Porto Rico: a classe trabalhadora pode derrotar La Junta

Depois de dez dias de protestos tempestuosos e de uma greve geral que paralisou toda ilha, o odiado governador de Porto Rico, Rosselló, foi forçado a renunciar. Enquanto isso as palavras de ordem nas ruas estavam dizendo: “Não renunciou, o povo o expulsou”. Esta é a primeira e mais significativa vitória do movimento de massas, que agora quer derrubar a própria La Junta.

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A derrota de Rosselló pelo movimento de massa nas ruas é um desenvolvimento extremamente significativo. Com isso, Porto Rico se incorpora às fileiras das revoltas em massa que testemunhamos nos anos recentes em todo o mundo. Também terá impacto nos EUA. A conclusão óbvia é: para eliminar Trump, do que se necessita é de um movimento de massa nas ruas e de uma greve geral.

Em 22 de julho, a jornalista da CNN, Leyla Santiago, tuitou uma foto de um contêiner verde-marinho no reboque de um caminhão semipesado de dezoito rodas. Mais caminhões permaneciam estacionados por trás do contêiner enquanto trabalhadores agitavam a bandeira de Porto Rico cercando os veículos e fechando as principais rodovias da capital. Santiago legendou sua foto: “O contêiner aparece. Os manifestantes dizem que estava pronto para ser enviado ao governador”. Outro jornalista da CNN entrevistou a manifestante Leishka Flores, que explicou: “Estamos cansados do abuso, de tantos anos de corrupção. Estamos aqui para fazer uma revolução”.

Os últimos dias desabaram como uma avalanche sobre as ambições políticas do Governador Ricardo Rosselló. O poder da classe trabalhadora deixou o Mr. Ricky de joelhos.

Mr. Ricky expulso pelas massas

Rosselló, como os que o precederam, dificilmente pode ser acusado de fugir de suas responsabilidades como governador do Estado Livre Associado de Porto Rico. Ocupou-se, de forma diligente, do funcionamento imprescindível desse “território não-incorporado” dos EUA, no caso, a transferência cotidiana de riqueza dos trabalhadores e pobres boricuas aos reais amos da ilha – seus credores e a monstruosa criatura do imperialismo EUA que eles personificam.

Nos termos de suas responsabilidades, Rosselló fala no idioma e dialeto de seus eleitores, isto é, no idioma dos capitalistas que saqueiam a ilha e roubam as salas de aula das crianças. Como ficou revelado no recente vazamento de mensagens entre Rosselló e seu círculo íntimo, esse é o idioma da intolerância desprezível, da corrupção descarada, das fantasias de violência e do puro desprezo pelas vítimas da austeridade. Nos registros do chat, seu czar financeiro descreveu o sindicato dos professores como “terrorista” e disse que estava “salivando” para atirar em seu líder. Rosselló respondeu que este seria um “favor” para ele. Durante o pesadelo do Furacão Maria, Rosselló fez piadas sobre os mortos e descreveu seus corpos como carniça.

A resposta fez a terra tremer. Estima-se que meio milhão de manifestantes inundaram as ruas de San Juan e cercaram a mansão La Fortaleza em formação cerrada. Enquanto os manifestantes lançavam fogos de artifício e atiravam garrafas e latas vazias na mansão do governador, a polícia atirou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha a curta distância antes de perseguir e agredir os manifestantes. Menos de 350.000 pessoas são moradores de San Juan, e em uma ilha com um pouco mais de três milhões de habitantes, os participantes da Marcha del Pueblo, na cidade, somavam mais de um sexto de toda a população de Porto Rico. Abriram um novo capítulo na história.

Em 24 de julho, Rosselló anunciou a sua renúncia, após o que foi, em muitos aspectos, uma greve geral política. A ação de 22 de julho seria a maior greve geral e um dos maiores protestos na história dos EUA. Em vez de uma greve geral saindo dos locais de trabalho, esta foi uma paralização nacional espontânea afetando todos os setores da sociedade, sem nenhuma liderança clara da classe trabalhadora, tanto por parte dos trabalhadores organizados quanto por parte de um partido da classe trabalhadora.

Há muitos paralelos com a greve feminista de 2018, na Espanha. Na Espanha, a ação foi convocada pelas organizações feministas e algumas até mesmo argumentaram que os homens não deveriam participar. Felizmente, os trabalhadores homens se juntaram às suas irmãs nas ruas e a classe trabalhadora deixou um olho roxo na cara do primeiro ministro Rajoy, que se demitiu meses depois. Tanto na Espanha quanto em Porto Rico, as greves gerais com demandas políticas e econômicas transformaram o país, mas não foram consideradas como greves gerais. Na Espanha, alguns sindicatos convocaram oficialmente uma greve geral para dar cobertura legal à ação dos participantes. Em Porto Rico, no entanto, dados o ritmo e a escala dos acontecimentos, não se tornou necessária nenhuma cobertura legal, uma vez que as organizações dos trabalhadores não conseguiram acompanhar os eventos e não desempenharam nenhum papel de liderança.

