Para conquistar a república catalã é preciso fazer a revolução

Um ano depois do 1º de outubro é hora de se fazer um balanço. Depois daqueles combates históricos, dos esforços heroicos do povo catalão na luta por seus direitos e liberdades, onde nos encontramos atualmente?

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A situação não é muito promissora, pelo contrário, dentro do campo republicano predomina a desmoralização e a confusão. A repressão do Estado não diminuiu apesar da queda de Rajoy. Os conselheiros do antigo governo (exceto Santi Vila) permanecem prisioneiros no exílio aguardando julgamento. A abordagem dos encarcerados na Catalunha pelo governo de Pedro Sánchez não passa de uma migalha. A repressão do Estado espanhol caiu sobre dezenas de ativistas que enfrentam multas e penas de prisão. O que é ainda pior, os partidos unionistas, sobretudo Ciudadanos, continuaram sua campanha de ódio para dividir a população catalã em linhas nacionais, incitando a violência e gerando um terreno fértil para os pequenos grupos fascistas.

No entanto, as dificuldades do independentismo não se devem exclusivamente à repressão. Também temos que ajustar contas com os dirigentes do movimento. O certo é que PDECAT e ERC capitularam sistematicamente diante das chantagens do Estado. O governo de Quim Torra é autonômico e, de fato, tem menos competências e liberdades do que desfrutava a Generalitat há um ano. Repetidamente, o PDECAT e ERC usaram a repressão para justificar suas falhas. Mas temos que perguntar: sua atitude covarde ajudou de alguma forma aos presos e exilados? Não, na realidade foi totalmente contraproducente. Somente alentou ao Estado, visto que a debilidade convida à agressão. Hoje, a retórica republicana de Torra e seus Consellers é a demagogia pesada, mentirosa e patética de um governo derrotado, atemorizado e ajoelhado diante do Estado, sem nenhuma perspectiva ou ânimo de luta, tratando de se agarrar à poltrona.

O panorama atual parece sombrio. Devemos ser honestos: nessas condições é impossível materializar a república imediatamente. Apesar disso, os acontecimentos de 2017 não terão acontecido em vão se a militância republicana aprender as lições. Que conclusão tirar de tudo o que se passou? Que, no Estado espanhol, o direito à autodeterminação é uma tarefa revolucionária. Enfrentamos não somente um Estado autoritário e irremediavelmente hostil à liberdade dos povos, como também o sistema capitalista e imperialista onde se sustenta, como vimos na campanha de terrorismo econômico dos grandes empresários catalães e espanhóis e na atitude cínica da União Europeia e da “comunidade internacional”.

Uma tarefa revolucionária necessita de uma direção revolucionária. Não pode ser realizada por partidos de matiz reformista e pequeno-burguês como o PDECAT ou ERC. E uma luta revolucionária necessita também entusiasmar e mobilizar uma maioria decisiva da população, fundamentalmente a classe social mais revolucionária da sociedade, a classe trabalhadora. Portanto, é necessário reconstruir a direção republicana, movendo seu eixo político para a esquerda e seu eixo social para a classe trabalhadora. Como fazê-lo?

O campo republicano encontra-se rarefeito, muita gente está decepcionada. Para acabar com essa desagregação há que se construir um polo de atração que dê confiança ao nosso movimento e o entusiasme com uma visão, um programa e um roteiro claros. Em nossa opinião, essa tarefa corresponde aos Comitês de Defesa da Catalunha (CDR), devido a sua amplitude, combatividade e merecida autoridade política. É certo que atualmente os CDR perderam parte de sua força e energia, vítimas do ambiente geral de refluxo. Em muitos lugares caíram na rotina e no localismo desmoralizante que os esvaziou. Essas dificuldades não podem ser superadas simplesmente com a vontade, com as ações radicais de pequenas minorias: é preciso encontrar uma solução política. Há que se reviver os comitês, centralizando-os e armando-os politicamente. Necessitamos nos encontrar, refletir, debater, clarificar.

Uma conferência nacional dos CDR, com delegados eleitos em cada comitê, debatendo e votando documentos e elegendo uma direção nacional com um mandato democrático que dê uma identidade comum ao movimento, ajudaria a superar a fragmentação e confusão que existe. A condição para isso, contudo, tem que ser a total independência e a máxima desconfiança em relação ao bloco PDECAT-ERC. Os CDR devem ver sua tarefa não como uma pressão sobre a Generalitat, mas como uma alternativa a ela. Fortalecidos e centralizados política e organizativamente, os CDR poderiam voltar a crescer rapidamente no calor dos acontecimentos. Muitos republicanos buscam respostas e alternativas e poderiam encontrá-las nos CDR. Nesse sentido, a CUP, o partido republicano mais consequente, tem um papel importante a desempenhar. Sua militância (e a esquerda independentista em geral) foi muito ativa nos Comitês e em muitos lugares os construíram e dirigiram, adquirindo uma grande autoridade. A CUP não deveria hesitar na hora de aportar sua visão, suas palavras de ordem e perspectivas aos CDR, realizando não só um trabalho organizativo como também político, ganhando simultaneamente os melhores ativistas republicanos para suas fileiras, desdobrando orgulhosamente suas bandeiras.

