Wojtyla e Teresa, ou um caso de superprodução de santos

Portugese translation of "Wojtyla and Teresa, or a Case of Saintly Overproduction" by our religious affairs correspondent (November 3, 2003).

Comentário sobre o Documentário Canal Quatro Madre Teresa (25 de outubro de 2003)

Por nosso correspondente de assuntos religiosos

Não é fácil ser um santo, e principalmente no mundo pecaminoso do século 21 – assim se poderia considerar. Mas, esta opinião definitivamente não é compartilhada pelo papa João Paulo II. Com efeito, ele já manufaturou não menos de 474 deles no decorrer de seu pontificado. Desta forma, ninguém pode se queixar de sua produtividade.

Para colocar esta façanha em seu contexto, este papa criou mais santos do que todos os seus predecessores juntos, no decurso de mais de 2000 anos. E, a despeito de sua idade avançada e de seu delicado estado de saúde, não se pode antever quando renunciará a sua obra. Ele agora planeja elevar madre Teresa de Calcutá à santidade, somente seis anos depois de seu passamento.

Neste momento, temos o segredo do impressionante recorde de produtividade do papa João Paulo II. Absolutamente, não é nenhum segredo. Ele apenas segue o experimentado e genuíno método da indústria capitalista - a aceleração. Compreende-se, antes de as pessoas ouvirem falar de estudos de métodos produtividade, tempo e movimento, elas dedicavam suas vidas a estas coisas. Leve-se em conta Joana d´Arc, por exemplo. Teve de esperar 600 anos pela santificação. Agora, madre Teresa chegou ao ponto apenas em seis anos. Isto significa um aumento de 10.000% em relação ao velho sistema! Que mais se poderia desejar?

A principal razão por que as coisas costumavam demorar tanto era que, a fim de qualificar-se para o conselho diretor lá nas nuvens, tinha-se de satisfazer uma porção de condições rígidas e um tanto antiquadas. Em primeiro lugar, tinha-se de possuir um bom curiculum vitae, bom histórico que obrigasse o examinador a sentar-se e prestar atenção. Em segundo lugar – e aqui está o busílis - um milagre comprovado, e, por fim e não menos importante, o apoio de um papa.

Naqueles tempos, as coisas costumavam andar a passos lentos e as pessoas nunca tinham ouvido falar de bônus de produtividade, os papas eram um tanto atrasados, um bocado lerdos em elevar gente à santidade. Os métodos de produção não eram eficientes. Havia muita burocracia, bastante formalidades, toda espécie de verificações desnecessárias, entrevistas para verificar se os milagres eram comprovados e satisfaziam ou não ao Vaticano. Isto constituía uma providência séria e desanimadora e explica por que tão poucos promissores pretendentes jamais logravam êxito.

Surge então Karol Wojtyla – espécime de papa inteiramente moderno, prático e decidido, afirmativo, dinâmico, inteiramente sintonizado com a cultura empresarial do século 21. Pondo de lado qualquer formalismo e burocracia, ele liberaliza e revela o que de fato interessa. Milagres aprovam-se por atacado. O número de santos aumenta aos trancos e barrancos. Céticos e negativistas reduzem-se à insignificância.

Madre Teresa, como todos sabem, é irmã gêmea do atual ocupante do Vaticano. Ambos provêm do Leste europeu – o papa é polonês, madre Teresa da Albânia. Os dois, rígidos anticomunistas, têm mantido íntimas relações com políticos reacionários de Washington, são fervorosos apoiadores dos setores mais conservadores da Igreja Católica Romana, fanaticamente opõem-se ao controle natal, afirmando madre Teresa “se uma mãe pode assassinar seus próprios filhos em seu próprio útero, o que pode impedir, eu e você, de matar-nos mutuamente?” O que a pretendente à santidade não disse é que na Índia de nossos dias milhões nascem para uma vida miserável, vítimas da ignorância, da fome, das doenças e da imundície que as mandará precocemente para a sepultura. Trata-se, também, de um assassínio terrível perpetrado pelo sistema capitalista – que ela e seu amigo Woytyla sempre apoiaram lealmente.