A pressão e a energia do movimento de massa criaram um vácuo e se necessita de uma liderança. Nesse contexto, a organização Colectiva Feminista en Construcción (CFC) deu um passo a frente para convocar as manifestações. Quando o escândalo da mensagem irrompeu, Rosselló estava de férias na Europa. Ele correu de volta para casa para ser recebido no aeroporto pelos manifestantes da CFC. Ironicamente, Rosselló havia ridicularizado um membro da CFC com uma provocação chauvinista em suas mensagens agora públicas.

Formada em 2014, a CFC se tornou conhecida por seus esforços de ajuda mútua depois dos furacões de 2017. O manifesto da CFC descreve uma missão de “radicalizar a luta e a ação política contra a Junta [PROMESA] e suas políticas de austeridade”. Propôs uma “greve geral” para negociar com os credores, citando a greve geral de 2009 do Caribe francês como exemplo. O manifesto exigiu uma série de reformas nas áreas da saúde, educação, direitos trabalhistas, representação sindical, meio-ambiente etc. O manifesto também levantou a demanda de “autodeterminação e descolonização” de Porto Rico.

Graças a sua influência nos protestos, a CFC recebeu mais cobertura da mídia inglesa de notícias do que qualquer outra organização. Nesse contexto, é significativo que a CFC se oponha publicamente ao capitalismo. Assim como a mídia não se refere à Marcha como uma greve geral, não é surpresa que a CFC se declare contra o capitalismo e o colonialismo na primeira seção de suas páginas web.

Lamentavelmente, a CFC não mencionou sua posição contra o capitalismo ou sobre o direito de autodeterminação em suas declarações e postagens recentes nas redes sociais. Cabe destacar que a CFC mencionou o capitalismo pela última vez em Facebook em 8 de julho, pouco antes do início do movimento. Esses tópicos também estão ausentes em suas entrevistas ao New York Times e NPR.

No início de tais movimentos, as massas sabem contra o que estão lutando – Rosselló, La Junta, austeridade etc. – mas ainda não têm uma ideia clara do objetivo pelo qual lutam. No entanto, a militância dos trabalhadores não deve ser subestimada, apesar da aparência ampla e multiclassista da superfície do movimento. Camisetas populares retratam uma mão com a bandeira de Porto Rico e um Rosselló decapitado. A canção viral de Residente, Bad Bunny e iLe começa com “Chegou a hora de um combo de milhares em motos / Patrulhando durante as vinte e quatro horas, boricuas de coração / com o punho erguido, na direção da conquista”. Continua: “Toco fogo na mansão do governador como se deve fazer / E no dia seguinte vou à igreja para que me perdoem”.

Os slogans do movimento são de longo alcance e, de certa forma, estão a frente das demandas da CFC e outras organizações: “Ricky, renuncie e leve a junta!”; “Onde está Ricky? Ricky não está aqui. Ricky está vendendo o que resta do país”; e, o que é mais significativo: “A dívida é ilegal, não vamos pagar!”

Situação pré-revolucionária sendo preparada

Uma situação pré-revolucionária está se preparando na ilha – o que significa que há muito pouco tempo para os sindicatos e para os socialistas acompanhar os acontecimentos e ficar a frente deles. Em revoltas como essa, a principal força das massas é sua espontaneidade. Nenhuma barreira policial pode bloquear seu caminho e o regime enfrenta um inimigo que pode estar em todos os lugares em todos os momentos. Mas muito rapidamente a espontaneidade da revolta se transforma em sua enorme fraqueza, e o regime aproveita o impasse para manobrar, como La Junta está fazendo agora.

La Junta se refere ao conselho de PROMESA, criado sob Obama em 2016 para administrar tecnocraticamente uma “doutrina de choque” de pilhagem e austeridade para pagar aos credores de Porto Rico. Wanda Vázquez, que é constitucionalmente designada para se tornar Governadora após a renúncia de Rosselló, anunciou via Twitter sua decisão de não aceitar o cargo. Em vez disso, ela propõe que Rosselló designe um novo sucessor ele próprio. No entanto, um sucessor designado por Rosselló terá ainda menos legitimidade do que Vázquez, que já é impopular.

