México: criminalização do aborto declarada inconstitucional

Em uma votação histórica e unânime de 10 ministros, a Suprema Corte do México declarou inconstitucional a penalização das mulheres que decidirem fazer um aborto. O fato de esta votação ter ocorrido agora é claramente o resultado da nossa luta nas ruas, que tornou impossível que os direitos das mulheres continuem sendo ignorados. Sem essa luta, a votação simplesmente nunca teria acontecido.


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Ecoando os argumentos que vêm sendo defendidos há anos nas ruas, a ministra Margarita Ríos Fajart argumentou que, como o acesso gratuito e seguro à interrupção voluntária da gravidez não é proibido pela Constituição, o direito penal deve evitar interferir no que são direitos humanos. Ela acrescentou que cerca de 350 mil a 1 milhão de abortos são realizados a cada ano, dos quais um terço resulta em complicações devido à dificuldade que as mulheres enfrentam em ter acesso a cuidados médicos em condições sanitárias adequadas. Ela finalizou afirmando que “é uma questão de saúde pública que o Estado deve garantir”.

A ministra Aguilar Morales declarou: “Hoje se levanta a ameaça de prisão que pesava sobre as pessoas que decidem interromper voluntariamente a gravidez” e esclareceu que a proposta não visa defender o direito ao aborto, mas, sim, o direito da mulher à liberdade de tomar decisões sobre suas próprias vidas. No México, vimos casos de mulheres que passaram anos na prisão por terem feito um aborto, até mesmo por terem um aborto espontâneo. Argumentos jurídicos, incluindo a ideia de “homicídio por parentesco”, foram usados ​​para lançar mulheres na prisão. Com esta votação, a privação criminosa da liberdade das mulheres deve acabar.

O ministro Fernando Franco González Salas juntou-se aos que pediam que o artigo 196 do Código Penal de Coahuila também fosse declarado inválido, o que também foi incluído na proposta do ministro Aguilar Morales. A resolução, portanto, também eliminou o artigo 196, que condena as mulheres a até três anos de prisão por terem abortado voluntariamente. Com este ato, o aborto foi descriminalizado em todo o país.

Foi um longo caminho desde o ano 2000, quando uma série de eventos fez daquele ano uma importante virada no debate sobre o aborto. O mais significativo deles foi o “caso Paulina”, uma criança de 13 anos vítima de estupro em Mexicali, Baja California, que entrou com uma ação no Ministério Público, acompanhada por sua mãe e irmão. Paulina engravidou em consequência do estupro e, com o apoio da mãe, solicitou o aborto legal a que tinha direito. Após 34 dias do crime hediondo cometido contra ela, o Ministério Público expediu uma ordem ao Hospital Geral de Mexicali para a realização do aborto.

Dois meses e meio após o estupro, ela foi internada no Hospital Geral de Mexicali, onde permaneceu por uma semana inteira enquanto o diretor fazia todo o possível para retardar o aborto.

Durante esse tempo, ela foi obrigada a assistir o filme pró-vida, The Silent Scream, e recebeu palestras religiosas. Posteriormente, o procurador-geral do Estado da Baja Califórnia levou Paulina e sua mãe para visitar um padre, que explicou que o aborto é um pecado e constitui um motivo para a excomunhão. E minutos antes do procedimento agendado, o diretor do hospital chamou a mãe de Paulina de lado e exagerou os riscos do procedimento, falou com ela sobre a possibilidade de sua filha morrer e a responsabilizou por sua eventual morte. Ele a assustou a ponto de fazê-la desistir, violando completamente os direitos humanos da jovem.

Em 2007, a Assembleia Legislativa da Cidade do México organizou fóruns de discussão com a participação de organizações conservadoras e progressistas, além de especialistas jurídicos e médicos. Após um árduo processo de análise e debate para reconciliar os lados opostos, e levando em consideração o precedente estabelecido pelo Supremo Tribunal sobre o assunto, as Comissões Unidas aprovaram a descriminalização e legalização do aborto na Cidade do México nos seguintes termos:

  • A reformulação da definição legal de aborto: “Aborto é a interrupção da gravidez após a 12ª semana de gestação”. Como tal, o aborto só pode ser penalizado após a 13ª semana de gestação, sendo legal o aborto consensual ou a tentativa de aborto nas primeiras 12 semanas de gestação.
  • Definir gravidez, para os efeitos do Código Penal, como “a parte do processo de reprodução humana que se inicia com a implantação do embrião no endométrio”. Com isso, foi endossada a legalidade dos métodos anticoncepcionais pós-coito, como a anticoncepção de emergência.
  • A redução das penas para mulheres que fazem um aborto.
  • A proteção das mulheres que são forçadas a abortar. Foi estabelecido o termo “aborto forçado”, que é definido como “a interrupção da gravidez, a qualquer momento, sem o consentimento da gestante”.
  • Reforma da Lei de Saúde do Distrito Federal para oferecer serviços de aconselhamento e apoio (pré e pós-aborto) e fornecer informações objetivas às mulheres que solicitam a interrupção legal da gravidez.

Grupos conservadores e a hierarquia católica exigiram um referendo e argumentaram que a vida no momento da concepção deve prevalecer sobre os direitos humanos de uma mulher adulta. No entanto, em 24 de abril de 2007, o plenário da Assembleia Legislativa aprovou as reformas por 46 votos a favor.

Além dos debates e das posições políticas, a verdade é que a reforma colocou a Cidade do México na vanguarda da América Latina no tratamento criminal do aborto. Os estados de Oaxaca, Yucatán e Hidalgo seguiram este caminho. Hoje, o Supremo Tribunal de Justiça abre as portas para que a descriminalização do aborto entre em vigor em todo o país; trazendo consigo um avanço nos direitos das mulheres.

Hoje, vimos um ligeiro avanço na medida em que as mulheres que fazem um aborto e o pessoal médico que as auxilia não podem mais ser presos. Esta é uma questão de classe, com mulheres de baixa renda perdendo suas vidas em abortos clandestinos. É um pequeno passo que abre uma brecha legal para a legalização do aborto em nível nacional. No entanto, ainda há uma luta árdua pela frente, que levará tempo. A descriminalização não será suficiente, pois não resolve as condições econômicas, sociais e culturais que impedem o acesso ao aborto seguro e gratuito.

A descriminalização nos garante que nenhuma mulher será novamente privada de sua liberdade de decidir o que acontece com seu corpo, o que é um avanço muito importante e momentoso, mas isso não é suficiente. Se, como diz o slogan, o direito ao aborto é uma questão de garantir o direito à saúde, então é preciso criar uma legislação que garanta que todas as mulheres ou grávidas tenham acesso ao aborto em centros de saúde que disponham de condições materiais e pessoal especializado nesta prática e, claro, que deva ser gratuito. Nossa luta pelo direito legal de interromper a gravidez começou a dar frutos. Conquistamos do Estado uma vitória essencial por meio de nossa luta nas ruas. Partindo da organização e luta das mulheres, devemos continuar a clamar pelo acesso a este direito democrático básico.

Como Trotsky explicou em seus escritos sobre a questão das mulheres: “Mudar a situação das mulheres desde as raízes não será possível até que as condições de vida social e doméstica mudem“.

Uma mulher nunca mais deve enfrentar a prisão por fazer um aborto!

Nunca mais se deve permitir que uma mulher morra de aborto!

Pelo direito à interrupção legal e gratuita da gravidez em todo o país!

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