Honduras: impõe-se uma ditadura débil acossada pela luta das massas

A luta aberta das massas depois das eleições em Honduras só se equipara à greve de 1954 e ao movimento contra o golpe de Estado em 2009. É um dos maiores acontecimentos da luta de classes na história do país. Isso somente se pode explicar pelas grandes contradições concentradas na sociedade que colocaram o país à beira da revolução. Apesar de todo esse impulso revolucionário, Juan Orlando Hernández (JOH) acaba de prestar juramento como presidente, embora acossado pelos protestos populares que exigem sua saída. Trata-se de um governo profundamente desprestigiado e débil que se verá submetido à pressão dos trabalhadores que podem fazer com que não termine seus quatro anos de mandato.

Na noite anterior, Salvador Nasralla, de quem foi roubada a eleição, realizou uma carreata pelas áreas populares de Honduras. As pessoas saíam jubilosas para saudá-lo e gritar: Fora JOH! No sábado, 27 de janeiro, uma marcha tentou chegar ao Estádio Nacional para impedir a tomada de posse de JOH. É possível que houvesse mais militares e policiais custodiando que pessoas no estádio. Não esteve presente nenhum presidente de outro país. A manifestação foi bloqueada pelo bombardeio intenso de gás lacrimogêneo. As pessoas se reagruparam no centro de Tegucigalpa para realizar uma manifestação e ocorreram intensos confrontos em diferentes pontos da cidade. A população de San Pedro Sula se autoconvocou para uma manifestação pela tarde com a assistência de moradores de Choloma e Puerto Cortés.

Apoio imperialista ao governo de JOH

Por que, apesar de um movimento tão forte, JOH foi imposto? É necessário recapitular o que ocorreu nas últimas semanas. Um ponto de inflexão foi o reconhecimento pelo governo de Trump. A porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, emitiu um comunicado em 22 de dezembro dizendo: “Felicitamos o presidente Juan Orlando Hernández por sua vitória nas eleições presidenciais de 26 de novembro, conforme o declarado pelo Tribunal Superior Eleitoral de Honduras (TSE)”.

O citado comunicado de Heather Nauert pede que os hondurenhos se abstenham da violência e que o Estado – que matou dezenas de companheiros em dois meses – respeite os manifestantes pacíficos. Se tomas uma estrada és violento e é justificável que te disparem? Os apelos que o governo dos EUA faz sobre a revisão dos direitos humanos ou sobre qualquer irregularidade nas eleições são pura hipocrisia. O governo dos EUA apoiou material e tecnicamente as forças armadas repressoras. Aparentemente fecha os olhos diante da escandalosa fraude, mas a apoia claramente.

A única forma do imperialismo reconhecer o triunfo de Nasralla é sob o medo de perder tudo. O povo trabalhador não necessita do reconhecimento dos capitalistas. O imperialismo tem um poder enorme, mas a história nos diz que os trabalhadores organizados são capazes de decidir sobre o seu destino.

Como se afastou a dinastia de Somoza do poder na Nicarágua em 1979? Com uma insurreição operária e camponesa acompanhada de uma greve geral. O odiado ditador salvadorenho, Maximiliano Hernández Martínez, verdugo da revolução de 1932, também foi apeado do poder pela greve geral insurrecional de maio de 1944. Este movimento animou os trabalhadores da região e, na Guatemala, também vimos uma greve geral. Ao se aferrar Jorge Ubico ao poder, os operários e estudantes formaram milícias populares e com as armas empunhadas pelas massas o governo foi afastado. Nestes casos, não apenas se afastou um ditador, também ocorreram importantes transformações sociais. Deve-se aprender da história revolucionária da América Central.

Hesitações e debilidade da liderança

Em toda a luta pós-eleitoral, Salvador Nasralla, o candidato a presidente da oposição, mostrou hesitações e vacilações de forma contínua. Assinou uma carta da OCDE onde se comprometia a aceitar os resultados do TSE. Quando se deu conta de que era uma armadilha, desligou-se desse documento; quando a luta se encontrava em seu clímax, foi a Washington buscar o reconhecimento de seu triunfo. Isso não serviu de nada: o governo de Trump logo reconheceu JOH como o ganhador das eleições. Foi então que Nasralla disse que se retirava da política, e chegou a assinalar que sua causa estava perdida. A enorme pressão vinda de baixo o impediu de se retirar para a vida privada. Essa atitude é o oposto da que vimos vinda do povo, que não se importou de sacrificar até a sua vida buscando mudar profundamente a sociedade, mas essas hesitações, sem dúvida, têm um impacto inibidor no movimento ao reduzir a confiança.