Muitos esquemas serão preparados em Washington e San Juan para desorientar as massas, mas a classe dominante tem uma perspectiva clara, como expressou recente editorial de Washington Post: “A imposição agressiva da lei é um antídoto eficaz para erradicar a corrupção… Um conselho federal de supervisão foi criado pelo Congresso em 2016 para ajudar a gerenciar a recuperação de Porto Rico de sua crise da dívida, mas sua eficácia foi dificultada. Não só ficou circunscrito às batalhas com as autoridades locais, que resistiram as suas reformas, como também não tem autoridade para garantir mudanças operacionais. O Congresso deve tomar medidas para fortalecer o conselho. Um bom modelo é o conselho de controle fiscal de D.C., criado na década de 1990, que tomou as decisões difíceis e efetuou as mudanças estruturais que ajudaram a colocar a cidade em uma base fiscal firme”.

O membro de La Junta, David Skeel Jr., é um guerreiro legalista experimentado em políticas de austeridade em Flint, Detroit, e em Atlantic City. Em um artigo de 2016, do qual ele é coautor, se lê:

“A profunda angústia financeira é emblemática do fracasso dos processos democráticos de uma cidade. O deslocamento desses processos em um esforço para restaurar a estabilidade financeira que uma democracia que funciona bem perseguiria, provavelmente é muito menos problemático do que poderia ser com uma cidade que já está fornecendo os bens públicos locais para os quais as localidades são criadas para fornecer”.

Ao mesmo tempo, o judiciário dos EUA impôs uma moratória de 120 dias em litígios relacionados à dívida de Porto Rico, que causariam “o caos que estou tentando conter”, como explicou o juiz. Isso foi bem recebido por todos as partes legais. De acordo com Bloomberg, o advogado que representa La Junta “disse que os ‘acontecimentos recentes’ na ilha não mudaram as posições legais do conselho”.

O objetivo dessa manobra é claro, como Bloomberg assinala:

“Os problemas políticos poderiam criar uma oportunidade para o conselho de supervisão federal consolidar o poder e impor medidas de corte orçamentário mais profundas como parte da bancarrota de mais de dois anos. A crise pode minar a oposição aos cortes impopulares exigidos pelo conselho, reforçando a visão de que o governo é ineficiente e cheio de gastos excessivos, liberando potencialmente mais dinheiro para os credores”.

Os imperialistas já estimaram quanto tempo as massas lhes darão problemas: mais ou menos dois meses, e depois mais algumas outras semanas até que as coisas voltem ao normal. Mas 120 dias é muito tempo nessas condições. Claramente, as demandas do movimento #RickyRenuncia não podem ser alcançadas sob o capitalismo. A dívida não será anulada. A ilha não verá a reversão da austeridade com reformas que abordem os problemas sociais das pessoas. Porto Rico não se beneficiará de nenhuma provisão básica para se preparar contra furacões futuros como Irma e Maria, cada vez mais severos e frequentes graças à mudança climática. E assim não haverá solução para o status de Porto Rico como “território” (leia-se colônia) dos EUA. A corrupção dos gangsteres da burguesia compradora local e a opressão das mulheres, das pessoas LGBT, dos não-brancos etc., também continuarão inabaláveis.

Que caminho seguir?

Ao se discutir o programa que se deve avançar no movimento, vale a pena olhar para o Movimento Socialista de Trabalhadoras e Trabalhadores (MST), que pede socialismo, revolução e um Porto Rico independente. O MST participou nas ruas e lutou contra o regime junto a sua classe, defendendo a militância do movimento e seu direito de autodefesa e explicando a necessidade de “derrubar a ditadura do capital”. O MST exorta as massas a confiarem em sua própria força e militância para avançar na luta.

Dizemos isso aos camaradas do MST: a história proporciona muitos exemplos de situações revolucionárias nas quais pequenos grupos podem explodir em tamanho e desempenhar um papel decisivo. É urgente e vital apresentar suas palavras de ordem no movimento e levantar bem alto a bandeira do socialismo revolucionário. Não deve haver barreiras entre um “programa mínimo” para as lutas do dia-a-dia e os objetivos “máximos” do socialismo, a derrota do imperialismo etc.

O MST exige que o processo criminal de Rosselló e uma emergência nacional sejam declarados para deter a violência contra as mulheres. O CFC também exige que seja declarada uma emergência nacional. Temos objeções fraternas a essas formulações. Quem presidirá o processo criminal e sob que jurisdição? Sob cuja autoridade uma emergência nacional seria declarada? O estado capitalista de Porto Rico é incapaz de processar Rosselló de forma significativa ou de combater a violência misógina endêmica do capitalismo. Nenhuma porta deve ficar aberta para os demagogos burgueses explorarem a situação e manobrarem as forças representativas do estado para “combater a corrupção” ou “combater o machismo”, o que seria uma mentira e uma farsa perigosa. Basta olhar para a farsa do “processo” de Hosni Mubarak. Somente um estado dos trabalhadores pode governar no interesse da maioria.

