Eleições italianas: sociedade abalada em suas fundações

As eleições italianas, um terremoto político no verdadeiro sentido da palavra, produziram o que era previsto: um parlamento enforcado, sem um partido ou uma coalizão de partidos capaz de expressar maioria no governo. Analistas políticos burgueses sérios lamentaram o fato de que mais de 50% do eleitorado votaram em partidos “populistas” contra o sistema, enquanto os partidos sobre os quais o sistema se sustentou durante os últimos 25 anos ficaram seriamente fragilizados.

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Os resultados são os seguintes: coalizão de centro-direita, 37% e 260 cadeiras parlamentares; Movimento 5 Estrelas (M5S), 32,68% e 221 cadeiras; coalizão de centro-esquerda, 22,85% e 112 cadeiras; Liberi e Uguali, 3,39% e 14 cadeiras. Para formar um governo com maioria no parlamento seriam necessárias 316 cadeiras e nenhuma dessas forças conseguiu isso. Portanto, abre-se um período de instabilidade enquanto continuam as negociações para costurar algum tipo de coalizão.

O problema é que ninguém sabe como é possível construir uma coalizão que funcione. A centro-direita precisa encontrar 56 cadeiras que estejam preparadas para apoiá-la, enquanto o M5S precisa de 95 cadeiras. Há muita especulação sobre que tipo de governo emergirá. Poderia ser uma coalizão entre o M5S e o Partido Democrático, um acordo entre o M5S e a Liga ou até algum arranjo entre o Partido Democrático e a direita.

Todas essas, entretanto, criam novos problemas e não são a base para formar um governo estável. Uma outra opção que está sendo discutida é a formação de uma coalizão de governo de vida curta cujo único propósito seria mudar o sistema eleitoral, mais uma vez, para introduzir um mecanismo que produziria uma maioria parlamentar.

Isso acontece em uma época em que a burguesia italiana precisa de um governo forte capaz de cortar ainda mais o estado de bem-estar social e os direitos dos trabalhadores no geral para atacar o imenso buraco negro das finanças estatais (equivalente a 132% do PIB), um sistema bancário falido e uma economia estagnada que ainda nem se recuperou aos níveis anteriores à crise de 2008.

Eles acharam no passado que a força de que eles precisavam para garantir seus interesses era o Partido Democrático e, quando não deu certo, acharam que poderiam chamar Berlusconi de volta. O problema é que os maiores perdedores nestas eleições foram precisamente o Partido Democrático e a Forza Italia de Berlusconi. Isso faz parte de um maior fenômeno internacional que viu o colapso do então chamado centro. A razão é que estes são os partidos mais vinculados à austeridade do passado.

A centro-direita e a ascensão da Liga

A massa da centro-direita é formada pela Forza Italia de Berlusconi e a Liga de Salvini. A Liga era chamada Liga Norte e fazia campanha para a separação do norte do resto do país, se dirigindo aos sulistas como preguiçosos e incompetentes. Isso restringiu a sua base eleitoral ao norte e a tornou uma pequena força na política nacional. Ela se reciclou como extrema-direita, racista, anti-imigração, conservadora e se conectou ao medo de uma parte da população da “constante” chegada de imigrantes da África ou da Ásia. Um dos seus principais gritos de guerra era “Itália para os italianos”. Sua votação foi de 4% em 2013, concentrados no norte, para atuais 17,6% com uma amplitude nacional. O partido Forza Italia de Berlusconi, por outro lado, foi de 21,5% em 2013 para 14% atualmente.

Berlusconi pagou o preço por tentar parecer com uma imagem de “homem de estado” responsável dentro da coalizão da centro-direita. Como um claro sinal de desespero, ele acenou à burguesia mais séria, na Itália e na Europa, como o homem que poderia salvar a Itália do populismo, o que incluía a Liga com quem ele tinha aliança.

O que a burguesia não consegue entender é que, nas condições atuais da Itália, uma extensa camada da população já está farta das chamadas “figuras de homens de estado”. A Comunidade Europeia e o euro são vistos por muitos como a fonte dos problemas que afligem a classe trabalhadora, portanto, qualquer político que defenda a Comunidade e o euro não vai se dar bem nas pesquisas de popularidade. A crise é severa e as pessoas querem mudanças, não os mesmos políticos. É precisamente o que os partidos que oferecem políticas “extremistas” fazem melhor nessas condições. Os chamados “moderados”, e Berlusconi era visto como moderado dentro da coalizão de centro-direita, sofreram eleitoralmente.

