Reino Unido: novos escândalos abalam os alicerces do governo Conservador

As revelações de assédio em Westminster refletem o apodrecimento do establishment e a crise enfrentada pelo governo conservador.

“Nunca vi uma classe tão profundamente desmoralizada, tão incuravelmente degradada pelo egoísmo, tão corroída por dentro, tão incapaz de progredir, como a burguesia inglesa”, comentou Frederich Engels há mais de 150 anos. Essa avaliação poderia ser escrita hoje. O establishment está em crise e o governo conservador também. Estão ficando paralisados por revelações e escândalos contínuos. Parece interminável. Enquanto isso, o impasse sobre as negociações os está forçando a contemplar um abismo bastante desconcertante.

“Theresa May tentou reforçar seu frágil governo na quinta-feira (2/11) após a renúncia de seu secretário de defesa por seu comportamento pessoal, mas para muitos parlamentares conservadores o fedor de decadência de sua administração apenas se tornou mais forte”, afirmou The Financial Times, em 2 de novembro, depois que a última onda de escândalos chegou aos jornais nacionais.

Esse “fedor de decadência” é apenas um sintoma de um governo em seus últimos estertores. Para muitos, já se converteu em um cadáver infecto, formado por mortos-vivos. Todos os dias surgem problemas novos e sem solução. Desde a década de 1990 que o establishment não é golpeado com tanta sordidez e escândalos de uma só vez. Mas, diferentemente dos anos 1990, estamos hoje também enfrentando a crise mais profunda do sistema capitalista.

A crise atual é particularmente problemática para um governo conservador de pequena maioria e que enfrenta um possível colapso sobre a Brexit.

Como o poderoso Fallon

O secretário de defesa, Sir Michael Fallon, foi forçado a renunciar, depois de admitir que seus “padrões deslizaram” abaixo do exigido pelas forças armadas, o que quer que isto signifique. Ele é apenas a primeira vítima de alto escalão do escândalo que varre Westminster, o primeiro escalpo, mas não o último. É um reflexo das punhaladas nas costas que estão acontecendo no topo do governo, onde os indivíduos estão lutando por uma maior influência.

Portando, não foi nenhuma surpresa que a “unidade” do gabinete tenha ficado seriamente abalada depois que veio à tona que Andrea Leadson, a líder da Casa dos Comuns, desempenhou um papel fundamental no fim da carreira de Fallon. Ela foi afastada da última eleição da liderança conservadora, que coroou Theresa May como líder sem votação. A amargura era palpável. Mas isto levou rapidamente a uma resposta furiosa. Um aliado no gabinete do ex-secretário de defesa disse: “Ele cometeu erros no passado, mas que merda Leadson pensa estar fazendo? Supõe-se que formamos uma equipe. Quer ela derrubar toda essa merda de governo?”

O governo claramente está pendurado por um fio. Há muitos canhões independentes, dentro e fora do governo. Não é de estranhar que The Financial Times, o porta-voz do capital financeiro, tenha participado com um artigo intitulado “O alto preço de uma liderança política inepta”. Não há muito tempo, Theresa May era vista como se estivesse caminhando sobre as águas. Agora está claramente se afogando.

Seu governo foi sabotado por uma série de calamidades, desde sua desastrosa campanha eleitoral, seu discurso horroroso na conferência conservadora, até as incessantes conspirações golpistas. “A falta de direção no topo não poderia chegar em momento mais inoportuno para o Reino Unido, dados os enormes desafios políticos”, advertiu The Financial Times (3/11/17).

Seu substituto para a secretaria de defesa revela a precariedade de sua posição. A nomeação de Gavin Williamson rapidamente criou outra tormenta de indignação. Fazê-lo saltar da obscuridade a um posto superior irritou muitas pessoas. Ele não tem nenhuma experiência em dirigir um departamento importante e não sabe nada de defesa. Seu papel pessoal na remoção de Fallon não passou despercebido.

Um dos ministros chamou Williamson de “verdadeira bola de lodo”. Outro assinalou sua nomeação como “a decisão política mais impopular que já vi”. Um parlamentar conservador sem cargos oficiais disse que ele era “a pessoa mais detestada no grupo parlamentar do partido”. Outro alegou que foi “o maior e provavelmente o último erro da senhora May”. Ele se tornou conhecido como “Cronus”, o nome de sua aranha de estimação, um deus grego que depôs o pai e comeu seus filhos.

