Terceira greve geral consecutiva alcança novos patamares na França

Pela terceira semana consecutiva, trabalhadores franceses de dezenas de profissões (maquinistas de trens, professores, médicos, enfermeiros, bombeiros, operários – até cantores de ópera!) abandonaram os locais de trabalho e saíram às ruas, ao lado de centenas de milhares de apoiadores, para se opor ao reacionário regime de Macron. Enquanto o governo minimiza a participação, alegando que apenas 600 mil participaram, os protestos foram pelo menos tão grandes quanto os de 5 de dezembro. A federação sindical da Confederação Geral do Trabalho (CGT) afirma que foi ainda maior, citando um número de 1,8 milhão de manifestantes, o que seria a maior mobilização desde 1995.

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Mais importante que a quantidade absoluta foi a qualidade dessa greve interprofissional, que foi notavelmente mais radical e mais bem organizada que a de duas semanas atrás. Fundamentalmente, trabalhadores do setor privado estão começando a se juntar à luta, ao lado de seus irmãos e irmãs dos serviços públicos (embora no momento apenas de algumas indústrias). Está claro que o clima nas ruas é pela queda de Macron, apesar da liderança sindical tentar ao máximo se concentrar exclusivamente em interromper a odiada reforma previdenciária. Mas as massas estão empurrando a luta a frente, enquanto os burocratas tentam segurar.

Provocações e escândalos

Na quarta-feira passada, o primeiro-ministro Édouard Philippe anunciou a intenção do governo de continuar com a reforma previdenciária (com alguns ajustes superficiais). A reação das massas foi imediata. A proposta foi rejeitada de imediato pela CGT, mas também pela Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFTD), moderada (por causa da pressão dos trabalhadores ferroviários), que anteriormente conteve suas forças e sinalizou que estava aberta a negociações sobre a reforma previdenciária. Ontem, entrou oficialmente na greve pela primeira vez.

No período que antecedeu a terça-feira (17), os trabalhadores dos transportes (ainda o centro do movimento) permaneceram em greve total, prejudicando os serviços de trem e ônibus em todo o país, enquanto os aeroportos ainda estão claudicando. Os sindicatos pediram “ação local” após o anúncio de Phillipe, para continuar de 10 de dezembro até a mobilização de ontem, e exigiram “negociações adequadas” com o governo. Apesar dessa atitude passiva dos dirigentes sindicais, os trabalhadores se organizaram para continuar a luta.

Trabalhadores das maiores refinarias de petróleo da França estão em greve há mais de uma semana, o que tem implicações muito sérias em termos de suprimento e exportação de combustível no país. As seções locais da CGT, em lugares como Le Havre e Marselha têm sido muito proativas, organizando grandes assembleias gerais de trabalhadores de diferentes setores para coordenar a ação conjunta.

O porto de Le Havre foi bloqueado por trabalhadores afiliados à CGT desde a semana passada. “Não há nenhuma atividade portuária. Toda a área industrial está fechada“, informou a Agence France. O secretário local da CGT disse que o anúncio do primeiro-ministro foi uma provocação que apenas “aumentou a mobilização“.

As portas de acesso ao Grande Porto Marítimo de Marselha também foram bloqueadas na última quinta-feira (12). “Deixamos os passageiros sair de uma balsa nesta quinta-feira de manhã, mas, caso contrário, não há atividade, ninguém entra ou sai e o bloqueio continuará o dia todo“, disse Pascal Galéoté, secretário geral local da CGT. O porto comercial de La Rochelle também foi afetado, com trabalhadores formando piquetes para impedir a entrada ou saída de caminhões e trens de carga.

Em Versalhes, uma declaração conjunta das Associações CGT de trabalhadores de ferrovias, transportes, energia e produtos químicos prometeu solenemente ações conjuntas durante e após o Natal, sem qualquer alívio até o governo recuar na reforma da previdência. Fiel à sua palavra, na véspera da greve interprofissional, os piquetes compostos por trabalhadores dos correios, professores e trabalhadores da energia bloquearam a estação de ônibus de St. Quentin e realizaram uma assembléia geral local, ao lado de um delegado representando os trabalhadores da RATP, para se preparar para a ação de ontem .

Assim como a luta contra o imposto sobre combustíveis que provocou os gilets jaunes em 2018, a batalha contra a reforma previdenciária está trazendo à tona todas as queixas dos cidadãos franceses. Na segunda-feira, uma carta aberta de 600 médicos disse que os cortes no financiamento levaram o sistema de saúde francês à beira do colapso. “Os hospitais públicos da França estão morrendo“, dizia o texto. Esses trabalhadores ameaçavam demitir-se em massa, a menos que mais recursos fossem alocados ao serviço de saúde. Enfermeiras e médicos foram uma presença visível durante as manifestações de ontem.