Nesse contexto, Salvini bateu panela dizendo que a Itália pertence aos italianos e prometeu repatriar centenas de milhares de imigrantes. Com o desemprego crescente, a direita alardeou a mensagem de que se os imigrantes fossem mandados de volta para suas casas, as coisas ficariam melhores para os italianos. A tragédia é que não há uma força de esquerda viável para explicar que tais políticas da direita só servem para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora. Na falta de tal força, a mensagem xenofóbica e racista teve um impacto significativo em uma parcela da população.

Portanto, a centro-direita é dominada pela Liga e não por Berlusconi. Isso representa um problema, pois durante a campanha eleitoral, Berlusconi afirmou claramente que qualquer partido dentro da centro-direita que ganhasse a maioria dos votos ficaria com a posição de primeiro-ministro. É claro que se a direita puder formar um governo. Isso significa que Salvini pode reclamar por direito o papel de líder da centro-direita. Berlusconi, muito longe de proteger a classe burguesa contra o “populismo”, na realidade facilitou a ascensão da Liga. O problema, entretanto, permanece no fato de que Salvini pode não conseguir o cargo de primeiro-ministro que tanto quer, pois a centro-direita como um todo não tem a maioria necessária.

O Movimento 5 Estrelas se deu melhor que o esperado

O Movimento 5 Estrelas (M5S) se deu melhor que o previsto pelas pesquisas eleitorais, ganhando mais de 32% dos votos, mais que os 25,5% de 2013. O Movimento 5 Estrelas (M5S) emerge agora como o maior partido no parlamento mesmo tendo ficado isolado, pois recusou-se a fazer coalizões eleitorais com qualquer outra força, claramente tendo ganhado o voto de protesto e dado expressão à raiva reprimida contra o sistema.

Como o maior partido, ele conquistou o direito de se dar a tarefa de formar um governo. O presidente da Itália, Mattarella, tem a função de nomear quem deve ser o primeiro-ministro. Ele estuda a composição do parlamento e procura um candidato que acredita poder formar uma maioria para trabalhar. Isso significa que em algum momento ele terá de chamar Di Maio, o líder do M5S, e pedir a ele que investigue se pode reunir uma maioria no parlamento.

O Movimento 5 Estrelas teve uma votação esmagadora no Sul e entre os jovens. No Sul, sua votação esteve entre 45 contra 55% nas diferentes regiões e, entre os jovens, sua votação ficou em 43%, de acordo com estudo da SWG. Isso é muito significativo, pois os jovens e o Sul foram os que mais sofreram com a crise do capitalismo dos anos recentes e tiveram altas taxas de desemprego. Eles, bem como os trabalhadores da indústria, trabalhadores eventuais e as camadas da classe média, também foram os arruinadas pela crise econômica.

Em algumas áreas da Itália o desemprego é muito alto. No antigo distrito minerador de Sulcis, na Sardenha, por exemplo, o desemprego chega a 30% e entre os jovens está em 70%. Nessas áreas as pessoas não querem nem ouvir a velha retórica dos partidos tradicionais. Eles estão sofrendo e querem que algo sério seja feito para melhorar suas terríveis condições sociais e econômicas.

Muitos trabalhadores que costumavam votar no Partido Democrático viam nele a continuidade da tradição do antigo Partido Comunista, mas isso tem mudado. Eles se sentiram traídos pelo Partido Democrático e mudaram para o 5 Estrelas. Quando um repórter da TV perguntou aos trabalhadores em quem eles votariam na região de Sulcis, na Sardenha, muitos responderam que votariam no 5 Estrelas. Quando perguntados se isso não seria um tiro no escuro e que poderia piorar as coisas, um trabalhador respondeu: “como pode ficar pior do que já está?”.

Portanto, o voto para o 5 Estrelas é claramente um voto de protesto e uma forma de varrer do mapa os partidos tradicionais que são vistos como os responsáveis pela situação atual. Os mais de 10 milhões de italianos que votaram no 5 Estrelas estavam votando contra o sistema como um todo.

