Abertura do II Encontro Latino-Americano de Empresas Recuperadas pelos Trabalhadores

Relato do 1º dia do histórico Encontro ocorrido em Caracas, na Venezuela, neste fim de semana.

Na Sala Juan Bautista Plaza da Biblioteca Nacional se deu a abertura do II Encontro Latino-Americano de Empresas recuperadas pelos trabalhadores. A alguns metros do Panteon Nacional, onde repousam os restos mortais do Libertador Simon Bolívar e os heróis da independência, cerca de 200 trabalhadores de toda a América Latina começaram os debates do encontro.

Além disso, estiveram presentes sindicalistas de outros países como Canadá e Turquia. Desculparam-se por sua ausência vários dirigentes sindicais da COB (Central Obrera da Bolívia), Central Obrera Departamental de Oruro e a FSTMB da Bolívia, os quais, finalmente, por razões alheias à sua vontade, não puderam estar presentes.

Abertura do II Encontro Latino-Americano de Empresas Recuperadas pelos TrabalhadoresPela Venezuela estiveram presentes dirigentes sindicais da Mitsubishi, Vivex – que se encontra ocupada há mais de 6 meses por seus trabalhadores -, a fábrica nacionalizada em Guayana, Cabellum, trabalhadores da FRETECO, entre os quais se encontravam os da Inveval e outras empresas, Frente da saúde de Lara, dirigentes sindicais da CEMEX, empresa nacionalizada pelo governo do presidente Chávez e da enlatadora de sardinhas La Gaviota, também expropriada.

O evento começou às duas da tarde e se desenvolveu em meio a um grande entusiasmo e expectativa. Há 4 anos desde o primeiro encontro que teve lugar em outubro de 2005, em Caracas, e que supôs um enorme impulso ao movimento de tomada e ocupação de fábricas em todo o continente. Naquele momento, a tomada e ocupação de empresas era estimulada ao abrigo da crise econômica do início de 2001, que afetou vários países do continente, especialmente a Argentina e Brasil, assim como pelas paralisações patronais organizadas pela oposição contra-revolucionária da Venezuela. Todos estes fatores espoliaram a luta operária em todo o continente.

O encontro contou com a presença do Ministro do Comércio, Eduardo Samán, que permaneceu a maior parte da tarde no mesmo, e expressou seu apoio e o do governo venezuelano à luta dos trabalhadores em defesa de seus empregos em todo o continente, em particular na Venezuela. Samán destacou que o presidente Chávez lhe havia mandatado para expropriar 20 empresas como um primeiro passo para garantir o desenvolvimento industrial do país, e destacou que após a expropriação da Cargill, La Gaviota e outras, virão mais empresas, entre as quais – disse destacando a delegação de trabalhadores desta empresa presente na sala – estaria Vivex.

O Ministro Samán denunciou o caráter reacionário e explorador do capitalismo e pôs numerosos exemplos das manobras que os capitalistas organizam para sabotar a economia venezuelana e tentar boicotar qualquer medida progressista do governo. “Não podemos esperar que o capitalismo caia por si só, ainda que agora esteja em uma crise muito profunda” disse o Ministro e, em seguida, chamou à organização do povo e os trabalhadores para defender e aprofundar a revolução.

Após o discurso do Ministro Samán, a mesa fez a entrega ao mesmo dos livros “A batalha da Inveval” (recentemente editado pela Fundação Federico Engels, na Espanha e Venezuela), que relata toda a experiência da ocupação e expropriação da Inveval até hoje, e “Imparables” [Imparáveis], sobre a experiência da empresa recuperada na Argentina, a IMPA. O primeiro foi entregue a Samán pelo próprio autor, Pablo Comenzana e os trabalhadores da Inveval, e o segundo por uma companheira argentina, trabalhadora da IMPA.

Em seguida, Serge Goulart, coordenador do Movimento das Fábricas Ocupadas do Brasil e membro do Comitê Organizador do Encontro, deu a palavra aos distintos membros da Mesa que havia se conformado. O primeiro deles foi Lalo Paret, do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) da Argentina, quem se mostrou muito entusiasmado por se encontrar em um país em revolução como a Venezuela e chamou à manutenção e continuação da luta pela ocupação e colocação em funcionamento das empresas fechadas em todo o continente.

Após ele, Luis Primo, membro do Comitê Organizador, tanto do I Encontro, celebrado em 2005, como deste II Encontro, e conhecido dirigente sindical da UNT de Caracas-Miranda, explicou que a luta das empresas ocupadas é a máxima expressão do antagonismo entre o capital e o trabalho. Luis apontou que o que mostra a luta da Inveval, Vivex, Inaf, Gotcha, Uraplast, e outras empresas ocupadas, é a firme vontade da classe trabalhadora de colocar-se à frente da revolução.