O pavor do governo antes da greve da terça-feira (10) foi exacerbado por um escândalo em suas próprias fileiras. Na segunda-feira, o chefe das pensões de Macron, Jean-Paul Delevoye, foi forçado a se defender de acusações de corrupção, depois de não declarar mais de € 120 mil recebidos do setor privado, enquanto ganhava um salário do governo. Foi um golpe humilhante para o governo, mas o pior ainda estava por vir.

O substituto de Delevoye, Laurent Pietraszewski, ocupou o cargo de gerente de recursos humanos da Auchan France (uma grande empresa de varejo) até 2017. Em seu antigo emprego, ganhou notoriedade por demitir um operador de caixa (e representante do sindicato CFDT) que cometeu um erro de escrituração de € 0,80. Parece que Macron decidiu substituir Fagin por Ebeneezer Scrooge! [Ebeneezer Scrooge, personagem de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, notável por sua desmedida frieza, além de ser ganancioso e avarento – NDT]. Também foi relatado que Pietraszewski manteve sua posição em Auchan por dois meses depois de ser eleito deputado, reivindicando um salário adicional de € 71 mil além do salário do Estado. Essa farsa intensificou a indignação das massas contra o governo dos ricos de Macron, levando-as às ruas ontem.

Poder da classe trabalhadora

Quando chegou o dia da greve, os ativistas da CGT da RTE (a operadora da rede elétrica) deram uma prova do poder da classe trabalhadora organizada, cortando a energia para 100 mil residências e escritórios em todo o país. Houve apagões direcionados por trabalhadores da eletricidade em Lyon e Bordeaux, o que interrompeu o trabalho e as viagens. Francis Casanova, ativista da CGT na RTE, disse que o governo deveria “tomar isso como um primeiro aviso” e ameaçou “cortes mais massivos“. Em resposta às acusações do governo e da imprensa de que essa ação foi intempestiva, ele respondeu:

“Não consideramos isso rancor, mas uma maneira de a equipe da RTE mostrar que, se há eletricidade neste país, é porque eles vão trabalhar todos os dias”.

Como um sábio marxista disse uma vez, nem uma roda gira, nem uma lâmpada acende e nem um telefone toca sem a permissão da classe trabalhadora!

Professores de escolas primárias e secundárias (60 e 50% dos quais estão respectivamente em greve) também saíram ontem, significando que muitas escolas foram fechadas. Embora parecesse que os trabalhadores da educação estavam em número um pouco menor do que na semana passada. O transporte público parou quase completamente, enquanto piquetes e apoiadores bloqueavam estradas por toda a França, causando estragos durante toda a manhã.

Houve protestos e greves em 260 locais em todo o país, fato que foi finalmente comunicado claramente pela CGT por meio de seu site, que publicou um mapa da França mostrando onde e quantos de seus membros haviam saído. A participação foi variável em todo o país, mas os protestos na capital foram claramente os maiores de todos os tempos. O metrô mal funcionava e havia enormes colunas de manifestantes durante todo o dia na Place de la République, Place de la Bastille e Place de la Nation. Os manifestantes levantaram slogans pela renúncia de Macron e brandiram cartazes do presidente vestido como Luís XVI, com a legenda “Restauração da monarquia francesa”. Macron talvez devesse tomar nota do destino do rei Luís nas mãos do povo.

Muitos estudantes participaram das manifestações, além de muitos trabalhadores de hospitais, que abandonaram mais de 200 instituições em todo o país. Pontos turísticos como a Torre Eiffel foram fechados e artistas da Ópera de Paris, cujos regimes especiais de pensão enfrentam o machado sob o novo esquema de Macron, se reuniram em frente à Opéra Bastille, oferecendo uma versão incomparável de La Marseillaise. Eles também tocaram “Va, pensiero” (às vezes conhecido como o Coro dos Escravos Hebraicos) da Ópera de Verdi Nabucco: uma canção de resistência contra a tirania opressiva.

Embora a imagem do resto da França tenha sido irregular (a imprensa subestimou deliberadamente a participação), houve grandes manifestações em lugares como Marselha, Lyon e Toulouse. Mas mesmo em cidades pequenas houve greves e protestos significativos. Por exemplo, radiologistas em Nîmes declararam uma greve ilimitada e pelo menos 8 mil manifestantes saíram às ruas em Evreux, 6 mil em Besançon, 2.500 em Montluçon etc.

Criticamente, os trabalhadores do setor privado estão começando a aparecer em maior número, principalmente os petroleiros, os trabalhadores das águas residuais, os estivadores, os químicos e alguns operários de fábricas. Em um desenvolvimento muito significativo, os trabalhadores das refinarias de petróleo organizados pela CGT apresentaram um aviso de greve ilimitada a partir de 17 de dezembro.