Entretanto, o que o movimento 5 Estrelas tem a oferecer? Ele construiu o seu apoio se apresentando como um partido contra a austeridade, um partido que questionava o papel da Comunidade Europeia e propunha até mesmo a ideia de um referendo sobre o euro. Também construiu sua posição com a retórica anticorrupção. A imagem que cultivou é a do partido que varrerá o sistema tradicional.

Porém, quanto mais cresce e quanto mais próximo se torna o prospecto de realmente formar um governo, mais “responsáveis” seus líderes ficam. Lá se foi o discurso contra o euro. Não há mais conversas sobre um referendo a respeito. Di Maio, seu líder, na quinta-feira deu uma entrevista na qual repetiu várias vezes a palavra “responsabilidade”. Ele afirmou que são um partido responsável e que fará o que é certo para a Itália e para a Europa. Adicionou que eles estão preparados para conversar com os outros partidos, o que se afasta da sua posição anterior de se recusar a trabalhar com qualquer um.

Isso também explica porque o presidente da Confindustria (o sindicato dos patrões), Vicenzo Boccia, apareceu dizendo que “o 5 Estrelas não nos mete medo”, adicionando que eles não devem desfazer as leis que já foram promulgadas até agora pelo Partido Democrático, tais como a Lei do Emprego, que serviu para tornar as condições de trabalho ainda mais precárias. Ele também aconselhou o 5 Estrelas a não introduzir medidas que aumentassem ainda mais a dívida pública. Mas o discurso de Boccia é como um certificado de entendimento que os patrões passaram ao 5 Estrelas, um partido com quem se pode fazer negócios. O fato de que o 5 Estrelas tem uma retórica contra os sindicatos ajuda muito nesse senso.

O 5 Estrelas saiu fortalecido, mas fica claro que eles estão preparando a sua desdita no período próximo, pois estão forçados a lidar com as questões de como governar uma economia capitalista.

A ascensão da extrema-direita

Dois grupos que podem ser descritos como fascistas apareceram nestas eleições: o CasaPoundItalia e o Italia agli Italiani (uma coalizão entre a Forza Nuova e a Fiamma Tricolore). Tendo conseguido um relativo sucesso em uma eleição local anterior nos arredores de Roma, a CasaPound acreditou que poderiam conseguir eleger alguns representantes nas eleições gerais. No final eles falharam em conseguir perto do limite dos 3%. Ainda assim a votação foi significativa dada à orientação abertamente fascista desses grupos, mas foram bem abaixo das expectativas. A CasaPound conseguiu 0,94%, enquanto a Italia agli Italiani conseguiu 0,38%.

Imediatamente após os resultados das eleições, o líder da CasaPound queixou-se de que a mídia os ignorou e não lhes deu nenhuma publicidade. Esse fato demonstra o efeito desmoralizador que os resultados das eleições trouxeram à liderança da CasaPound, porém está longe de ser a verdade, pois eles tiveram muita publicidade durante a campanha eleitoral em termos de projeção na mídia. Por exemplo, quando um racista (e ex-candidato da Liga Norte) atirou em imigrantes africanos nas ruas de Macerata, houve grande comoção contra a extrema-direita racista. A verdade é que o apoio para os abertamente racistas é muito fraco. Também há o fato de que qualquer um que quisesse votar em partidos abertamente racistas poderia votar ou na Liga e seus parceiros de coalizão, Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), ou em alguma extensão no Movimento 5 Estrelas, que também adotou uma instância anti-imigração.

Dito isso, há um pequeno, mas significativo aumento nos votos da extrema-direita. Em 2013,  a votação combinada dos votos dos dois grupos de extrema-direita foi de 92 mil (0,27%). Dessa vez, a votação combinada dos dois partidos fascistas foi de 429. mil votos (1,32%). A CasaPound foi o grupo que se beneficiou mais com seus 305 mil votos.

Esses números dão uma amostra real da chamada “ameaça fascista” na Itália. Esses grupos são marginais e poderiam ser facilmente combatidos e isolados se um movimento de massa muito maior contra os ataques racistas e fascistas fosse efetivamente organizado. Eles representam uma verdadeira ameaça como grupos violentos que costumam atacar ativistas de esquerda e imigrantes. Também cumprem um papel em aumentar a aceitação do racismo e da xenofobia entre uma camada da população.