Não haveria necessidade de aborto se as condições sociais que resultam em pobreza e fome para as massas populares fossem abolidas. Também ninguém recorreria a medidas abortivas se contraceptivos gratuitos estivessem à disposição de todos que deles precisassem. Opondo-se à contracepção, a instituição católica cria condições que empurram as mães desesperadas ao aborto. Mas há duas espécies de aborto – a que sempre esteve à disposição das filhas de famílias ricas, engravidadas “acidentalmente” e a outra, ao alcance das mulheres de camponeses pobres e de famílias das classes trabalhadoras. No primeiro caso, ocorrem tranqüilamente em maternidades particulares bem equipadas; os segundos, em quartos de fundos e lugares escusos onde velhas e ignorantes comadres tateiam com agulhas sujas, causando dores, ferimentos e mortes horríficas de um inúmeras infelizes mulheres e jovens, na Índia e em muitos outros paises.

Os marxistas defendem o direito dos pobres e oprimidos em toda parte. Defendemos a abolição da pobreza e a exploração que tornam tais horrores inevitáveis. Também defendemos o direito de uma mulher dispor de seu corpo da forma que ela considerar conveniente. O emprego científico da contracepção e a educação sexual apropriada dos jovens, livre de mistificações religiosas, de superstição e preconceitos, é precondição de uma atitude civilizada diante das relações entre o homem e a mulher e para a liberdade e igualdade do sexo feminino. Aqueles que se opõem a isto e colocam obstáculos no caminho da contracepção agem contra os interesses da mulher e acima de tudo dos setores sociais mais desprotegidos. Tais atitudes reacionárias contribuem para a perpetuação da pobreza, da escravidão feminina e da propagação da aids, com todos os horrores que isto significa. No contexto de um país subdesenvolvido à semelhança da Índia, é nada menos que um crime.

De acordo com relatos assiduamente cultivados pela mídia, madre Teresa era uma verdadeira santa na face da terra. Ela curava os enfermos (com a ajuda de bizarros milagres), confortava os moribundos e assistia os pobres. E tudo realizado num assustador mar de miséria humana que é Calcutá. O mito deve sua origem ao documentário televiso da BBC, em 1968, intitulado Madre Teresa de Calcutá. Foi o primeiro exemplo de um “milagre” realizado na televisão.

O homem responsável por este espetáculo foi o falecido Malcolm Muggeridge – bem conhecido arquiconservador, reacionário e católico fanático. Seu interesse em difundir o mito da “santa” de Calcutá está perfeitamente claro. Todo o seu comportamento neste programa foi de credulidade supersticiosa e servilismo untuoso, característica integral de um homem que é exemplo de jornalismo televisivo condimentado com jargão pseudofilosófico.

Não é impossível que M.M. tenha até mesmo acreditado neste amontoado de mistificações. Se alguém for a Calcutá em busca de santos, a perspectiva é que encontre um ou mesmo dois. Ou talvez seja mera e cinicamente manipulado pelo tema de seu documentário. Afinal, madre Teresa foi uma hábil mulher de negócios; o velho e atoleimado reacionário londrino predispunha-se a acreditar em qualquer coisa. De um modo ou de outro, o conteúdo de seu documentário foi seriamente contestado por investigações subseqüentes.

O presente caso de beatificação é baseado em pretenso milagre ligado relativo a uma camponesa hindu chamada Monika Besra, supostamente salva de morte certa por um milagre. Há um ou dois outros casos, mas estes são de tal forma dúbios que os novos procedimentos do Vaticano, aperfeiçoados e liberais, consideram difíceis de engolir.

Outro caso envolve uma inglesa, Norman Imms, esquizofrênica do nordeste da Inglaterra, a alegar que foi curada de uma doença mental após uma aparição sobrenatural de madre Teresa. O valor dos milagres envolvendo pessoas mentalmente enfermas sempre foi considerado negligenciável pelo próprio Vaticano, por razões óbvias. Por isso, a instituição não o considera um caso de “bona fide miracle”.