Em Angers, trabalhadores de Valeo, Chassis Brakes International, Scania e Eiffage participaram dos protestos. Em Lille, foi relatado que trabalhadores metalúrgicos estavam nas ruas. Em Montluçon, trabalhadores de Dunlop e Amis estavam presentes, além de trabalhadores legais. Enquanto isso, em Besançon, houve greves em várias grandes empresas como Camelin Décolletage Industries, Derichebour, FCI, Maty e Les Francas. E em Bayonne, trabalhadores de Dassault e Safran se juntaram aos protestos.

Não devemos exagerar esses desenvolvimentos: os funcionários públicos ainda constituem a espinha dorsal da greve. No entanto, o envolvimento dos trabalhadores do setor privado permanece crucial para o sucesso da greve e deve ser cultivado e desenvolvido nos próximos dias e semanas por meio de explicações políticas e slogans radicais direcionados ao coração do odiado governo Macron.

A polícia está se tornando cada vez mais agressiva com a greve. Eles foram filmados usando gás lacrimogêneo e bombas contra multidões em todo o país. A selvageria exibida durante o movimento gilets jaunes está começando a ressurgir, com imagens circulando nas mídias sociais, assaltando e espancando a multidão. Um vídeo particularmente perturbador mostra um bandido do CRS em Paris agarrando um manifestante idoso pela garganta e segurando-o contra uma parede, enquanto outra polícia tenta impedir repórteres e manifestantes de filmar o ataque. Os bombeiros continuam demonstrando coragem e disciplina como defensores da greve, marchando à frente dos protestos para proteger o povo da polícia.

Essa crescente agressão por parte das forças estatais é evidência de fraqueza, não de força. Eles esperavam que o movimento começasse a se dissipar agora, mas está se mantendo firme. Durante o auge do movimento dos gilets jaunes, o comportamento cruel das forças do Estado (e especialmente do BAC, Brigada Anti Criminalité) serviu como um chicote da reação para levar as massas adiante. Talvez ciente disso, a polícia tenha mostrado um pouco mais de contenção dessa vez, mas sua paciência está começando a se esgotar. Este é um desenvolvimento perigoso para o governo, dada a profundidade da raiva nas ruas.

Os burocratas dos sindicatos freiam a maré

Até agora, o Estado não mostra sinais de recuo. “Minha determinação, e a do governo e de toda a maioria, são totais“, disse Philippe, apesar de iniciar negociações com os sindicatos hoje em Matignon. Uma declaração conjunta da CGT, FO, CFE-CGC, FSU, Solidaires, UNEF, MNL, FIDL e UNL informou que não haverá “trégua de Natal” até que a reforma das pensões seja revertida. No entanto, não estabeleceu uma data para uma quarta greve interprofissional, ao invés disso, apelou por “greves e manifestações locais, sempre que possível, até o final do ano”.

Este anúncio representa uma dupla traição. Por um lado, os sindicatos disseram anteriormente que não entrariam em negociações sem pré-condições. Bem, o governo estabeleceu a condição de não cancelar a reforma previdenciária, que é o único objetivo declarado dos sindicatos! A intenção de Macron é claramente romper a frente unida dos sindicatos, apoiando-se nos elos mais fracos como a CFTD, oferecendo algumas pequenas modificações. Como escrevemos, Macron reconhece que a questão da reforma previdenciária é existencial: ele apostou na legitimidade de seu regime ao aprová-la. Além disso, ele recebeu um aviso severo da Comissão Europeia para concluir suas “reformas” nas aposentadorias e no mercado de trabalho “o mais tardar até 2020“, a fim de reduzir o déficit financeiro da França. Macron está preso nos dentes de uma crise do capitalismo francês, europeu e mundial. Seus mestres em Bruxelas lhe deram um ultimato. Ele não pode e não vai se render – então ele deve ser completamente jogado fora.

Por outro lado, o mandato da rua é claro: “sem negociações! Abaixo Macron!”. As massas querem ir até o fim. E com a greve começando a se espalhar (para a qual 100% do crédito está com os ativistas no local, e não com os burocratas no topo), os líderes sindicais estão se submetendo às negociações exatamente quando o governo está vulnerável. Eles devem pressionar para ampliar o progresso que os trabalhadores fizeram, para espalhar e fortalecer a greve no setor privado e forçar o governo a recuar. Em vez disso, aceitando conversações e sem definir uma data para uma nova mobilização nacional, eles correm o risco de perder a iniciativa.

Na verdade, esse ataque às aposentadorias foi apenas a gota d’água após uma política de cortes de longa data para a classe trabalhadora e a juventude, enquanto os ricos são ajudados. É necessário que a classe trabalhadora chegue a um confronto final com o regime de Macron. Se sua liderança não puder e não quiser organizar essa luta, os trabalhadores no terreno – por meio de suas assembleias gerais – devem tomar a iniciativa de construir, aprofundar e ampliar a greve para mais e mais setores. Isso pode ser alcançado conectando-se com o clima insurrecional nas ruas e terminando o que os gilets jaunes começaram no ano passado: “Fora Macron!”

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