Resposta da Itália ao coronavírus: medidas indiscriminadas e difusão do medo

O artigo a seguir, publicado originalmente em 26 de fevereiro pela Sinistra Classe Rivoluzione (seção italiana da CMI), critica a resposta do governo italiano à epidemia de coronavírus. Em vez de informar o público e proteger a saúde pública, o governo criou pânico desnecessário, decretou medidas ineficientes e suprimiu os direitos de greve e assembleia pública.

[Source]

O medo do público sobre a disseminação do Covid-19 (coronavírus) é justificado, sobretudo porque o perigo ainda não está totalmente compreendido. Diante de um fenômeno ainda a ser avaliado, é correto ter cautela tanto na vida cotidiana quanto no comportamento social.

No entanto, as medidas adotadas até agora pelo governo e, posteriormente, pelos outros órgãos administrativos, falharam em criar conscientização ou assumir responsabilidades, mas provocaram medo e criaram passividade, ao mesmo tempo em que descarregaram a maioria das consequências de suas medidas sobre os trabalhadores e os pobres.

As contradições dos decretos emitidos são grandes: você pode ir trabalhar, ir ao shopping e, além disso, o conselho é se fechar em casa e “confiar nas autoridades”. Somado a isso está o isolamento, até o momento, de aproximadamente 50 mil pessoas, que foram confinadas aos municípios de maior risco.

Uma resposta eficaz?

Essas medidas são necessárias para conter a infecção? Pode-se razoavelmente duvidar disso. Estudos realizados em epidemias passadas (H1N1, ou “gripe suína” e SARS) mostraram que controles em larga escala (em fronteiras, aeroportos e quarentenas em massa etc.) tiveram um efeito mínimo, desviando recursos preciosos para medidas ineficazes.

Isso é ainda mais verdadeiro no presente caso, quando está claro que pacientes “assintomáticos” ainda podem transmitir o vírus. Controles e isolamento podem, sem dúvida, ser eficazes se usados de maneira direcionada para aqueles que foram realmente expostos a um risco específico de contágio.

Pior ainda é o alarmismo espalhado pela mídia e pelos virologistas dos talk shows. A comparação do coronavírus com a “gripe espanhola” está muito além de um alarme razoável. A gripe espanhola vitimou dezenas de milhões de pessoas em uma Europa que estava saindo de uma guerra mundial, com a população enfraquecida pela fome e pelas doenças, afetou milhões de soldados que passaram anos nas trincheiras, em uma época em que os serviços nacionais de saúde não existiam. O que isso tem a ver com a situação atual?

Além disso, a alta taxa de mortalidade (2,3% dos casos, cerca de 20 vezes mais que a gripe normal) precisa ser contextualizada, pois envolve desproporcionalmente pacientes idosos e pessoas com outras patologias, e também se refere à fase inicial da epidemia em que a natureza do perigo não era conhecida, nem as medidas necessárias que precisavam ser tomadas.

Não é por acaso que, na China, a mortalidade foi de 2,9% na província de Hubei, a primeira e mais afetada, enquanto caiu para 0,4% nas demais províncias, atingidas posteriormente.

Isso não significa minimizar ou banalizar o perigo, reduzindo-o a uma estatística abstrata, pelo contrário: nós nos protegemos antes de tudo com consciência. Aqui, no entanto, a mensagem é o oposto: você deve ter medo e lidar sozinho com o perigo.

Você tem filhos pequenos e a escola está fechada? Seu problema. Você é um trabalhador precário (por exemplo, os milhares de educadores que dão suporte às escolas)? Fique em casa sem salário. Em Milão, os bares estão fechados… das 18h às 6h. Vá para o trabalho, é da sua conta se você for infectado, mas você não pode ir à cantina.

Você pode ir à fábrica, ficar na fila do supermercado, dirigir um ônibus e fazer entregas pela cidade, mas a corrida de cross-country organizada pelo clube esportivo da cidade é reprimida pelas autoridades locais.

Os decretos emitidos contêm centenas dessas contradições absurdas e revoltantes.

Na realidade, o isolamento de países e comunidades inteiras facilita a disseminação do contágio, e não o contrário. Um caso extremo é o do cruzeiro japonês Diamond Princess, onde a quarentena teve o efeito de, dos 3.700 passageiros e tripulantes, tornar cerca de 690 doentes. Somente após semanas de controvérsias e confrontos tornou-se claro que o isolamento, na medida do necessário, tinha que ser feito em terra seca, diferenciando as situações de forma individualizada.

