Eleições equatorianas, um primeiro golpe para a oligarquia capitalista – e depois?

A eleição equatoriana em 7 de fevereiro produziu uma vitória clara para o candidato de esquerda Andrés Arauz, mas não o suficiente para impedir um segundo turno. Há uma diferença muito próxima na segunda posição entre o candidato preferido da oligarquia capitalista Guillermo Lasso e o candidato “indígena” Yaku Pérez.

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A primeira coisa a destacar sobre as eleições no Equador foi a elevada participação de mais de 81%, a mesma de 2017, apesar do impacto da pandemia de Covid-19, que assolou o país sul-americano. Claramente, para milhões de pessoas, algo importante estava em jogo. Como explicamos, essas eleições presidenciais e para as assembleias nacionais acontecem depois da revolta de outubro de 2019 contra o governo de Lenín Moreno e seu pacote de medidas de austeridade impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) contra a classe trabalhadora.

Lenín Moreno havia sido eleito em 2017, em uma eleição bastante disputada, em um momento em que se apresentava oficialmente como candidato de continuidade de Rafael Correa. Porém, depois de derrotar o candidato da oligarquia capitalista, o banqueiro Lasso, Lenín Moreno abandonou rapidamente as políticas de reformas sociais e a oposição ao imperialismo norte-americano. Fez um acordo com os EUA, que foi selado com a entrega de Julian Assange, que havia recebido asilo na embaixada do Equador em Londres.

Tendo vencido com base nos votos das massas de trabalhadores e camponeses, que rejeitaram decisivamente as políticas pró-capitalistas representadas por Lasso, Moreno passou a implementar as políticas de seu rival derrotado. Esse processo culminou em um acordo com o FMI e na introdução de um pacote brutal de cortes contra a classe trabalhadora, que levou ao levante insurrecional de outubro de 2019. O governo teve que fugir da capital, Quito, e as massas dominaram as ruas.

Esse movimento poderia ter culminado na derrubada de Moreno e na tomada do poder por operários e camponeses. No entanto, os líderes do movimento, em particular a organização Conaie dos povos indígenas, traíram a luta, chegando a um acordo parcial com o governo que pôs fim ao movimento e salvou Lenín Moreno da derrubada. Claro, quando as massas foram retiradas das ruas pelo acordo, então o governo passou à ofensiva, prendendo alguns dos líderes e introduzindo pela porta dos fundos as mesmas medidas às quais as massas se opuseram.

Estas eleições foram, portanto, vistas como uma oportunidade para se desferir um golpe contra a oligarquia e se livrar das políticas antioperárias implementadas. É o que impulsiona a votação de Arauz, candidato sob a bandeira da Unión por la Esperanza (União pela Esperança) – UNES. Ele recebeu mais de 32% dos votos, o que foi 13 pontos percentuais acima de seu rival mais próximo. Arauz conseguiu obter uma clara maioria em todas as províncias costeiras, incluindo retumbantes 41% em Guayas, que concentra cerca de um quarto da população do país. Isso é três pontos a mais do que Lenín Moreno conseguiu em Guayas em 2017.

Vale destacar que Ximena Peña Pacheco, candidata do partido de Moreno, obteve irrisórios 1,54% dos votos, refletindo o enorme descrédito do atual governo.

Corrida pelo segundo lugar

Na segunda posição, houve uma disputa muito acirrada entre o banqueiro Lasso e o chamado candidato de “esquerda” e “indígena” Yaku Pérez, ambos com pouco mais de 19% cada. Para Lasso, esse foi um resultado muito ruim. Em 2017 recebeu 28% dos votos no primeiro turno, aos quais teríamos que somar os 16% dos votos recebidos pelo candidato do PSC na época, partido que agora apoia Lasso. Foi um claro golpe contra a direita e a classe dominante, cujo principal candidato aberto pode nem chegar ao segundo turno. Lasso só conseguiu vencer em Pichincha, a província que inclui Quito, e aqui sua vitória foi estreita, com apenas 25% dos votos, e vencendo apenas em um dos quatro distritos eleitorais.

Yaku Pérez, o candidato da Pachakutik, venceu em todas as províncias andinas e amazônicas, onde se concentra a população indígena. Em alguns setores, ele é considerado um candidato de esquerda e ambientalista, mas seu histórico mostra o contrário. Em 2017, aliou-se abertamente ao candidato da classe dominante, Lasso, no segundo turno, contra Lenín Moreno, que, na época, representava a Revolução Cidadã de Rafael Correa. Naquela época, Carlos Pérez (que ainda não havia mudado o nome para o idioma indígena, Yaku) disse: “Prefiro o banqueiro à ditadura”.

