Eleições primárias 2019 na Argentina

Com gestos de incredulidade e demonstrando pouca compreensão com o que estava acontecendo, o Presidente Mauricio Macri, junto ao seu gabinete, reconheceu não só a derrota na quase totalidade do país, como também de ter realizado uma péssima campanha.

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A chapa Fernández-Fernández obteve 47,36% dos votos para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, logrando uma diferença de 16,07% contra a dupla oficial Macri-Pichetto, que obteve 32,09%. A isso se soma o triunfo de Axel Kicillof no distrito mais importante do país, o da província de Buenos Aires, onde obteve 49,26% dos votos, arrasando a chapa de Maria Eugenia Vidal, com 16,60% a mais de votos. Com esses dados, aparece como inquestionável a chegada, mais uma vez, de F e F ao governo. O macrismo só logrou vencer na província de Córdoba, com uma diferença de 10% sobre F e F, e em CABA, onde Rodríguez Larreta chegou aos 46,3% dos votos. “Não a vimos chegar. Foi um castigo que não soubemos enxergar”, pode-se ler no jornal La Nación.

Nessas PRIMÁRIAS ficou demonstrado que milhões de trabalhadores, jovens e setores populares disseram basta ao saque, à fome e à pauperização, ao desemprego e à degradação das condições de vida das famílias trabalhadoras e dos setores mais castigados da sociedade.

Já assinalamos em diferentes artigos que as inúmeras lutas, mobilizações e paralisações que os trabalhadores desenvolveram durante todo o ano de 2018, para resistir às investidas dos capitalistas e do governo Macri, foram desviadas com a operação “não queremos um 2001, queremos um 2003”.

Por isso, a agudização da luta de classes tomou o caminho eleitoral, condicionado não só pelas direções sindicais, como também pelo amplo alcance que o Estado-Maior dos capitalistas implantou. A crise social, que se traduz em crise política, se revela no esforço da quase totalidade dos partidos do regime para obter um espaço político em comum e dar batalha ao governo de Cambiemos.

No momento em que se insinuou a tendência ganhadora de F e F, o rádio, a mídia escrita e a televisiva começaram a atiçar a necessidade de se fortalecer a governabilidade, desafiando a chapa ganhadora das PRIMÁRIAS para mostrar confiabilidade aos mercados.

A resposta não se fez esperar. Com um salto de mais de 30%, o dólar subiu a 61 pesos, os títulos argentinos no exterior caíram 15% e as ações caíram a 56%. O ritmo da desvalorização da jornada é surpreendente inclusive para os economistas. No fim do dia, chegou a 23%, mas não se via o piso. O risco-país alcançou os 1400 pontos. “Poderia haver um maior grau de volatilidade nos mercados porque os resultados oficiais na manhã de hoje indicavam que Alberto Fernández tinha apoio suficiente para ganhar a Presidência no primeiro turno”, assinala o texto da Reuters.

A resposta do governo se orienta no sentido do “laissez faire” no dia de hoje para que os mercados se “acomodem” e, depois, intervir para sustentar um dólar mais “estável”. Em qualquer caso, a preocupação dos investidores é que a venda massiva de títulos e a volatilidade cambial prejudiquem as possibilidades de reeleição de Macri.

Na realidade, do que estão falando os investidores é de instabilidade social, que impede garantir a segurança jurídica de seu dinheiro e da propriedade privada dos meios de produção. A polarização eleitoral é apenas um episódio da luta de classes – da qual os capitalistas têm plena consciência – que pode, no curto prazo, ir às ruas, às fábricas, aos bancos e empresas, inclusive em um futuro governo de Fernández e Fernández.

Um governo surpreendido

O governo de Mauricio Macri e a totalidade de seu gabinete ficaram surpresos com os resultados eleitorais. Habituados à impunidade política, à repressão da luta social, às tentativas de disciplinar os trabalhadores, acostumados com a impunidade das tentativas de varrer as conquistas sociais, contaram com aquiescência da oposição que manteve, durante esses anos de governo de Cambiemos, uma política de salvaguardar a governabilidade.

O governo pretende conseguir que Macri finalize o seu mandato. O oficialismo praticamente não tem chances até outubro, visto que, embora possa somar os votos de Lavagna, Espert e Centurión, se Fernández mantiver os resultados das PRIMÁRIAS, é ele quem vai direto para a Casa Rosada.

O governo de Macri junto com a grande burguesia e a chapa F e F não têm outro caminho a seguir além de construir um grande Acordo Nacional que inclua todos os partidos do regime capitalista para garantir a governabilidade.

Os comentaristas mais importantes da mídia escrita revelam sua preocupação ante a situação explosiva dos de baixo. Ademais, circulam os balanços do que não se fez e das decisões políticas que se fizeram mal, recaindo a responsabilidade em Duran Barba.