Fiquemos com o caso de Monika Besra que, em 1997, estava seriamente doente, de tal forma enferma que sua família foi forçada a vender seu trato de terra, gastando todo o dinheiro na tentativa de curá-la. No final, deu entrada num hospital local, aparentemente às portas da morte. Tinha quisto do tamanho de um melão no estômago. Médicos locais diagnosticaram meningite tuberculosa. A medicina parecia não trazer-lhe qualquer benefício. Mas, as irmãs encontram um método de enfrentar o problema. Atacaram um medalhão de madre Teresa com um cordão preto por sobre o estômago da paciente e oraram. Na manhã seguinte, se acreditarmos em Monika Besra e nas irmãs, o quisto desaparecera.

Os médicos ficaram incrédulos, e não é de admirar. Um tumor desse tamanho não desaparece entre as dezessete horas e uma hora da manhã seguinte. Eles também estão céticos diante da alegação frisando que a mulher não depositava bastante fé nas irmãs de caridade, em seus medalhões e orações, pois que ela continuou a tomar os medicamentos. Com razão, suspeitam de fraude e dizem simplesmente que a mulher e as irmãs não estão falando a verdade.

Por que as pessoas dizem mentiras a respeito dessas coisas? Bem, para começo de conversa há uma porção de dinheiro no negócio de milagres. Basta ver Lurdes! Um milagre pode funcionar - bem, milagres – como negócio. Uma multidão busca curas para seus males, e o fato passa a significar mais vendas, mais doações, mais investimentos. Em resumo, um ou dois milagres nunca fizeram mal a ninguém!

Ou fizeram? Efetivamente, é muito perigoso pregar a pessoas pobres e sem insrução que na verdade elas necessitam não de medicamentos modernos fabricados por empresas farmacêuticas ocidentais a preços acessíveis, mas de milagres e preces. Tal propaganda não ajuda estas pessoas a escaparem da pobreza, da doença e da ignorância, mas, pelo contrário, prendem-nas ainda mais à escravidão física e mental.

Sumita Kumar, porta-voz de madre Teresa, certamente não parecia viver na pobreza quando apareceu no Canal Quatro a fim de justificar estas alegações, pois mora numa luxuosa casa em Nova Delhi. Realmente, ela em pessoa não tinha nenhuma necessidade de qualquer portento para solução de seus transtornos. Uma breve caminhada até o banco teria igual efeito. Tais benfeitores bem de vida julgam similares de madre Teresa e de seus “milagres” muito convenientes, desde que altos impostos para a melhoria da vida dos pobres sejam absolutamente desnecessários.

Mas, outras pessoas têm opinião muito diferente da de madre Teresa. Um documentário no Canal Quatro, em 1994, expôs completamente os mitos fomentados por programas anteriores de Muggeridge. Mostrou como MT não estava interessada em aliviar dores e sofrimentos humanos, porém apenas em salvar suas almas. Não obstante houvesse lenitivos disponíveis, moribundos eram deixados a sofrer.

Uma inglesa entrevistada no decorrer do programa, tinha sido grande admiradora de MT até que a viu em pessoa. “Fiquei chocada,” disse ela. “eram vistos como almas, e não na qualidade de corpos.” Pessoas eram deixadas a padecer de dores desnecessárias, sofrimento útil para a alma ou, no mínimo, um assunto de importância secundária.

O papel da religião na história do colonialismo é historicamente bem conhecido. A dominação dos povos coloniais pelo imperialismo era preparada e facilitada pela religião. O homem branco veio para a África, Índia e América Latina com a Bíblia debaixo do braço. Apoderou-se das terras e do ouro dos nativos e ofereceu-lhes a Bíblia em troca. Alguns poderiam dizer que não foi bom negócio.

Trazer o Cristianismo para estes povos tinha um propósito claro: transformá-los em súditos obedientes e submissos, aceitando a sorte como se apresentava. Esse expediente continua ainda hoje em face da opressão imperialista. Não por acaso, madre Teresa e suas irmãs continuaram a inculcar esse espírito às camadas oprimidas da Índia.