A morte da centro-esquerda

A maior perdedora das eleições foi a coalizão de centro-esquerda centrada no Partido Democrático. A centro-esquerda teve menos de 23% dos votos, abaixo dos 29,5% de 2013. Nas eleições europeias de 2014, o Partido Democrático ganhou mais de 40% dos votos. Isso foi quando ele estava no seu auge e Renzi achou que os ventos sopravam ao seu lado e que ninguém poderia enfrentá-lo. O Partido Democrático continuou a forçar uma série de legislações antitrabalhistas e severas medidas de austeridade e nestas eleições ele pagou o preço dessas políticas, recebendo menos de 18,8%, não muito mais que a Liga, e perdendo mais de 3 milhões de votos desde 2013.

Esse resultado confirma o gradual e constante processo que ocorre desde 2014. Nesse período, o Partido Democrático recebe uma bomba no referendo de 2016, quando mais de 60% do eleitorado rejeitou a tentativa de Renzi de mudar a constituição em um esforço para mudar o sistema eleitoral, mais precisamente para evitar que o Movimento 5 Estrelas emergisse como a maior força no parlamento. Isso foi visto como o que realmente é e o Sul, os trabalhadores e os jovens em particular usaram o referendo para dar um grande tapa na cara de Renzi.

Renzi renunciou ao cargo de primeiro-ministro, mas o seu governo continuou com Gentiloni com praticamente os mesmos ministros. Renzi ainda foi visto manobrando o governo e se tornou uma figura odiada tanto pela direita quanto pela esquerda.

Mesmo com tudo isso, Renzi estreitou a sua pegada no Partido Democrático, separando uma facção minoritária dos deputados que vieram do Partido Comunista, provocando uma série de divisões entre os deputados, o que provocou a ascensão do movimento chamado Liberi e Uguali [“Livre e Igual”]. Isso incluiu alguns ex-líderes do Partido Comunista, como D’Alema, que foi primeiro-ministro entre 1998-2000. O objetivo desse movimento era salvar as carreiras de uma minoria relegado por Renzi, mas sem quebrar abertamente com as políticas que eles defenderam no passado ou com a possibilidade de colaborar com o Partido Democrático. As pesquisas de opinião indicaram que eles deveriam chegar a mais ou menos 6%. Eles acabaram indo muito mal, conquistando meros 3,4%, pouco acima do limite de 3% e com D’Alema indo muito mal em sua cidade natal. Seu líder, Grasso, sugeriu durante a campanha um governo de coalizão entre o Partido Democrático e a Forza Italia de Berlusconi, com eles como árbitros! Esse grupo fatalmente irá rachar como cada membro do parlamento que procura salvar a sua carreira, alguns possivelmente retornando ao Partido Democrático.

O Partido Democrático está enfrentando uma série crise agora. Renzi ofereceu sua renúncia como líder do partido, mas não vai renunciar ainda! Sua arrogância não tem limites. Ele disse que continuará como líder até que o governo esteja formado. A razão é que ele acredita que o partido não deveria entrar numa discussão sobre formar algum tipo de coalizão, mas que deveria continuar na oposição. A lógica por trás disso é clara. Se houver alguma forma de preservar o Partido Democrático como uma ferramenta útil para a burguesia, isso poderá ser feito permanecendo na oposição e deixando a outros a continuação da política de austeridade.

Isso tudo funciona bem na teoria, mas não resolve o problema imediato enfrentado pelos capitalistas de garantir um governo no curto prazo. Há uma parcela significativa do partido que quer abrir conversações com o Movimento 5 Estrelas e iniciar negociações sobre uma possível colaboração entre os dois partidos. Renzi desafiou seus oponentes no partido a mostrar a que vieram e permanecer onde estiverem. Na segunda-feira acontecerá uma reunião entre a liderança do partido, onde um confronto deve ocorrer. O que poderemos ver é uma divisão do Partido Democrático, cujos fragmentos poderão ser usados para dar apoio a um governo ou a outro. Durante isso, o partido continuará a declinar e poderá até mesmo desaparecer como uma força relevante na cena política italiana.