A proibição de assembleias

O governo perseguiu objetivamente a Liga[1] ao desenvolver sua resposta para a emergência. A manobra teve um certo sucesso superficial – a ponto de que Salvini, sem saber mais o que dizer, sugeriu o fechamento das fronteiras francesas. Talvez tomado pelo entusiasmo, o governo tentou banir qualquer manifestação pública: ao ar livre ou em espaços fechados. Eles também fizeram um “convite” (leia-se: ordem) para suspender todas as greves e manifestações políticas até 31 de março.

Então, trabalhadores da Whirlpool cuja fábrica está sendo fechada; funcionários da Air Italy ou Auchan que foram demitidos; professores e funcionários da escola sem contrato devem ficar em silêncio e não protestar! Vá ao shopping para encher seu carrinho com conservas e, em seguida, feche em casa e assista à lista de infecções e apresentadores de notícias com máscaras na TV.

É escandaloso que os líderes sindicais tenham aceitado essas medidas e até tenham suspendido assembleias de todos os tipos nos locais de trabalho.

E falando em sindicatos e trabalhadores: agora todos estão se apressando em dizer quão heroicos os profissionais de saúde da linha de frente têm enfrentado essa emergência, que tomaram turnos duplos e se expuseram ao contágio. Ninguém, ou quase ninguém, no entanto, lembra que os contratos nacionais desses trabalhadores expiraram há 18 meses. Após 30 anos de corporativização[2], o Serviço Nacional de Saúde foi sistematicamente comprometido, causando fechamento e fusão de estruturas (incluindo unidades de terapia intensiva); cortando leitos e desmantelando serviços territoriais e de prevenção. Regionalização e corporativização significam menor coordenação entre territórios e estruturas, às custas da saúde dos cidadãos e das condições dos trabalhadores. As estruturas privadas, que foram engordadas por essas políticas, até agora nem sequer levantaram um dedo para contribuir com os esforços contra a epidemia.

Em vez de rastejar diante das medidas do governo, os sindicatos devem agir para proteger os trabalhadores e impedir que o custo dessa emergência seja repassado a eles. Em particular, eles devem exigir:

  • Redes de seguridade social para todos aqueles que são obrigados a perder dias de trabalho, tanto para o fechamento dos locais de trabalho em que estão empregados (como cinemas, serviços de catering etc.) quanto para outras consequências de decretos governamentais, como restrições nas escolas, instalações de atendimento etc., que obrigam as pessoas comuns a cuidar de menores, idosos, deficientes etc., sem poder acessar serviços públicos;
  • Acesso a redes de seguridade social também para trabalhadores precários que ficam em casa como resultado da suspensão de certas atividades;
  • Alívio da carga excessiva de trabalho nos serviços públicos, por parte dos acionistas e proprietários de estruturas de saúde privadas, sem compensação financeira;
  • Um novo contrato nacional para o pessoal de saúde com condições apropriadas;
  • O custeio de fornecimento de dispositivos de proteção, treinamento em saúde e outras medidas de precaução tomadas pelos locais de trabalho deve ser inteiramente arcado pelos chefes e introduzido sob o controle da RSU e da RSL (comitês de comissários de bordo);
  • Abaixo a proibição de quaisquer atividades políticas e sindicais (assembleias, etc.).

Exceções só podem ser discutidas com os próprios trabalhadores em casos específicos em que a necessidade é avaliada e justificada.

Não aceitamos que, em nome da emergência, o ônus seja compartilhado igualmente, enquanto o governo garante que os patrões possam continuar a obter lucros, transferindo todos os custos para a classe trabalhadora!

Notas:

[1]A Liga, anteriormente conhecida como Liga Norte, é um partido político de extrema-direita, fundado em 1991, após a unificação de vários pequenos partidos autonomistas e regionalistas. No passado, o partido reivindicava a independência do norte da Itália. Essa reivindicação foi abandonada, assim como a palavra Norte no nome, devido à necessidade de conquistar votos no sul.

[2]Trata-se de um processo semelhante às parcerias público-privadas (PPP) aqui no Brasil.

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