A sucessora de madre Teresa, irmã Nirmala, tem explicado que “a pobreza sempre existirá. Queremos que os pobres vejam a pobreza de forma correta – aceitando-a e acreditando que o Senhor lhes proverá.” Se tal ponto de vista fosse aceito pelos trabalhadores e pobres, então nunca resistiriam a seus patrões, nem se organizariam em sindicatos ou partidos políticos. Deste modo, apresentando-se como benfeitores dos pobres na realidade contribuem para mantê-los prisioneiros do sistema que os oprime e explora.

Um exemplo ajuda a destacar este aspecto. Em 1983, a fábrica da multinacional norte-americana Union Carbide na Índia explodiu, causando terríveis mortes e ferindo muita gente. O desastre era evidentemente devido à política da empresa em economizar no investimento em medidas de segurança. O comentário de madre Teresa foi: “Poderia ter sido um acidente; como um incêndio que surgisse em qualquer lugar. É importante esquecê-lo. O esquecimento proporciona-nos um coração puro, e as pessoas estarão muito melhor depois disto”. Assim, em vez de organizarem-se para reagir contra a Union Carbide, as vitimas do terrível crime do capitalismo deviam apenas aceitar sua sorte. Tal comportamento, deixa os lucros da Union Carbide intactos e seus proprietários livres. Naturalmente, as vítimas poderiam permanecer felizes ao receberem medalhas de alumínio de Santa Maria... das mãos de madre Teresa.

Na realidade, as pessoas devem ter o direito de abraçar a religião de sua preferência – ou absolutamente nenhuma. No entanto, censurável é difundir a idéia entre a gente pobre e ignorante que ela pode obter curas através de prodígios, de preces e pelo uso de medalhões com cordéis pretos. Ainda mais condenável – e perigoso – é a propagação da idéia de que o uso de contraceptivos é pecaminoso em paises onde milhões estão ameaçados pela pobreza, pela fome e pela aids. Tal posicionamento nem ao menos um átomo de conteúdo progressista contém, mas é, pelo contrário, absolutamente reacionário e dirigido contra os interesses dos setores sociais mais pobres e vulneráveis.

Mesmo que deixemos de lado estes elementos, a essência reacionária de madre Teresa e seus semelhantes deve ser assim resumida: é um ponto de vista que encorajaria as pessoas a deixarem a atual sociedade intacta, os latifundiários, capitalistas, agiotas e outros opressores no domínio de seu poder e de seus privilégios, e, em seu lugar, olhariam esperançosamente para uma felicidade futura, no além.

O caráter reacionário da filosofia e do trabalho de madre Teresa fê-la ganhar o entusiástico apoio da classe dirigente, e especialmente de seus mais repulsivos representantes. Ela desfrutou de íntimo relacionamento com todas as espécies de dirigentes de regimes de direita e ditadores: não somente Ronald Reagan e Robert Maxwell, mas também “Papa Doc” Duvalier, o cruel ditador do Haiti. Que importa fossem eles escroques, ditadores ou mesmo assassinos – contanto fossem ricos!

Tudo isto é verdadeiro também em relação a seu bom amigo Karol Wojtyla, que em toda sua vida tem lutado pelas causas mais reacionárias e conseguido aplausos dos opulentos e poderosos deste mundo. O obstinado reacionário tem razão particular para promover santos e fomentar milagres.

A superstição sempre esteve presente nos obscuros recessos da consciência humana desde a Idade da Pedra até o presente. Todas as maravilhosas descobertas da ciência não conseguiram desalojar estes antiqüíssimos preconceitos da psique humana. Não apenas nas favelas de Calcutá, mas nos bem providos apartamentos de classe média na Califórnia e de Londres, e até mesmo nas salas de aula universitárias, a religião e o misticismo estão vivos e firmes na primeira década do século 21.