A fraqueza do Partido Democrático e a renúncia de Renzi representam grandes problemas para a burguesia italiana. Eles construíram o partido meticulosamente por um longo período para ser a voz direta da classe capitalista. O problema atual é que qualquer um que governe e tente administrar o sistema deve obedecer as regras do sistema. O “piloto automático” está sempre à mão guiando qualquer um no governo em direção à austeridade, cortes nos gastos e ataques generalizados à classe trabalhadora.

O que sobrou da esquerda?

Como foi explicado no artigo anterior, o que sobrou da Rifondazione Comunista promoveu uma agremiação chamada Potere al Popolo (“Poder ao Povo”) para apoiá-los nestas eleições. Mesmo com as pesquisas de opinião indicando que eles iriam receber em torno de 1% das preferências, seus fundadores se colocaram como a nova força na esquerda. Eles se mexeram em um frenesi tamanho acreditando que conseguiriam chegar ao limite de 3% das preferências e alguns deles até sonhavam com conquistas maiores. Isso levou alguns a especular se teríamos na Itália um Podemos ou uma França Insubmissa.

Os marxistas italianos entenderam que tal agremiação teria poucas chances de emergir como uma alternativa crível. Seu componente principal foi a Rifondazione Comunista, porém o partido é agora uma pálida lembrança do que era em termos de militância e influência. Esse partido apoiou a centro-esquerda no passado e até mesmo chegou a participar dos seus governos, com a desculpa de que eles tinham de fazer isso para brecar a direita. O resultado foi que em 2008 a Rifondazione perdeu todos os seus parlamentares e tem estado em declínio desde então. Tornou-se em nada mais que um setor reformista. O que eles se recusam a entender é que é impossível reconstruir a esquerda na Itália com pessoas que estão contaminadas com as políticas da centro-esquerda e com as mesmas antigas políticas. O que se deve ter é uma clara política de classes que recuse qualquer colaboração com o chamado centro, com partidos que defendam os interesses da classe capitalista.

Contudo, eles são incapazes de romper com as velhas políticas. Continuam a acreditar em Tsipras[1] como um modelo para a esquerda italiana, o que explica tudo sobre a natureza da sua força. E também explica porque eles foram tão mal nestas eleições. Se compararmos a votação da Poder ao Povo com a agremiação Rivoluzione Civile em 2013, também apoiada pela Rifondazione Comunista, veremos que eles perderam mais da metade dos seus votos. Em 2013, a Rivoluzione Civile obteve 2,25% e 765 mil votos, enquanto que a Poder ao Povo nas mesmas eleições obteve somente 1,1% e 361 mil votos. É o preço pago por anos de colaboração de classe reformista.

A tragédia da situação italiana atual é que o Partido Democrático, apoiado no passado pela Rifondazione, deu uma má fama à esquerda aos olhos da massa dos trabalhadores. A “esquerda” está conectada com Renzi e suas políticas de austeridade. Isso explica porque um partido como a Liga pode se mostrar como um partido da classe trabalhadora dizendo o que a “esquerda” não faz nada pelos trabalhadores!

A esquerda revolucionária

Com efeito, as antigas forças tradicionais da esquerda na Itália não foram esmagadas pela realidade. As décadas de colaboração levaram primeiro à dissolução do antigo Partido Comunista Italiano (PCI) e o que emergiu foi absorvido pelo que hoje é o Partido Democrático, enquanto os fundadores da Rifondazione Comunista falharam em construir um genuíno partido comunista em seu lugar. A classe trabalhadora italiana passou de uma realidade de um Partido Comunista poderoso com 2 milhões de militantes para uma situação com nenhum partido comunista. A Poder ao Povo foi uma tentativa vã de ressuscitar uma formação reformista na Itália.

Explicamos em um artigo anterior o porquê de os marxistas italianos terem decidido que nestas condições seria necessário apoiar uma plataforma independente e revolucionária para a esquerda. Eles não tinham ilusões que alcançariam uma grande votação. São ainda muito pequenos para ser um fator significativo na situação, especialmente na arena eleitoral. Entretanto, não ter tomado uma posição teria os reduzido a uma função passiva, de “observadores” tecendo comentários sobre a situação. Ter a sua própria agenda deu a eles um instrumento com o qual ter uma posição ativa nas eleições e espalhar suas ideias o mais longe possível.

