A crise migratória e a Fortaleza Europa

Na semana passada, perto de 2.000 pessoas chegaram à Espanha por via marítima, a maioria delas viajando em botes totalmente inadequados para a jornada, arriscando suas vidas. O navio Aquarius chamou a atenção da mídia depois que o recém-instalado presidente, Pedro Sánchez, decidiu permitir que seus passageiros desembarcassem depois que a Itália se recusou a deixá-los encostar. O navio estava carregando 629 pessoas, 123 delas com menos de 18 anos de idade, que viajavam por conta própria.

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Desde o início do ano a Espanha já resgatou cerca de 300 botes transportando cerca de 6.600 pessoas e, entre janeiro e março, 130 pessoas foram registradas como tendo perdido suas vidas no trânsito. Durante 2017, o número de pessoas atendidas cresceu consideravelmente em comparação ao ano anterior, uma escalada que continuará durante 2018. Só na primeira metade deste ano, já houve um aumento de 36% no número de pessoas que chegam às costas espanholas.

Os refugiados que chegam à Europa vêm de regiões pobres, onde a miséria predomina e as guerras causaram destruição e caos. A decisão de empreender uma viagem tão perigosa e muitas vezes mortal não é tomada de forma ligeira. A grande quantidade de dinheiro paga às organizações da máfia que facilitam as viagens, e as condições, o tratamento e os materiais utilizados por esses gângsters, tornam a viagem muito custosa e perigosa, mesmo antes de embarcar. A Organização Internacional para a Migração (IOM, em suas siglas em inglês) publicou informes onde se mostrava o surgimento de um mercado de escravos na Líbia: um claro exemplo dos riscos envolvidos.

Infelizmente, a situação para os refugiados não melhora muito quando chegam à Europa. Na Espanha, as ONGs denunciaram muitas vezes a conduta das autoridades no tratamento dos refugiados, uma crítica que também seria aplicável à União Europeia como um todo. São as ONGs e os voluntários que socorrem os recém-chegados, enquanto as instituições estatais fazem tudo o que podem para não mover um dedo; ou pior, tentam expulsar os recém-chegados o mais rápido possível.

Divisões na União Europeia

O problema migratório por algum tempo afetou os pilares fundamentais que sustentam o bloco comercial (livre circulação de capitais, bens e mão-de-obra) e está contribuindo para ampliar as fissuras existentes.

A crise provocada pela recusa da Itália em aceitar o Aquarius causou uma disputa diplomática entre ela e a França. A decisão foi um produto do novo governo formado no final de maio, composto pelo populista Movimento 5 Estrelas e a Liga de extrema direita. O ministro do Interior e líder da Liga, Matteo Salvini, utilizou a ocasião apresentada pelo episódio do Aquarius para promover suas ideias. Apesar da natureza reacionária de Salvini, ele tinha razão quando criticou a União Europeia por sua gestão do “problema” migratório. Em 2015, a União Europeia concordou com a redistribuição de 160.000 migrantes da Itália e da Grécia a outros países dentro da união, um plano que terminou em 2017 com apenas 17% de realização.

O presidente francês, Emmanuel Macron, considerou a recusa como “cínica” e “irresponsável”. A hipocrisia de Macron é palpável considerando o seu próprio histórico de comentários racistas. No entanto, Macron representa o declínio do liberalismo que, por um lado derrama lágrimas de crocodilo pela catástrofe humana que representa a migração em massa de refugiados, e por outro, na prática, age contra os refugiados para salvaguardar os interesses dos grandes capitalistas e banqueiros. O acordo escandaloso da União Europeia com a Turquia em 2016 é um claro exemplo disso.

As ondas de choque provocadas produziram um impacto considerável na Alemanha, onde a posição de Angela Merkel vacilou. O ministro do Interior, Horst Seehofer, exigiu uma posição dura e conseguiu forçar um ultimato com um prazo de duas semanas para Merkel. Agora, a chanceler terá que negociar um acordo com os outros países europeus para encontrar uma “solução” para a crise migratória. Seehofer representa um setor da burguesia alemã mais conservadora; no entanto, no contexto geral do declínio do capitalismo, ele reflete os interesses da classe dominante como um todo.

A austeridade não é uma decisão política; ela emerge das presentes condições que se impõem à vontade de indivíduos ou nações. A necessidade de manter lucros máximos em uma economia que está estagnando, ou em crise, se traduz em ataques às condições da classe trabalhadora, que é obrigada a suportar o impacto enquanto os burgueses salvaguardam seus interesses. Se a burguesia não tem os recursos necessários para fazer concessões a sua própria classe trabalhadora; ou, pior, se a classe dominante for forçada a redobrar a exploração sobre seus trabalhadores para se manter competitiva nos mercados interno e externo, como pode fazer concessões aos migrantes e refugiados? Em adição a isso, está a estratégia de dividir e governar. É do interesse da burguesia colocar trabalhador contra trabalhador e criar divisões dentro da classe trabalhadora para que possa explorá-la mais facilmente e mais intensamente, gerando uma espiral decrescente de salários e de condições de trabalho.