Abertura do II Encontro Latino-Americano de Empresas Recuperadas pelos TrabalhadoresPosteriormente, a camarada Pascuala, porta-voz dos trabalhadores da empresa de enlatados de sardinhas La Gaviota, recentemente expropriada pelo governo, expôs a luta desenvolvida por estes trabalhadores contra o empresário, o qual lhes pagava um salário miserável de 60 bolívares e, em 17 anos trabalhando na empresa, somente uma vez lhes deu uma lata de sardinhas. Pascuala explicou que a luta havia mostrado que os trabalhadores podiam se unir e pôr a fábrica a produzir, mostrando toda sua força e capacidade criativa.

Félix Martínez, secretário-geral do SINGETRAM (Sindicato Nova Geração de Trabalhadores da Mitsubishi), fez um relato da luta que, desde 2003, vieram desenvolvendo os mais de 1000 trabalhadores da empresa pela dignificação de suas condições de trabalho. Félix destacou como foi, a partir da vitória revolucionária de 2003, contra a paralisação petroleira, que um grupo de 7 trabalhadores revolucionários haviam decidido se organizar e conformar o sindicato, mas como um sindicato de novo tipo, revolucionário, baseado na participação dos trabalhadores na tomada de todas as decisões mediante assembléias. Também destacou como este modelo de sindicato fomenta a organização dos trabalhadores.

Com o SINGETRAM, fizeram uma luta contra a terceirização, que culminou na tomada da empresa durante 60 dias contra a decisão patronal de despedir 129 trabalhadores da terceirizada Induservis. Esta ocupação se converteu em um ponto de referência para o conjunto do movimento operário venezuelano e foi vítima de ataques de todos os setores contra-revolucionários: desde a própria empresa até os juízes a serviço da burguesia e os setores contra-revolucionários incrustados no aparato do Estado, os quais organizaram o brutal ataque, por parte de 60 membros da polícia regional do Estado Anzoátegui, que custou a vida dos camaradas Pedro Suárez e Javier Marcano. Félix explicou como, apesar deste ataque, os trabalhadores mantiveram a empresa ocupada, e sua luta serviu para que os trabalhadores despedidos fossem novamente incorporados à empresa.

Félix falou da ocupação que, nestes mesmos momentos, e depois de mais de 6 meses, mantém os trabalhadores da Vivex, e denunciou o assassinato de líderes operários como o camarada Argenis Vásquez, dirigente do SINTRATOYOTA em Cumaná e, por último, delineou o referendo realizado entre os trabalhadores da empresa, sobre a continuidade ou não dos dirigentes do sindicato. Este referendo logrou o resultado de 1192 trabalhadores da empresa, 1069 haviam votado em favor da manutenção da atual junta diretora do sindicato. Félix colocou que haviam decidido incluir nos estatutos do sindicato a elegibilidade e revogabilidade imediata dos dirigentes, assim como a rotatividade dos mesmos, e defendeu a importância deste ponto para lutar pela genuína democracia operária.

Este primeiro dia do Encontro finalizou com as intervenções de Jorge Paredes, Trabalhador e Presidente da Inveval e Serge Goulart. Jorge defendeu a necessidade das empresas nacionalizadas não permanecerem isoladas e defendeu que os bancos e as principais indústrias devem ser nacionalizadas sob controle operário. Também destacou a importância da participação dos trabalhadores. Após sua intervenção, o Ministro Samán se despediu dos presentes e Serge Goulart tomou a palavra.

Serge fez uma introdução sobre a crise do capitalismo e a importância que ganha, nesta situação, o movimento de empresas ocupadas. Destacou o estímulo que significa para os trabalhadores de todo o mundo a luta na Venezuela e explicou como o movimento de ocupação de fábricas está transcendendo as fronteiras e extendendo-se a novos países, inclusive países capitalistas avançados. Serge fez referência às ocupações da Republic Windows & Doors nos EUA há vários meses e mais recentemente da Visteon, na Inglaterra.

Este primeiro dia de encontro finalizou em um ambiente de entusiasmo e camaradagem, preparando todos os participantes para o debate do dia seguinte, que centrará em repassar a situação desde outubro de 2005 em cada um dos países, com especial atenção à revolução venezuelana, e o desenvolvimento que vem tendo a tomada e ocupação de empresas. Pela tarde se apresentará o livro “La batalla de Inveval” e outras publicações sobre a luta dos trabalhadores por tomar e colocar sob controle operário as empresas, e se debaterá sobre o tipo de propriedade das empresas, e a necessidade do controle operário.

Caracas, 26 de Junho de 2009.