércio. Proclamada a República Soviética Húngara 1919, emigrou para a Suíça. De 1919 a 1923 publicou em Viena o jornal Jövö (Futuro). Com a vitória da contra-revolução, em 1929 voltou a publicar o p-szava na própria Hungria.

n) ou Vilmos Bohm (1880-1949) Dirigente social-democrata. Colabora na fusão dos partidos húngaros. Dirigente do Exército Vermelho húngaro nas últimas semanas da republica.

o) (Transilvânia, 1886 – U.R.S.S. 1937?). Nascido numa família de classe media israelita. Freqüentou a universidade de Cluj.Tornou-se militante social-democrata marcando suas atividades principalmente na imprensa. .Alistado no exército austro-húngaro, caiu prisioneiro dos russos em 1916, mas logo foi libertado pelos revolucionários. Estes, apreciando suas qualidades, ganhou a confiança de Lenine, retornou para a Hungria em novembro de 1918, onde habilmente conseguiu a fusão dos sociais democratas com os comunistas. Sincero em suas atitudes e inflexível na defesa dos princípios revolucionários marxistas, derrubou o governo provisório de Karalyl. Diante da desmoralização de ponderável parcela da burguesia húngara, ele assumiu o poder . Seu governo, hostilizada pelas potências ocidentais, ante as intervenções de tropas romenas e tchecas, traído pelos sociais democratas partícipes do poder da jovem república soviética, em março de 1919 caiu o gabinete chefiado por Bela Kun. O revolucionário húngaro refugiou-se em Viena, donde vai para a U. R. S. S., logo ocupando lugar de destaque no Internacional Comunista ao lado de Mathias Rakosi e Eugene Varga, seus compatriotas. Há divergências quanto à data e às circunstâncias de seu desaparecimento.

p) também conhecido com Vladislaw (1885-1950). Brilhante intelectual, filósofo e jornalista. Foi professor do Instituto de Professores Vermelhos e diretor do departamento de história da Escola Internacional Lenine. Em 1945, retornou à Hungria.

q) Szamuely (1890-1919). Filho de comerciantes, foi jornalista e prisioneiro de guerra na Rússia no decorrer da I Guerra Mundial, aderindo aos ideais socialistas tornando-se um dos dirigentes do grupo comunista húngaro e ao mesmo tempo comissário político do Batalhão Internacionalista de Moscou em1918. Após o desempenho de missão partidária na Europa, retornou à Hungria onde foi encarregado da repressão dos contra-revolucionários. Em maio de 1919 vai de avião a Moscou, para encontrar-se com Lenine. Verificada a queda República Soviética Húngara, ele tentou refugiar-se na U. R. S. S. mas foi morto ou suicidou-se na fronteira entre osdois países.

r) (Populistas) Em russo, quer dizer “aproximando-se do povo”. Nome pelo qual foi conhecido o primeiro e mais importante movimento revolucionário típico russo desenvolvido entre 1870 e 1880. Originou-se com decepção que seguiu à abolição da servidão por Alexandre II (1861), deixando intactos os latifúndios. Nos dias seguintes à legislação anti-servidão de Alexandre II, Alexandre I. Herzen ou Guertsen (1812-1870), filósofo, crítico literário e escritor russo, publicou na revista Kolokol (O Sino) o artigo De que necessita o povo? . E respondeu: “Tão simplesmente de terra e de liberdade”. O objetivo principal dos narodiniks era a liberalização do regime tsarista, mas seus laivos de socialismo utópico foram considerado por Lenine uma característica pequeno-burguesa e, no fundo, reacionária. Não obstante, o pensamento e as manifestações doutrinarias de Herzen, Piotr L. Lavrov (1823-1900), Nikolai Tchernychevski (1828-1889) e outros narodniks representaram um avanço político na atrasada sociedade russa de seu tempo. A Narodnaia Volia (Vontade do Povo), foi a ala extremista dos Narodniks, resultante da cisão ocorrida em 1879.

s) em russo kulak (punho). Camponeses ricos que surgiram após a reforma agrária de 1861. Após a Revolução de 1917, opuseram-se ao Poder Soviético. A Nova Política Econômica (N.E.P) adotada por Lenine em março de1921 a fim de amenizar os efeitos desastrosos do “comunismo de guerra” fez ressurgir uma nova burguesia no campo, cujos adeptos logo foram considerados culaques. Em dezembro de 1929 teve início a eliminação dos culaques como classe.

t) Jozef Pogany (1886-1937). Professor de liceu e jornalista húngaro. Correspondente de guerra na I Guerra Mundial. Em 1918 foi eleito presidente de um conselho de soldados em Budapeste, aliando-se ao partido dominante unificado. Ocupou diversos postos governamentais. Com a derrotado do poder soviético húngaro, refugiou-se em Moscou e passou a servir na III Internacional Comunista (Comintern) em Berlim em1921 e, posteriormente, nos Estados Unidos. Em 1929 foi afastado de suas funções na III Internacional. Preso e fuzilado em 1939.

u) (Thomas) Woodrow Wilson (1856-1924). Vigésimo oitavo presidente dos Estados Unidos. Filho de um pastor presbiteriano. Fez seus estudos em Princeton e na Universidade da Virgínia. Foi presidente de 1913 a 1921, após uma reeleição. No seu governo as mulheres conquistaram o direito de votar. Reforçou a legislação anti-truste. Em suas relações com a América Latina, defendeu a política imperialista do “big-stick (grande cacete). Wilson preconizou uma política de neutralidade no início da I Guerra Mundial, mas trinta meses após o início do conflito decidiu-se pela participação dos Estados Unidos, com o apoio majoritário dos americanos. Na verdade, a participação dos Estados Unidos no conflito tinha o objetivo de estender a influência ianque às custas das outras potências imperialistas. No final, as nações aliadas, França e Grã-Bretanha principalmente, opuseram-se à condição pretendida por Wilson de árbitro da paz .Assinou o tratado de Versalhes (28 de junho de 1919), mas o Congresso Americano não o ratificou.

v) Georges Clemenceau (1841-1929). Político francês, burguês republicano. Filho de médico carreira que também abraçou.. Iniciou-se na política em seguida à derrota da França em 1870 diante dos exércitos prussianos. Como parlamentar, recorria à eloqüência para demolir ministérios. Ganhou de seus compatriotas o cognome de “o Tigre”, tal a veemência de suas veemência no parlamento e na imprensa . Nas páginas de seu jornal L´Aurore abraçou a causa de Dreyfuss publicando o célebre artigo de Émile Zola J´acuse (Eu acuso), o que lhe valeu a recuperação do prestígio perante a opinião pública. Patriota intransigente no velho estilo conservador, em 1917 na luta da França contra a Alemanha e seus aliados assumiu a direção do governo, adotando medidas autoritárias na busca da vitória. Afastado da política, escreveu alguns livros de conteúdo histórico.