O movimento das massas chegou a alcançar um caráter insurrecional em nível nacional e dividiu as forças repressivas estatais. A decisão final estava nas ruas. Era completamente possível derrubar o regime golpista, mas para isso havia a necessidade de manter a ofensiva. O tempo estava contra o movimento. A luta de massas não pode se manter em ebulição de forma permanente. Se não se obtêm conquistas tangíveis, mais cedo ou mais tarde a luta das massas decairá. Os capitalistas podem esperar que as massas se cansem para retomar o controle. Por essa razão assinalamos a necessidade de avançar em ações como uma greve geral real e tomada de prédios governamentais acompanhada do estabelecimento de assembleias populares e da eleição, nas mesmas, de representantes que coordenassem a luta em termos regionais e nacionais. As massas deram tudo, mas os líderes do Libre e dos sindicatos não souberam canalizar este potencial. Um partido autenticamente revolucionário é como um pistão que pode concentrar toda a força do vapor em um ponto, mas sem o pistão o vapor tenderá a se dissipar.

Fluxos e refluxos

Durante o período natalino, em festas populares, familiares e de bairro e na final do campeonato nacional de futebol, ouviram-se canções e gritos pela saída de JOH. No início do ano, JOH fez um apelo ao diálogo nacional. Foi uma clara armadilha para avançar sua imposição. A aliança contra a ditadura rechaçou um diálogo direto com o ditador, pediu justiça pelos assassinados nos protestos e a libertação de 100 presos políticos; convocou a formação de um bloco de oposição – algo correto, mas que, na prática, foi uma aliança de cúpula e se traduziu simplesmente em um bloco parlamentar – e convocou o início de mobilizações a partir de 6 de janeiro e uma paralisação nacional de 20 a 27 desse mês.

Em 6 de janeiro houve uma marcha em San Pedro Sula. No dia 12 houve uma enorme manifestação com ações em várias partes do país e uma grande participação em Tegucigalpa. Isso evidenciava que continuava existindo uma força importante para continuar a luta, mas também que era claramente menor que a de dezembro, o que era um sinal de alarme que refletia o cansaço. Numa clara tentativa de encurralar a luta, o Estado agiu com mão dura. O próprio Mel Zelaya foi atacado com gases lacrimogêneos por parte da polícia, o deputado Jari Dixon foi golpeado e repórteres foram agredidos.

Com a proximidade da instalação do congresso, os protestos planejados foram antecipados. Em 16 de janeiro, houve manifestações simultâneas em muitas e diversas partes do país. Nesse dia, outro companheiro foi assassinado pela repressão estatal. Em vez de lutar contra a instalação do parlamento, o Libre orientou a batalha para ganhar sua Junta Diretora. Nos dias anteriores, foram buscadas alianças com os partidos de oposição, principalmente com o Partido Liberal. A fraude operou mais claramente nas câmaras de deputados e nas prefeituras e a correlação, nessa instância burguesa, está claramente a favor do oficialismo. O Partido Nacional (PN) ficou com 61 deputados e a Aliança da Oposição com 35 (Libre com 30, 4 para o Partido Inovação e Unidade (PINU) e somente 1 para o Partido Anticorrupção de Nasralla). O Partido Liberal, com 30 parlamentares, votou junto com a Aliança. O PN, aliado a outros pequenos partidos, obteve 67 votos e com isso apoderou-se da Junta Diretora do Parlamento presidida mais uma vez por Mauricio Oliva, fiel representante do regime golpista.

A Missão de Apoio contra a Corrupção e a Impunidade em Honduras (MACCIH) denunciou a existência de uma rede de corrupção entre os deputados na qual está envolvido Mauricio Oliva. Esta denúncia foi aplaudida por Luís Almagro da OEA, que, quando é conveniente, denuncia a ditadura, mas não faz nada sério para evitar que se imponha. Além dessa denúncia de corrupção, a agência de notícias AP expôs o chefe de polícia, José Aguilar Moran, vinculando-o ao narcotráfico, dizendo que em 2003 ele ajudou no traslado de 780 kg de cocaína. Esse é o novo governo da ditadura.

Polarização

As causas desta luta revolucionária em Honduras não foram solucionadas. Pelo contrário, agravaram-se. O capitalismo mundial mostrou sua inviabilidade, não conseguiu sair completamente da grande crise de 2008 e está ameaçado com novas recessões. Honduras, além disso, tem um capitalismo inviável e dependente. A burguesia, a local e a imperialista, é incapaz de solucionar as contradições do sistema e os problemas das massas. Pelo contrário, os agrava. O regime de JOH não tem uma base social sólida e está por um fio. Sustenta-se apenas graças à repressão, ao apoio dos imperialistas e à debilidade da liderança dos trabalhadores. Mas se o movimento não é capaz de derrubá-lo, este regime pode se recuperar. Diante da imposição, podem se desenvolver elementos de resignação entre as massas.

Donald Trump é conhecido por seus discursos xenófobos e por suas políticas de caráter protecionista que se refletem em ações selvagens contra os imigrantes latino-americanos. Eliminou de um golpe só a proteção legal que centenas de milhares de migrantes centro-americanos e haitianos possuíam. Para o caso de Honduras, ele renovou mais uma vez essa proteção, gerando incerteza sobre o futuro. Juan Orlando Hernández necessita do apoio dos imperialistas e será fiel aos seus amos. Por isso Honduras apoia as políticas loucas de Trump contra os palestinos em Israel. Juan Orlando Hernández é uma espécie de cachorrinho de estimação de Trump, mas deve ter cuidado porque este amo aloprado pode, a qualquer momento, dar um pontapé em sua desprezível mascote.