É óbvio que os diferentes governos europeus usam o tema da migração como uma batata quente que eles passam de um para o outro para ganhar espaço eleitoral. No entanto, essa recente crise migratória está reabrindo uma frente que complica ainda mais a unidade do bloco, que já tem muitos problemas para resolver, como o Brexit; confronta seu aliado mais vital, os EUA e uma situação econômica que (para dizer o mínimo) parece sombria.

Imperialismo

O imperialismo é a causa direta do sofrimento de milhares de migrantes que, na ausência de qualquer alternativa, decidem arriscar as vidas na perigosa jornada à Europa. As intervenções militares na Síria, Líbia, Iraque e Afeganistão causaram caos, destruição e o desaparecimento de milhões de pessoas inocentes, bem como a disseminação e o fortalecimento de grupos fundamentalistas. Esses últimos foram capazes de preencher o vácuo criado como resultado da destruição dos aparatos de estado, e ganham força da miséria e do ódio generalizado ao imperialismo.

A África permanece sob o domínio dos países imperialistas que, durante as revoluções coloniais, perderam seu controle militar do território, mas não afrouxaram o seu controle econômico. Em última instância, este é o fator determinante. No entanto, países como a França continuam a ter uma presença militar permanente em países como Mali, Níger, Costa do Marfim, Burkina Faso, Djibouti etc. As classes dominantes nos países africanos agem como lacaios dos imperialistas: elas administram o saque sistemático do continente pelos imperialistas e, para o serviço ser feito e para manter a ordem, recebem substanciais somas de dinheiro e poder enquanto submetem a maioria da população à pobreza absoluta.

A situação na Líbia é o resultado direto da intervenção imperialista da OTAN, comandada pela França e Grã-Bretanha. O resultado é um país devastado: um paraíso para o tráfico humano, com três governos de fato, dominados pelas gangues fundamentalistas islâmicas e pelos senhores da guerra.

Portanto, não é o caso de uma “onda migratória” inundando a Europa, buscando “melhores empregos e vidas melhores”, como a mídia burguesa a caracteriza. De fato, milhões de pessoas foram forçadas a sair de seus países por causa das guerras, da fome e da miséria, provocadas diretamente pelos países imperialistas que vergonhosamente apresentam os refugiados como uma ameaça.

O que se pode fazer?

Já nesta semana, a União Europeia sugeriu uma nova “solução” para resolver a crise migratória: criar centros fora do bloco onde os migrantes são avaliados para se determinar se eles são refugiados ou migrantes econômicos. Essa proposta não busca soluções para a miséria e destruição que provocaram a crise migratória, apenas ergue novos muros.

É indiscutível que os recursos estão disponíveis em escala mundial para proporcionar a todos uma vida digna. O problema é que a riqueza se concentra em poucas mãos.

Os migrantes que arriscam suas vidas para chegar à Europa não são os que forçam o despejo dos locatários ou proprietários de casas e roubam milhões através da privatização dos serviços públicos. Pelo contrário, as pessoas responsáveis pela austeridade e pelo sofrimento da classe trabalhadora são os banqueiros e os magnatas das grandes empresas, os políticos corruptos e os representantes da União Europeia que planejam e aplicam as políticas de cortes agressivos. São esses nossos verdadeiros inimigos.

Na Espanha, existem cerca de 3 milhões de lares nas mãos dos bancos. No entanto, o número de desabrigados está aumentando. A luta pela boa acolhida dos refugiados é inseparável da luta pela expropriação dessas casas vazias, que poderiam não só serem utilizadas para acomodar aos refugiados como também a milhares de moradores de rua, de famílias e jovens que vivem em lares inadequados ou que não têm acesso à acomodação. A luta por um sistema de saúde universal também é inseparável da luta contra a austeridade e pela qualidade dos serviços públicos. A espiral descendente dos salários e das condições de trabalho deve ser travada coletivamente pelos trabalhadores, unidos independentemente de nossa nacionalidade, da cor de nossa pele, do nosso sexo e assim por diante.

Em última instância, o “problema” da atual crise migratória é inseparável do capitalismo, e nunca será resolvido dentro do sistema atual. A luta para resolver realmente o sofrimento que milhões de pessoas estão passando está diretamente ligada à luta internacional contra o capitalismo e pelo socialismo.

  • Os refugiados são bem-vindos! Faça os capitalistas pagar!
  • Abaixo as guerras e o saque imperialista!
  • Abaixo a podre União Europeia capitalista!
  • Abaixo o capitalismo, a causa fundamental da guerra e do sofrimento de milhões!