Reconhecidamente, as religiões organizadas têm experimentado tempos árduos nos últimos tempos, especialmente nos paises capitalistas desenvolvidos. Cada vez menos gente vai a igreja na Europa. Na Católica Espanha a igreja está encontrando dificuldade em conseguir número de jovens suficiente para o sacerdócio. Na França, o número de astrólogos profissionais excede largamente o número de padres. Nos Estados Unidos, a Igreja Católica tem sido abalado por escândalos sexuais. Também a crise não atinge apenas a Igreja Católica. A Comunhão Anglicana tem sido seriamente molestada pela designação de bispos homossexuais confessos nos Estados Unidos.

À semelhança do período de decadência na Roma antiga, não muita gente acredita nos velhos deuses, mas em seu lugar existe um enorme e crescente profusão de seitas do Oriente. Isto demonstra certa vitalidade em falta no Cristianismo ocidental. Suas crenças místicas apelam para saturado paladar de homens e mulheres que não sofrem de privação material mas que sentem que suas vidas são vazias e sem sentido, uma servidão infinda de trabalho e fadigas, uma pobreza cultural e um vácuo espiritual.

A alienação e o egotismo vicioso transformou a “civilizada” sociedade ocidental num pesadelo de crimes, de violência e de insegurança, no qual os indivíduos crescentemente questionam o valor da própria vida. Mas, elas não buscam nas igrejas tradicionais o socorro e a salvação. A igreja organizada em paises como a Grã-Bretanha está desaparecendo gradualmente. A atitude da maioria do povo diante dos escândalos que abalam as igrejas assemelha-se à de seus ancestrais no século 14 no período declinante do feudalismo – cinismo, indiferença e desdém.

Enquanto militante religioso reacionário, Wojtyla não tem a intenção de desistir sem luta. Lamentavelmente, faltam-lhe alguns dos mais efetivos métodos de persuasão utilizados por seus antecessores: a fogueira, os instrumentos de tortura e outros divertidos pequenos itens do arsenal da Santa Inquisição. A superstição é sempre uma arma útil. O fato explica a firme determinação com que este papa persiste na indústria manufatureira de santos.

Mas, não se diga que é apenas uma questão de quantidade. Não! O papa João Paulo II está muito preocupado no respeitante à qualidade. Nem todo mundo é aceito como bom material para santificação. O papa esmiúça a lista com o maior cuidado e atenção, excluindo qualquer candidato falto das imprescindíveis qualificações. O arcebispo Oscar Romero, de São Salvador, um progressista que foi brutalmente assassinado por elementos de esquadrão da morte direitista, cujo nome tem sido repetidamente sugerido pela Igreja Católica na América Central, é rejeitado incerimoniosamente. Os santos modernos devem ser direitistas. Não se proponha ninguém da esquerda!

De outra forma, o papa Pio XII, amigo de Hitler e Mussolini, que manteve cúmplice silêncio quanto ao Holocausto, acerca do qual estava informado, e que ajudou numerosos criminosos nazistas a fugirem para a América Latina após a II Guerra Mundial, permanece bem cotado na lista daqueles que Wojtyla quer tornar santos. Semelhante atitude assume ante o fundador da máfia direitista católica Opus Dei, Escriva, que foi ativo colaborador do ditador fascista Franco.

A agenda oculta do atual papa é clara por inteiro. Ele deseja reforçar a reação da direita por toda parte, apresentando patifes reacionários como excelentes candidatos à santidade. Sem dúvida ele próprio também aspira a ser um caso prioritário, de rápida tramitação, logo após passar para o além-mundo.

Todavia há ainda uma melhor razão explicativa do entusiasmo de Wojtyla pela manufatura de santos. O declínio da religião estabelecida no Ocidente desempenha algum papel em igrejas análogo ao da superprodução nos mercados mundiais. Se há um declínio no poder de compra europeu, pode-se esperar uma expansão mercantil em outro lugar. Descobre-se, portanto, um mercado emergente para a religião!