A responsabilidade que recai sobre nossos ombros é a de explicar a nossa classe a necessidade de combater a violência chauvinista com os métodos revolucionários da classe trabalhadora e da transformação socialista da sociedade. Devemos estabelecer claramente as conexões intrínsecas entre o sistema capitalista, a misoginia, o racismo e o colonialismo – e isso deve ser afirmado, não apenas no abstrato, mas de forma concreta. A tarefa dos socialistas é orientar as massas e, de forma positiva, levantar as demandas transicionais para conectar imediatamente suas condições a uma perspectiva revolucionária.

A CFC exige uma auditoria da dívida e da “gestão pública”, isto é, uma reversão de PROMESA. O MST é mais claro ao exigir o fim das privatizações, dos impostos regressivos e das negociações com La Junta sobre o pagamento da dívida. No entanto, são necessárias propostas concretas de como deter a austeridade e o pagamento da dívida. O movimento dos trabalhadores deve lutar pela anulação imediata da dívida acumulada durante décadas de austeridade rigorosa. Todas as portas devem ficar fechadas para qualquer “solução” da dívida partir do PNP ou do PPD e seu estado capitalista colonial. Deve-se implementar um amplo programa de reformas transformadoras nas condições de trabalho, educação, cuidados de saúde, habitação etc., pagas pelos cofres de Wall Street, para desfazer os danos produzidos pela austeridade.

No entanto, não há solução para os problemas do povo de Porto Rico dentro dos limites da ilha. Enquanto Porto Rico permanecer como uma colônia dos EUS, não haverá esperança de mitigar a austeridade, a corrupção, o opressão e o chauvinismo.

Um estado operário em Porto Rico encontraria amigos entre as massas do Haiti, que experimentaram um levantamento revolucionário nos meses recentes. As massas cubanas também responderiam com entusiasmo, visto que têm todo o interesse em deter as “reformas” mercantis que atualmente inundam Cuba. Somente Cuba resistiu com êxito a décadas de invasão imperialista, outra pequena ilha que era, no geral, uma propriedade dos generais e dos empresários criminosos de Nova Iorque, Washington e Miami. Os imperialistas não esqueceram da Baia dos Porcos e nós não devemos esquecer também.

Um novo capítulo para Porto Rico!

Em última análise, um movimento revolucionário na ilha necessitaria ser espalhado por toda a região para garantir que suas conquistas não sejam revertidas. Um apelo de classe pode ser lançado oferecendo uma visão da atenção médica universal, da educação gratuita desde o berço ao túmulo, uma semana de trabalho de 20 horas sem perda salarial, e muito mais. No Bronx, em Chicago, em Miami e em outros lugares, os trabalhadores boricuas têm um papel fundamental a desempenhar na revolução no próprio continente. Hoje o socialismo tem uma popularidade sem precedentes nos EUA. Em 2018, os professores de Porto Rico pressagiaram uma onda de greves de professores nos EUA. Da mesma forma, os trabalhadores boricuas podem colocar a revolução socialista na agenda no próprio ventre da besta.

As manobras de La Junta são claras como a luz do dia e as massas apenas começaram a se mover. Um novo capítulo está aberto, mas só as primeiras linhas foram escritas. Por sua própria iniciativa, os trabalhadores comuns colocaram um “antes” e um “depois” na história da ilha, e eles estão preparados para combater o sucessor de Rosselló, os credores, La Junta e o próprio sistema capitalista.

Os sindicatos devem se mobilizar para uma greve geral total até que a dívida seja anulada. Devem ser organizados comitês de luta em todos os bairros, escolas e locais de trabalho, e estes devem estar conectados por uma rede de delegados eleitos de toda a ilha, para dar ao movimento uma liderança democrática responsável perante as massas. Essas assembleias massivas podem organizar a defesa da Marcha contra as balas, os cassetetes e as bombas de gás lacrimogênio – uma ofensa a um é uma ofensa a todos!

Os candidatos trabalhistas independentes podem expulsar o PNP e o PPD – os comparsas da dívida. Apoiados por greves, manifestações em massa e ocupações, os comitês de luta poderiam formar a espinha dorsal de um Porto Rico socialista. A classe trabalhadora pode derrubar La Junta, desde que encontre uma liderança que esteja à altura da energia e das aspirações do movimento.

Os trabalhadores dos EUA devem acompanhar de perto os acontecimentos em Porto Rico, organizar reuniões e manifestações de solidariedade e levar a batalha aos nossos próprios Ricky Rosselós, para derrubar La Junta das empresas de Fortune 500 e Wall Street.

Por uma greve geral total para derrotar La Junta e seus cúmplices!

A classe trabalhadora só pode confiar em suas próprias forças!

Formar comitês revolucionários de luta conectados em toda a ilha!

Pela anulação imediata da dívida e por um programa de reformas sociais para reverter décadas de austeridade!

Por uma Federação Socialista das Américas – eliminem os capitalistas e imperialistas de San Juan a Manhattan!