No entanto, a tarefa de reconfigurar e de unir o campo republicano em torno de uma nova direção não é o desafio maior que precisamos enfrentar. É necessário combater a divisão, que está se abrindo sob linhas nacionais no seio da classe trabalhadora catalã em grande medida devido ao veneno de Ciudadanos. Isso só pode ser feito com uma política de classe. Segundo Adecco, o salário médio na Catalunha perdeu 400 euros desde 2016, isto é, em plena recuperação. Simultaneamente, o número de milionários catalães aumentou em 577, entre 2015 e 2016. A exploração e a desigualdade atuais não têm precedentes. Se toda a frustração acumulada depois de 10 anos de crise for canalizada em mobilizações de massa, o Estado está acabado. De fato, há que se entender o significado de classe da política dos líderes de Ciudadanos, Albert Rivera, e do Partido Popular, Pablo Casado. A injustiça social em todo o país é de tal ordem que os privilégios obscenos dos capitalistas só podem ser mantidos dividindo os explorados ao longo de linhas raciais e, de fato, nacionais.

É prioritário ligar a autodeterminação nacional aos direitos sociais, explicando que o Estado que reprime o independentismo é o mesmo que corta direitos e serviços públicos, que a “Espanha” não pertence aos que desfraldam “a rojigualda” nos balcões, mas aos oligarcas do IBEX-35. A CUP explicou isso muito bem com seus decretos da dignidade. O problema é que a CUP continua sendo um partido minoritário. Além disso, a CUP, infelizmente, se comprometeu bastante com a aprovação dos anteriores orçamentos de austeridade e ainda paga o preço. A verdade é que a maioria dos trabalhadores com identidade nacional espanhola associa o independentismo com Quim Torra & Cia, isso é, com um nacionalismo identitário que no âmbito social não se diferencia de Ciudadanos. Isso torna ainda mais necessário construir um novo baluarte republicano em torno dos CDR que rompa radicalmente com o bloco PDECAT-ERC e se arme com um programa nitidamente social e de classe, um programa socialista.

Mas a divisão nacional dos trabalhadores catalães não pode ser superada somente com uma política de classe. O internacionalismo é igualmente importante. É prioritário construir pontes com a luta de classes e com a esquerda combativa em todo o Estado. Isso nos aproximaria de nossos aliados naturais, a classe trabalhadora e a juventude do restante da Península, ajudando-nos a superar a desconfiança que a direita espanhola semeia na Catalunha e a minar o regime a partir de dentro.

O mais importante é que uma política internacionalista ativa por parte da CUP e dos CDR mandaria uma mensagem aos trabalhadores na Catalunha que se sentem espanhóis, fazendo-os ver, não com palavras, mas com fatos, que o republicanismo catalão rejeita o nacionalismo excludente e busca relações fraternas e estreitas com nossos irmãos e irmãs de classe fora da Catalunha. A turnê pelo Estado espanhol, realizada pelo deputado da CUP, Vidal Aragonés, e a delegação dos CDR a Madri em 14 de abril, são passos na boa direção, mas ainda insuficientes. Devemos desafiar abertamente a esquerda militante espanhola a estabelecer uma frente comum contra o regime de 1978. Pode-se começar com a CUP e os CDR avançando a palavra de ordem de uma manifestação em Madri contra a repressão e a onda neofranquista.

O ambiente de calma superficial que há em todo o Estado é uma miragem, produzida pela previsível passividade do PSOE e pelo seguidismo e inação de Unidos Podemos. Mas sob a superfície acumulam-se as contradições, a indignação contra a precariedade, a exploração, a desigualdade e o asco com o caráter reacionário do Estado. A Greve Feminista de 8 de março, as marchas dos pensionistas, o movimento de Altsasu, as greves em Amazon ou Ryanair são indícios disso. Temos que nos preparar para futuras explosões e oferecer uma mão amiga desde a Catalunha.

Nenhuma confiança no bloco PDECAT-ERC!

Fortaleçamos a CUP com independência de classe!

Construamos os CDR armados politicamente!

Por uma conferência nacional dos CDR!

Rompamos a divisão nacional com socialismo e internacionalismo!

Construamos pontes com as lutas em todo o Estado!

Para conquistar a república há que se fazer a revolução!