Tal mercado emergente existe. Está presente nos paises pobres da África, Ásia e América Latina. Nessas áreas, a pobreza universal torna os povos desesperados. A mensagem da Igreja, a prometer aos pobres deste mundo um futuro de bênçãos celestes na vida futura, desempenha o papel de poderosa droga, ainda mais atraente pois custa bem menos que os estupefacientes à venda nas ruas principais, não ilegal em muitos locais.

Para muitas pessoas no que é conhecido por um ou outro motivo como o “mundo subdesenvolvido”, o Cristianismo exerce uma espécie de apelo exótico, na Europa e na América usualmente associado com cultos religiosos importados do Oriente. Neste caso, aplicam-se as regras do comércio global: há um intercâmbio de importações entre o “terceiro mundo” e o “primeiro mundo” - comumente em detrimento desse. A importação de cultos estranhos para o Ocidente afeta tão-somente o estado mental de um diminuto punhado de excêntricos. Mas, a importação do Cristianismo para a Ásia, África e América Latina significou a ruína de todos os povos, saqueados e roubados não apenas de suas riquezas mas também de sua alma, de suas tradições e culturas.

O papa como sagaz homem de negócios, mantém um olhar atento nesses mercados emergentes. Com o propósito de assegurar que a igreja de Roma mantenha sua participação no negócio (pelo qual há acirrada competição da parte de rivais maometanos e evangélicos) o papa acelerou a produção de santos nos já mencionados paises. Pareceria que o processo é mais ou menos o seguinte:

O papa vai a x paises africanos, asiáticos ou latino-americanos. Antes de partir, é informado pelos burocratas do Vaticano que em tal país há tais e tais personagens y falecidas, condizentes com os critérios correntes para a beatificação (reacionário direitista, anticontrole de natalidade etc.). Ao chegar, ou um pouco antes da partida, o Sumo Pontífice anuncia a uma multidão extasiada que y personalidades qualificam-se à santidade. É a maneira pela qual tenta influenciar e atrair para sua grei milhões de pessoas pobres. Não é que o número de santos tem aumentado, mas que a ala mais reacionária do Vaticano, sob a direção de Wojtyla, se empenha em atrair multidões para seu aprisco, simultaneamente promovendo uma ideologia antidemocrática.

Estas manobras têm um caráter integralmente cínico. Muitos católicos honestos percebem e não se deixam iludir. O que explica a fabricação de tantos santos nos últimos poucos anos mais do que em 2000 anos? O mundo não se tornou um lugar mais santo desde que o atual papa assumiu o trono de São Pedro. Muito pelo contrario. O padrão de vida das massas tem se reduzido, há uma guerra após outra. A causa primordial desta catástrofe humana é o sistema capitalista que o papa defende.

O fundador do Cristianismo viveu e trabalhou no meio dos pobres. Seus seguidores sentiram-se obrigados a renunciar a seus bens terrenos como condição para ingresso no movimento. Hoje, muitos católicos, particularmente no Sul e na América Central, mas também em lugares como as Filipinas, estão lutando contra a injustiça e a opressão. Eles querem defender os interesses dos trabalhadores e dos camponeses pobres. Essa gente conta com toda nossa simpatia. Mas os príncipes da Igreja (não simplesmente da Igreja Católica) desde muito tempo abandonaram o credo dos primeiros cristãos. Eles se juntaram à fileira dos ricos e poderosos. Entregaram a Igreja aos mesmos cambistas e agiotas que Jesus enxotou do templo.

Eles pregam a obediência e o servilismo aos pobres, a fim de garantir-lhes a continuação deste terrível sistema de exploração e opressão. A “consolação” que oferecem às vítimas do sistema é um lenitivo miserável que se deve esperar até a sepultura. A seu respeito é verdadeiro afirmar: “Pedi-te pão e deste-me pedras.” Dizemos: unamo-nos na luta contra a exploração e a opressão. Que a classe trabalhadora assuma o poder e ponha um fim ao domínio dos poderosos, por igual material e espiritualmente falando. Construamos um paraíso neste mundo.

Londres, 3 de novembro de 2003.

Tradução de Odon Porto de Almeida