Começo do fim

Visto que o governo conservador parece mortalmente ferido, agora cada escândalo ameaça derrubá-lo totalmente. O Partido Unionista Democrático, irlandês (DUP), que estava preparado para ajudar a manter os conservadores no poder em troca de certas vantagens e privilégios, pode agora acreditar que isso não vale mais à pena. O fio está se desgastando nas bordas. Fallon foi uma figura fundamental no governo, agora é história. Isso poderia acabar mal para o governo de May. A única coisa que está evitando um colapso é a ameaça de um governo trabalhista sob Corbyn.

Contudo, isso não pode deter a sangria indefinidamente. Um assessor da primeira-ministra admitiu: “Não há dúvidas de que isso está minando o moral. Está nos afastando do que necessitamos fazer”.

É improvável que tudodesapareça. Novas e danosas revelações sairão à luz. Todo o establishment está agora no ponto de mira, seja por abusos de posição, evasão de impostos ou pelo caos produzido pela Brexit. O primeiro secretário de Estado, Damian Green, de fato o vice-primeiro ministro, está sendo investigado por um alegado comportamento inaceitável que ele nega. Está aumentando a pressão para que ele se retire. Vários outros se encontram na mesma situação. Inclusive um deles foi encaminhado à polícia.

Há medo e alarme nos círculos governamentais de que esses escândalos poderiam forçar várias demissões, possivelmente mesmo de parlamentares, o que significaria várias eleições parciais. A maioria de 12 assentos do governo depois do acordo com o DUP poderia desaparecer facilmente. Isso assinalaria o fim.

Questionado se o governo pode colapsar sem Damian Green, Amber Rudd, a secretária do interior, disse: “absolutamente não”. Mas ela diria isto de qualquer forma, inclusive com o governo à beira do abismo.

O poder corrompe

“Em seu núcleo”, explicava um artigo publicado em The Evening Standard, “isso é mais sério do que o financiamento, pelos contribuintes, dos galinheiros e outras miudezas dos parlamentares. O abuso do dinheiro público já é bastante ruim. O abuso das pessoas é pior. O fio comum é a exploração do poder para fins impróprios” (1/11/17).

Esses novos escândalos no Parlamento envolvem pessoas do próprio topo do governo. Isso não deve nos surpreender minimamente. Todo o establishment britânico está apodrecido até o núcleo. Tudo isso na sequência de escândalos bancários, do escândalo da Casa dos Lordes, do escândalo de pedofilia envolvendo celebridades e políticos e assim por diante. No início da década de 1970, o governo de Edward Heath aparentemente encobriu escândalos envolvendo abuso infantil. O pântano de Westminster é demasiado turvo.

Esta onda atual de escândalos é toda sobre o poder político e a latrina que o determina. Supõe-se que a Mãe dos Parlamentos [refere-se ao Parlamento Inglês – NDT] está acima de qualquer reprovação, mas agora é vista em toda a sua vileza. Como nos Estábulos de Augias, o fedor sob aos céus.

Acredita-se que a escala dos acordos repugnantes envolve muito mais e alcança o próprio topo, como demonstrou o caso de Michael Fallon. O poder corrompe, dizem, o que agora se tornou bastante evidente com esse escândalo. Pensavam que eram intocáveis e que podiam escapar. E, certamente, foi este o caso. Com o poder vem a arrogância. De acordo com Jeremy Corbyn, o abuso de poder estava “fora do campo de visão”.

A podridão do capitalismo

Os poderosos estão tratando de esconder todos esses escândalos. Os parlamentares conservadores obstruíram anteriormente as propostas de um código de conduta vinculante para proteger o staff do comportamento impróprio. Agora há queixas de parlamentares e de seus amigos sobre caças às bruxas e justiça sumária. Entretanto, o establishment mais uma vez foi apanhado no turbilhão.

Para eles, tudo isso não podia ter chegado em pior momento. Todo o establishment capitalista está mais desacreditado do que antes, com o apoio aos parlamentares já roçando o fundo – menos de 74 pontos! Esses novos escândalos drenam ainda mais qualquer autoridade que uma vez tiveram. Este é apenas mais um prego no caixão da elite dominante – os ricos e poderosos – que comanda nossas vidas.

Ruth Davidson, a líder dos conservadores escoceses, falou sobre “limpar os estábulos”, mas é demasiado tarde para isso. A cal não vai varrer este fedor para longe. Ele faz parte da podridão do capitalismo em decadência. O establishment vem escapando da morte há anos. É tempo de darmos um fim a tudo.

Só dando um fim ao poder das grandes empresas e seus apologistas poderemos daremos um fim à desumanização da sociedade. Só ao nos livrarmos de um sistema baseado na exploração, e na ganância, e substituindo-o por uma sociedade socialista baseada na cooperação e na necessidade, podem as relações abusivas do capitalismo e os escândalos de corrupção ser lançados na lata de lixo da história.