Não ao espanholismo reacionário – por um bloco republicano e socialista

A burguesia espanhola e seu aparato de Estado estão tratando de tirar vantagem do conflito na Catalunha para recompor a base social de apoio ao regime, depois do “golpe de autoridade” contra a Generalitat e a intervenção da autonomia catalã com o Artigo 155 da Constituição. Utilizam o narcótico do nacionalismo espanhol e sua bandeira para esconder a pilhagem a que é submetida a sociedade e a opressão que exercem sobre a classe trabalhadora.

“Pátria” e rojigualda, símbolos franquistas

Por mais que se esforce, nem sua pátria nem sua bandeira nos representam. A “unidade nacional” sempre foi usada para diminuir a submissão da maioria da população por uma minoria privilegiada. E ambos os símbolos estão manchados com o sangue de centenas de milhares de trabalhadores e camponeses e pelos espancamentos, a prisão e o exílio de centenas de milhares mais. São símbolos que encarnam a opressão, o passado franquista e a decadente monarquia dos Bourbon.

Na Espanha, felizmente, nunca houve um forte sentimento nacional. As injustiças sociais foram tão grandes, os governantes tão déspotas e maltrataram tanto o povo empobrecido, a classe trabalhadora e as minorias nacionais que a classe dominante nunca pôde fazer da identidade nacional espanhola um cimento suficientemente sólido para unir a população e diluir a consciência de classe dos trabalhadores. Depois da queda da ditadura de Franco, a bandeira rojigualda e a palavra “pátria” somente eram reivindicadas pela direita franquista que, justamente, considerava-as “sua” propriedade. Teria bastado um estalar de dedos dos líderes do PCE e do PSOE em 1977 para que a monarquia desabasse e a república fosse proclamada. Mas seus dirigentes traíram as expectativas populares. Alguns se venderam ao inimigo de classe e outros simplesmente traíram por covardia. O resultado disso foi a Constituição e o regime de 1978, que agora entra em sua crise mais grave.

Esta crise conheceu várias fases. Houve crise do sistema de partidos e do parlamentarismo, crise de credibilidade do aparato judicial e da monarquia. Todas elas continuam. Mas a crise territorial, com o crescimento das tendências independentistas na Catalunha, levou à crise do regime a seu extremo.

Com a Catalunha, contra o espanholismo

Nós rechaçamos colocar no mesmo nível o nacionalismo espanhol reacionário, que impulsiona a oligarquia, e o nacionalismo catalão, que impulsiona a luta de milhões de pessoas comuns. O primeiro é promovido pelos herdeiros do franquismo, sustenta-se na violência do aparato de Estado e na monarquia. O segundo apela à ampliação de direitos democráticos, à união voluntária dos povos e à república. O primeiro é absolutamente reacionário. O segundo encarna anseios progressistas.

A furiosa arremetida do nacionalismo espanhol contra o chamado “desafio catalão” se deve a uma simples razão: a classe dominante espanhola sentiu o cheiro da rebelião, percebeu o aroma da revolução e entrou em pânico. Como um animal ferido, deixou transparecer seu instinto de conservação, empregando todos os meios a seu alcance para conjurar o perigo: a imprensa prostituída, o Rei e a repressão estatal por meio do aparato judicial e o deslocamento para a Catalunha de milhares de forças policiais, cujos gastos de dezenas de milhões de euros foram declarados segredo de Estado.

A pátria espanhola protege os ricos

Mesmo com o crescimento do apoio ao nacionalismo espanhol em um setor da população, seria um erro exagerar seu enraizamento. O nacionalismo espanholista é inseparável da excrescência fascistoide e inevitavelmente provocará uma reação em sentido contrário. Por outro lado, na ausência de um crescimento econômico robusto por causa da crise global, o capitalismo espanhol só pode avançar perpetuando condições de vida precárias para a maioria, junto à corrupção e à vida luxuosa dos de cima. Uma vez que os odores tóxicos do nacionalismo espanhol se diluam, tão certo quanto a noite se segue ao dia, aparecerão as demandas de classe por emprego, salário, moradia, entre outras.

O mal-estar social está aí. O salário médio bruto caiu cerca de 0,8% em 2016 até os € 1.878,10. Isto se dá por conta da onde de subempregos e de trabalhos precários, com a generalização de salários abaixo dos mil euros e submetidos a uma intensa exploração. Inclusive os trabalhadores cobertos por convenções coletivas de trabalho viram como o acréscimo salarial acordado até outubro foi de 1,4%, enquanto a inflação se situa em 1,6%. Ou seja, as famílias trabalhadoras perderão poder aquisitivo este ano.