É claro que houve erros cometidos durante o governo de Correa que ajudaram a alienar setores da população indígena. No entanto, o extremo sectarismo da liderança de Pachakutik contra o correismo os levou direto para os braços da classe dominante. Isso também os levou a trair o movimento em outubro de 2019, pois temiam que a derrubada de Lenín Moreno abrisse a porta para a volta de Correa ao poder. Eles preferiram deixar Moreno, que estava com as mãos ensopadas no sangue dos mártires do movimento, em Carondelet, o palácio presidencial. Yaku participou da Revolta de Outubro, mas também foi o primeiro a oferecer uma imagem pública de reconciliação com o governo Moreno imediatamente após, rompendo com o resto da Conaie.

Enquanto Moreno esteve no poder, Pachakutik votou consistentemente em seu apoio no parlamento e colaborou em todas as suas iniciativas contra a Revolução Cidadã de Correa. A pressa com que Yaku Pérez se levantou para se candidatar à presidência provocou tensões dentro do movimento indígena, tanto em Pachakutik, o partido político, quanto na Conaie, o movimento de massas.

Por trás de uma fachada de medidas de proteção aos direitos indígenas e ambientais, a principal proposta econômica de Perez é abolir o imposto sobre a repatriação de moeda forte, uma medida exigida pela classe dominante. É claro que Yaku Pérez não representa uma ameaça para a classe dominante. Na verdade, Hervás, o candidato do partido Izquierda Democrática (partido que, apesar do nome, não é nem de esquerda nem democrático), que ficou em quarto lugar com surpreendentes 15%, propôs no segundo turno uma aliança tríplice entre ele, Lasso e Yaku a fim de “impedir o retorno da extrema esquerda corrupta e populista” (referindo-se a Arauz). Lasso aceitou rapidamente, respondendo: “sim, este é o caminho a seguir. Devemos nos unir e apoiar qualquer opção democrática que vá para o segundo turno.” Embora Yaku não tenha aceitado abertamente, já que o apoio aberto de Lasso prejudicaria suas chances no segundo turno, ele também não rejeitou tal aliança. Em vez disso, ele está tentando se posicionar como o candidato mais qualificado para derrotar Arauz. Quando ele diz isso, ele está claramente se dirigindo à classe dominante.

No início da contagem, parecia que era Lasso quem estava à frente de Yaku para ir para o segundo turno. Claramente, seria mais fácil para Arauz vencer o odiado e desacreditado Lasso, o representante aberto da classe dominante, em vez de Yaku, que tem uma base considerável de apoio entre a população indígena. Conforme a contagem avançava, era Yaku quem estava à frente de Lasso, mas sempre dentro de uma margem muito estreita de menos de meio ponto percentual, não mais do que 20 mil votos.

Então, na quarta-feira, a situação mudou novamente, com Lasso chegando um pouco à frente de seu rival. Yaku imediatamente alegou que havia fraude para negar-lhe uma vaga no segundo turno e convocou mobilizações. Ele chegou a acusar Correa de estar por trás da fraude.

Essa é uma alegação absurda. Em primeiro lugar, Correa está na Bélgica e tem pouco ou nenhum controle sobre tudo o que acontece no Equador, onde foi condenado por corrupção (por acusações forjadas). Os poderes existentes do Estado (Judiciário, Legislativo, Eleitoral) são todos contra ele. As atuais autoridades eleitorais (CNE) foram eleitas em 2018 e são dirigidas por um presidente que é membro da Conaie, os demais membros pertencem aos partidos de Lasso e ao presidente cessante Moreno. Na verdade, Yaku é quem tem influência na CNE. Além disso, os que estão no poder prefeririam realmente que Yaku fosse para o segundo turno, já que ele, com suas credenciais de “esquerda” e “indígena”, está mais bem posicionado para vencer Arauz do que Lasso, o candidato aberto da oligarquia.