Tudo é especulação, visto que o voto de castigo que recebeu e a derrubada das expectativas de um triunfo em outubro se devem a dois elementos que se combinaram: a crise mundial e sua expressão na região, e os planos de ajuste mantidos desde 2015 até hoje. Não podemos deixar de lado que, em novembro, nas eleições legislativas, Macri e Cambiemos arrasaram pintando de amarelo o território nacional. Só se passaram um pouco mais de 30 dias para se produzir um ponto de inflexão na cabeça de centenas de milhares de trabalhadores, ante a votação, em dezembro, da Reforma da Previdência. É aqui que devemos entender o início da contra regressiva para Macri e Cambiemos.

A esquerda

Os partidos da esquerda que apresentaram uma alternativa de independência política, foram atravessados pela polarização da situação política, econômica e social em que vivem milhões de trabalhadores e que se expressou nos resultados das PRIMÁRIAS.

Comparando os resultados do FIT-U nas eleições presidenciais de 2015, quando obtiveram 3,25%, com as eleições PRIMÁRIAS de 2019, quando obtiveram 2,86%, perderam 0,39%. Mas a isso devemos somar os votos do MST-Nova Esquerda que, nas PRIMÁRIAS de 2015, obteve 0,42% dos votos.

Ou seja, que nas PRIMÁRIAS de 2015, o FIT e o MST ganharam, separadamente, 3,67%, enquanto, agora, os dois juntos somaram 2,86%. Observa-se, então, um retrocesso de 22% dos votos, aproximadamente.

Podemos afirmar que, se for definitivamente confirmado que o novo MAS e Autodeterminação e Liberdade não ultrapassaram o limite prescritivo, estamos diante de um retrocesso geral da esquerda. Adicionamos, além disso, como uma causa importante, a ausência de uma política correta de Frente Única para as massas de trabalhadores que veem em F e F uma ferramenta viável para a defesa dos direitos perdidos e para a conquista de novas reivindicações. Não se deve confundir a independência de classe em termos de programa e em relação ao Estado capitalista, com independência política em relação às massas e a sua vanguarda.

Em geral, vemos uma oscilação entre oportunismo e sectarismo em sua conduta política. Por um lado, a adaptação à lógica parlamentar e, por outro, seu sectarismo orgânico ante as massas. Na política, esses erros se pagam caro.

Repetimos que poderia ser considerado como atenuante que, em geral, nas eleições presidenciais, haja certa polarização e ainda mais nestas eleições, realizadas em um contexto de miséria e desespero de amplos setores da população.

Por uma saída revolucionária

Encontramo-nos ante uma crise mundial de enorme envergadura. A crise que começou em 2008 não foi resolvida; pelo contrário, aprofunda-se com as medidas adotadas pelas economias dos países centrais. A guerra comercial liderada pelos EUA é a expressão mais crua da crise de superprodução em que vive o capitalismo.

O possível governo de F e F, que pode assumir em 10 de dezembro, terá em suas mãos uma bomba relógio. O pagamento da dívida externa, a pressão dos capitalistas e do FMI, que pedem a viva voz a reforma trabalhista, um Brasil que não pode fazer avançar sua economia e nossa dependência das exportações que mantemos com este último país, a necessária resposta à demanda por pão, trabalho e estabilidade, são todos indicadores de uma situação de instabilidade extrema.

Essas demandas dos de baixo colidem com o discurso de F e F, que sustentam que a situação obriga a deixar de lado as diferenças, sendo muito claros em seu discurso de agradecimento: “Viemos para consertar o que outros transtornaram, da mesma forma como o fizeram Néstor e Cristina em 2003”, disse Alberto Fernández.

O Grande Acordo Nacional ou Pacto Social que se encontra em elaboração não deve deter nossas demandas de saúde, educação, trabalho e salários de acordo com a cesta básica.

Mas essas demandas devem estar ligadas à possibilidade de um debate concreto e leal do conjunto da esquerda na perspectiva de se avançar na construção de um poderoso Partido Revolucionário. Não são essas eleições nem o Parlamento que possibilitam o pão, o trabalho, a saúde e a educação. Não é da mão dos capitalistas que poderemos satisfazer nossas reivindicações.

Encontramo-nos mais uma vez diante de uma oportunidade histórica para a vanguarda revolucionária: o ano de 2001 nos deixou como lição a esterilidade das políticas sectárias e de aparelhamento dos grupos majoritários da esquerda. Devemos construir uma alternativa para que não só Macri se vá, como também para que o conjunto dos trabalhadores atire o capitalismo na lixeira da história.

Nossas bandeiras e demandas não devem ser adiadas, por isso devemos construir uma nova legalidade, devemos lutar por um Governo dos Trabalhadores e pelo Socialismo.