A crise da esquerda francesa é uma crise do reformismo

A mídia burguesa nunca se cansa de repetir: a esquerda francesa está em crise. Longe vão os dias em que o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista (PCF), entre eles, detinham uma clara maioria do eleitorado. E quando se trata da França Insubmissa (FI), eles não consolidaram o sucesso das eleições presidenciais de 2017, quando Mélenchon conseguiu 20% no primeiro turno, como vimos nas eleições europeias no ano passado.

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Por esse motivo, a crescente oposição a Macron não encontrou expressão à esquerda nesta etapa. Ela se expressou principalmente à direita: o National Rassemblement (RN, antes, a Frente Nacional) obteve o maior número de votos nas eleições europeias e está recebendo cerca de 26% de apoio nas pesquisas.

E assim, os porta-vozes dos patrões da mídia já escreveram o roteiro para as próximas eleições nacionais. Sabemos disso muito bem, pois é o mesmo roteiro da última vez. Macron (ou uma cópia em carbono de Macron) contra Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial, no qual Macron (ou sua cópia) venceria, com as massas mobilizadas para bloquear o RN. Então, as eleições legislativas dariam uma grande maioria ao vencedor da presidência. Nada de novo aqui!

Esse cenário é possível, mas está longe de ser inevitável. Em primeiro lugar, não podemos descartar que, diante de um forte movimento de protesto, Macron poderia ser forçado a dissolver a Assembléia Nacional antes de 2022. Em segundo lugar, a perspectiva da chamada direita “moderada” derrotando automaticamente Marine Le Pen é bastante incerta. A ideia de bloquear o RN reacionário votando em Macron, o reacionário-mor, não é clara!

Finalmente, e mais importante ainda, a vitória de uma força de esquerda ainda é possível, desde que dê uma expressão adequada à raiva e às aspirações das massas.

A base material do reformismo

Para entender isso, precisamos primeiro identificar as causas subjacentes dessa crise da esquerda – na França e em outros lugares. O caráter internacional dessa crise destaca que é um fenômeno ligado a dinâmica geral do capitalismo global.

As organizações de massa do movimento operário (partidos e sindicatos) não existem no vácuo. Elas sofrem todo tipo de pressão material e ideológica. Ao longo dos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial, o capitalismo passou por uma fase de expansão sem precedentes. Nos países capitalistas desenvolvidos, o desemprego era baixo. Os padrões de vida melhoraram para as massas. As classes dominantes concederam reformas em matéria de pensões, saúde, educação etc. Essa longa fase de crescimento econômico também teve o efeito de fortalecer enormemente o reformismo, ou seja, o programa de luta por uma vaga e gradual melhoria das condições de vida da classe trabalhadora – sem derrubar o capitalismo.

A crise global de 1973 abriu uma nova etapa, caracterizada pela intensificação da luta de classes em muitos países. No entanto, a estabilização da economia mundial que se seguiu, juntamente com o colapso dos regimes stalinistas, deu ao reformismo uma nova oportunidade de vida. Quando a crise de 2008 eclodiu, 60 anos de reformismo haviam levado a uma profunda degeneração dos líderes da “esquerda”. No poder, esses “pragmáticos” defendiam o capitalismo – e, portanto, implementavam as políticas de austeridade exigidas pelos burgueses.

Na França, as políticas adotadas pelo governo de François Hollande eram inteiramente no interesse da classe dominante. O PS saiu da presidência duramente desacreditado. Não é certo que possa retornar. E, quanto ao PCF, este se mostrou totalmente incapaz de romper com o PS – e está pagando o preço por isso.

Portanto, a “crise da esquerda” é, antes de tudo, uma crise do reformismo. No contexto da crise orgânica do capitalismo, a base material do reformismo desapareceu. Se houvesse uma perspectiva significativa dos reformistas no poder realizando reformas, isso seria uma coisa. Mas, quando os reformistas no poder realizam contrarreformas, sua credibilidade aos olhos das massas exploradas fica completamente comprometida.

Radicalização

Diante da crise de 2008 e da política de austeridade, um setor da juventude e dos trabalhadores procurou uma alternativa à esquerda para os antigos partidos (ou para as antigas lideranças de direita desses partidos). Isso explica o surgimento de Syriza na Grécia, de Corbyn na Grã-Bretanha, de Podemos na Espanha, de Sanders nos EUA e da FI na França.

No entanto, esses partidos, movimentos e líderes não representam um retorno às ideias e programas do marxismo revolucionário. Eles representam a ala esquerda do reformismo. Consequentemente, eles vacilaram constantemente e cometeram todo tipo de erros. Levada ao poder em janeiro de 2015, a liderança de Syriza traiu seu programa seis meses depois. Na Espanha, Podemos acabou de entrar em um governo de coalizão com o PSOE, apesar de o programa deste último ser nitidamente moderado. Na Grã-Bretanha, Corbyn perdeu a eleição porque fez muitas concessões à ala direita do Partido Trabalhista, especialmente na questão do Brexit. Na França, a FI perdeu parte de seu radicalismo desde abril de 2017, ao qual podemos adicionar os efeitos negativos de ser um “movimento” desorganizado, sem um congresso partidário, sem líderes eleitos e revogáveis, sem estruturas locais sólidas etc.

Esse tipo de processo não se desenvolve de maneira linear. Houve – e haverá – fluxos e refluxos no desenvolvimento da esquerda (relativamente) radical.

Na França, apesar de suas limitações, a FI ainda tem um enorme potencial, pois milhões de jovens e trabalhadores estão procurando uma alternativa à esquerda para a austeridade. Mas se a FI quiser realizar esse potencial, terá que prestar atenção à radicalização das massas. Em outras palavras, terá que virar à esquerda. Afirmamos isso frequentemente nas páginas desta publicação.

Por exemplo, em vez de propor alianças eleitorais ao Partido Verde, a liderança da FI deve explicar que o programa pró-capitalista dos verdes é incapaz de resolver a crise ambiental. O planejamento ambiental deve ser trazido de volta ao centro do programa da FI – e a ideia de planejamento deve ser estendida a toda a economia. Não haverá planejamento ambiental se não houver economia planejada, se não houver ruptura com o capitalismo.

Geralmente, quanto mais a FI se apresenta como uma alternativa radical ao status quo, mais eco encontra nas massas. Esta é a lição a tirar da experiência passada – na França e em escala internacional.