Em termos de alavancar o seu perfil, a campanha obteve sucesso. Eles conseguiram falar em programas de televisão durante a campanha eleitoral, desde a entrevista de Claudio Bellotti na RAI2, a qual nos referimos antes das eleições, até várias entrevistas para TV, rádios e jornais locais. Os camaradas foram a escolas, universidades e fábricas e deixaram a sua mensagem aos trabalhadores e aos jovens. Não foram vistos como ultraesquerdistas malucos, mas como pessoas sérias que conheciam o assunto, que fizeram uma análise da situação italiana e mundial e que tinham um programa que respondia aos problemas da classe trabalhadora.

Isso, é claro, não foi suficiente para vencer as eleições. A massa de trabalhadores e jovens desejava votar em uma força que tivesse os votos suficientes para oferecer uma alternativa de voto ao 5 Estrelas. Esse é um processo objetivo que ninguém pode ignorar. Muitos trabalhadores votaram no 5 Estrelas com a ilusão de que era o caminho para mudar as coisas. Eles ficarão amargamente arrependidos e quando o Movimento falhar e eles traírem o seu eleitorado, a situação se tornará explosiva, mas isso fica para o futuro.

Em termos de votos, o resultado é muito modesto. Nas áreas como Milão, Nápoles, Modena e algumas outras onde os marxistas têm base, com importantes cargos nos sindicatos, comerciários e em outros, eles tiveram uma votação expressiva. A agremiação Sinistra Rivoluzionaria teve um total de 32,5 mil votos. É verdade que eles conseguiram se estabelecer em apenas 60% dos círculos eleitorais, mas mesmo assim é uma votação bastante modesta. Mas o principal objetivo da campanha não foi conseguir vários votos nas cédulas, mas construir vínculos com uma camada de trabalhadores e da juventude que procuram por uma alternativa revolucionária e usar a campanha eleitoral como um caminho no qual se construirão as forças do marxismo. A esse respeito, a campanha atingiu um sucesso importante.

Havia um outro concorrente na esquerda e este era o Partito Comunista liderado por Marco Rizzo, cujo símbolo era uma bandeira vermelha, a foice e o martelo. Ela é uma organização abertamente stalinista ligada ao KKE[2] grego. Marco Rizzo costumava ser uma figura de liderança na Rifondazione antes de se separar em 1998 e foi parlamentar entre 1994 e 2004 e deputado europeu de 2004 a 2009. O partido recebeu 103 mil votos (0,32%), ainda muito pequeno e marginal na política italiana.

Essa é uma camada de velhos ativistas de esquerda que estão no momento em um humor muito depressivo. Eles veem em todo lugar reação e falta de esperança. Não conseguem entender por que a esquerda italiana caiu tanto. Muitos deles ainda se prendem às velhas ideias, políticas e métodos que levaram à desintegração dos partidos de esquerda.

O humor entre os marxistas da Corrente Marxista Internacional (CMI) na Itália, por outro lado, é de muita confiança. Pode parecer estranho ao ativismo médio da esquerda, mas isso se dá porque eles não compreendem o período pelo qual estamos passando. Eles só veem o lado reacionário dos resultados das eleições. Não enxergam que uma grande parte da população italiana realmente votou contra o sistema. Com a falência histórica da esquerda, somente o 5 Estrelas conseguiu preencher esta lacuna e, parcialmente, também a Liga. Eles também não conseguem entender que uma vez testado o 5 Estrelas, os milhões que depositaram sua esperança neles se tornarão uma base potencial para um futuro partido da classe trabalhadora.

Os marxistas confiam na classe trabalhadora. Ela aprenderá com os eventos e, conforme aprende, ela procurará por algo melhor que a Liga ou o 5 Estrelas. A tarefa da esquerda é preparar uma alternativa que seja capaz de se tornar um ponto de referência para a classe trabalhadora. Ao intervir nas eleições, os marxistas italianos atraíram a atenção de uma grande camada das pessoas que procuram por uma política revolucionária alternativa. Eles já começaram a envolver essa camada nas suas atividades e estão estreitando a Corrente Marxista. Esse era o objetivo da intervenção nas eleições com a agremiação própria.