Há uma explicação mais simples para a corrida de última hora de Lasso na contagem. Uma série de boletins eleitorais de diferentes assembleias de voto foram classificados como contestados. Estes tiveram que ser verificados novamente. Por alguma razão, os papéis disputados de Guayas, a região mais populosa, que inclui Guayaquil, foram deixados para o fim. Uma vez que esses registros disputados começassem a ser verificados, esperava-se que Lasso aumentasse sua votação em relação a Yaku, já que Guayas tem uma população indígena muito baixa e Yaku, aqui, só ficou em quarto lugar com cerca de 8%.

A situação atual é aquela em que, com 99,90% dos votos contados, Lasso tem 19,68% e Yaku Pérez 19,48%. Há apenas 1,3% das cédulas de contagem que precisam ser verificadas novamente, então é improvável que isso mude.

Golpeiem a oligarquia!

Um segundo turno entre Arauz e Lasso seria uma luta clara entre um representante da classe dominante e um candidato de esquerda. Isso colocaria Yaku Pérez e Pachakutik sob muita pressão. Se eles acabarem apoiando publicamente Lasso, como fizeram em 2017, isso os desacreditaria em amplos setores de seu próprio eleitorado, entre os quais há muitos camponeses pobres e oprimidos das regiões indígenas.

Arauz não é de forma alguma um socialista revolucionário e nunca afirmou ser. Na melhor das hipóteses, é um social-democrata e, nos últimos dias, declarou-se abertamente como tal. O problema para a classe dominante é duplo. O primeiro é o fato de que Arauz prometeu mudar a direção geral da política econômica, de cortes e austeridade para os trabalhadores e pobres à tributação dos ricos e subsídios para os trabalhadores; e de uma estreita subordinação ao imperialismo norte-americano a uma aliança com a China. Em segundo lugar, é que para as massas de trabalhadores e pobres, Arauz representa uma chance de desferir um golpe contra a oligarquia capitalista e eles esperam que ele, se eleito, o faça.

É por isso que a classe dominante é clara: eles vão apoiar qualquer candidato, exceto Arauz. Uma declaração editorial no El Telégrafo foi muito clara ao exigir que Yaku e Lasso se unissem: “todos devemos nos unir porque temos um inimigo comum”. Esse “inimigo” é, evidentemente, Arauz, contra quem utilizaram todos os meios à sua disposição, desde uma repugnante campanha mediática, ao poder do judiciário e do conselho eleitoral. Esses ataques só aumentarão no segundo turno.

Enquanto isso, o governo Moreno, em seus últimos dias de mandato, está apressando a legislação “para proteger a dolarização” da economia do país, incluindo uma lei para garantir a “independência” do Banco Central. Ele quer garantir que a classe dominante mantenha as principais alavancas do poder econômico institucional, mesmo que perca as eleições.

Uma vitória de Arauz no segundo turno seria uma derrota para a classe dominante e teria um impacto além das fronteiras do Equador. Na ausência de uma alternativa revolucionária, a chegada ao poder de Arauz é uma escola necessária pela qual as massas terão que passar. No contexto de uma profunda crise econômica, no Equador e no capitalismo mundial em geral, o programa de reformas que Correa foi capaz de implementar durante sua presidência está agora descartado.

A tarefa urgente no Equador, além das eleições, é construir uma direção revolucionária. É necessário tirar todas as lições do levante de outubro de 2019 e, mais geralmente, da história revolucionária dos trabalhadores e camponeses equatorianos nos últimos 20 anos. Sua luta heroica derrubou governos e derrotou tentativas de golpe. Por 20 anos, a classe dominante nunca foi capaz de eleger um presidente de seus próprios partidos. Mas, ainda assim, após 20 anos de luta, os problemas das massas permanecem os mesmos: desemprego, migração em massa, milhões vivendo abaixo da linha da pobreza, distribuição desigual de terras, constante interferência imperialista nos assuntos nacionais e abismo insultante entre ricos e pobres.

Arauz e Correa culpam o “neoliberalismo” pelos males que afligem as massas, mas, na realidade, isso se deve ao capitalismo. Dentro dos limites do capitalismo em crise, em um país dominado pelo imperialismo, não há solução. Não basta falar de socialismo. Socialismo significa a expropriação das multinacionais e da oligarquia, e dos trabalhadores e camponeses chegando ao poder. Uma revolução bem-sucedida no Equador encontraria um eco massivo em todo o continente. É imprescindível que, da próxima vez que os jovens, os operários e os camponeses se erguerem, tenham uma liderança à altura de levá-los a assumir o futuro nas próprias mãos.

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