O regime corrupto de JOH e da classe capitalista que ele representa quer o poder para continuar espremendo ainda mais as famílias trabalhadoras do campo e da cidade. Os trabalhadores já não suportam mais viver como até agora viveram. A situação é instável, qualquer acidente pode levantar outra tormenta. Não suportarão mais 4 anos do governo de JOH. É necessário prepararmo-nos para as futuras batalhas. A grande burguesia agirá usando mais que a força militar. Buscarão, de uma ou de outra forma, desarticular e desativar a organização e a luta das massas.

Lenin, que sabia algo sobre revoluções, disse que os pecados do reformismo são pagos com ultra-esquerdismo. Há setores do movimento que continuam dando luta sem vacilar, mostrando-se como exemplo a seguir. Existe o risco de que setores mais conscientes cheguem demasiado longe e terminem se separando do restante das massas. Também diante das limitações dos líderes, alguns companheiros podem optar por outros caminhos, impulsionando ações heroicas, mas individuais, que a nada de bom levarão. A força está no movimento das massas, foi isso que fez o regime balançar. A tarefa fundamental é a organização da classe trabalhadora, dos camponeses, dos estudantes e do restante do povo. Para isso, os setores mais ativos e conscientes devem se articular sob uma estratégia e um programa revolucionários, que somente o marxismo pode fornecer. É necessário construir uma organização de quadros marxistas que resgate a experiência histórica do movimento operário e converta as ideias de Marx, Engels, Lenin e Trotsky em força material. Isso é o que buscamos construir como Corrente Marxista Internacional em Honduras e internacionalmente.

Os trabalhadores de Honduras devem transformar sua história

Antes da revolução de 1979, a Nicarágua era o centro da contrarrevolução centro-americana, de onde os EUA operavam e combatiam a luta dos trabalhadores e camponeses da região. Uma revolução acabou de vez com essa ditadura e toda a enorme força do imperialismo não pôde deter as massas em ação. Os imperialistas tiveram que se resignar enquanto seu regime fantoche era varrido pelos trabalhadores.

Honduras se converteu no centro da contrarrevolução desde a década de 1980. Embora tenham ocorrido lutas importantes dos trabalhadores, elas foram esmagadas. Nessa decisiva década da história centro-americana, Honduras ficou para trás enquanto na mencionada Nicarágua se abria um processo revolucionário com todo o potencial de acabar com o capitalismo, na Guatemala se intensificava a guerra civil e em El Salvador ocorria um movimento revolucionário de massas e uma guerra civil.

A Bíblia diz que os últimos serão os primeiros. Se olharmos para trás nestes últimos 10 ou 20 anos, veremos lutas de massas de grande importância. Em El Salvador, A Aliança Republicana Nacionalista (ARENA) foi afastada do poder e se formaram os primeiros governos de esquerda em sua história, embora o programa reformista da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) tenha mostrado suas limitações. Na Costa Rica, que havia conseguido no passado grande estabilidade e que contava com um estado de bem-estar social onde os trabalhadores gozavam de conquistas sociais, hoje os capitalistas as estão eliminando selvagemente. As massas buscam se defender. Na Guatemala, ocorreram mobilizações que varreram Otto Pérez; aqui se mostrou que não é suficiente afastar um regime podre. Em setembro passado vimos uma greve geral contra Jimmy Morales e os deputados corruptos. Contudo, a luta mais intensa foi justamente em Honduras. Isso, não por casualidade, é reflexo de que aqui as contradições se acumularam de forma mais intensa. Honduras tem o potencial de desempenhar o papel que a Nicarágua teve no passado, mas, para isso, deve conseguir triunfos revolucionários completamente alcançáveis com métodos revolucionários.

Ainda se sente o fedor do gás que fizeram o povo respirar; ainda corre o sangue de operários, camponeses e estudantes, isto é, do povo assassinado nos protestos. Isto não se esquece facilmente. JOH se impôs com uma fraude grosseira e está desacreditado. A constituição hondurenha, em seu Artigo 3, dá o direito ao povo de agir contra a ditadura.

“Ninguém deve obedecer a um governo usurpador nem a quem assumir funções ou empregos públicos pela força das armas ou usando meios ou procedimentos que quebrantem ou desconheçam o que esta Constituição e as leis estabelecem. Os atos verificados por tais autoridades são nulos. O povo tem o direito de recorrer à insurreição em defesa da ordem constitucional.”

Essa luta foi uma enorme escola. É necessário unificar os setores mais conscientes da classe trabalhadora e da juventude em uma esquerda marxista, vinculada firmemente à luta revolucionária do povo, que defenda uma tática, estratégia e programa autenticamente socialistas para acabar com este Estado fraudulento e corrupto e seu apodrecido sistema capitalista. Com a imposição de JOH, a perspectiva não é de calma, mas de guerra de classes. Devemos nos preparar para as futuras batalhas.