Ao contrário, as empresas estão ganhando mais de 10% em relação ao ano anterior e as 35 grandes empresas e multinacionais do IBEX35 faturam 19,3% (segundo semestre).

Apesar de todo o estardalhaço do governo, 13,1% dos trabalhadores vivem abaixo da linha da pobreza, a porcentagem mais alta da Europa, somente atrás da Romênia e da Grécia.

A classe trabalhadora não está de braços cruzados. Lenta, mas persistentemente, vemos se incrementarem os conflitos laborais. Segundo a central patronal CEOE, entre janeiro e setembro o número de horas perdidas por greves aumentou 127,35% em relação ao ano passado e o número de trabalhadores envolvidos cresceu 223%. Isso mesmo com a notória falta de direção sindical pela qual passam os trabalhadores. O mais importante é que quase todas as lutas estão terminando em vitórias, incrementando a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças. Assim foi o caso mais recente das trabalhadoras de venda de vestuário do grupo Zara, Bershka, em Pontevedra; ou das trabalhadoras de cuidados de Bizkaia depois de meses de greve; ou dos garis de Madri.

Unidos Podemos: fracasso reformista em tempos difíceis

Na atual situação de atmosfera envenenada, uma poderosa mensagem de libertação social e de ruptura radical com o sistema capitalista poderia levantar milhões, mas as lideranças do UP renunciaram a qualquer mensagem a favor de uma mudança profunda do sistema porque não parecem crer nisso nem na capacidade da classe trabalhadora para transformar a sociedade. Sem ideologia precisa, apelam apenas para um vago humanitarismo “cidadão”.

Há algumas semanas, Pablo Iglesias enviou uma carta à militância do Podemos em que dizia: “O espírito constituinte de 15-M deve impulsionar a nova Espanha ao que aspiramos: social, republicana e plurinacional”. Entretanto, depois da aplicação do Artigo 155, da destituição do Govern e da convocação de eleições, a direção do UP cedeu novamente diante da onda de espanholismo de papelão, a tal ponto que o “republicano” Pablo Iglesias censurou Rajoy com “a bandeira de todos” (a rojigualda). Essa tendência ao oportunismo e ao vai-vem permanente é o que está por trás da perda de confiança no UP e em seus dirigentes.

Outro exemplo da desorientação e da doença institucionalista dos dirigentes do UP se deu em Madri depois da escandalosa intervenção nas contas do Ayuntamiento pelo governo central, em um ataque político similar ao sofrido pela Catalunha. Agora Madri está limitada a organizar uma raquítica concentração noturna de ativistas em um sábado, em vez de organizar atos nos bairros e de chamar à mobilização popular para defender sua autonomia municipal.

Por um bloco republicano e socialista

Alberto Garzón, exponente máximo da “equidistância” entre o Estado neofranquista e a Catalunha democrática, disse que sua alternativa é “uma república federal e plurinacional com um referendo acordado”. Mas, no caso de chegar ao governo, que faria o companheiro Garzón quando o aparato de Estado e mesmo a burguesia moverem toda a sua musculatura para esmagar suas aspirações? Que faria quando o Tribunal Constitucional declarasse ilegais suas iniciativas? E quando o IBEX35 iniciasse uma campanha de terrorismo econômico, ameaçando com a retirada de empresas? Ou quando o Rei saísse na TV denunciando tudo como uma loucura como chefe de Estado e do Exército? Por fim, somente teria duas alternativas: submeter-se ou seguir o valente exemplo do povo catalão, de confiar em seu próprio instinto e vontade e desobedecer a leis injustas e a tribunais que ninguém elegeu e que representam somente a vontade dos poderosos.

Devemos exigir dos dirigentes do UP que sejam coerentes com suas palavras. Diante da unidade indissolúvel entre as finanças, a monarquia, o aparato estatal e os partidos do sistema (PP, Ciudadanos e PSOE) há apenas uma emenda à totalidade do regime e do sistema econômico capitalista. A conclusão é clara: o avanço social é incompatível com a monarquia e o sistema econômico que a sustenta. É hora, portanto, de levantar uma bandeira de luta que una e entusiasme os milhões de descontentes; é hora de se por de pé perante o bloco monárquico um bloco republicano e socialista que prepare suas forças para o “momento catalão” que, cedo ou tarde, estender-se-á por toda a Espanha.