O imperialismo hoje e o caráter da Rússia e da China

Publicamos aqui um documento escrito em 2016 pela liderança da CMI como parte de uma discussão sobre o papel do imperialismo hoje e o caráter da China e da Rússia. Achamos que pode servir para esclarecer questões que foram levantadas em relação à invasão russa da Ucrânia.


Em qualquer discussão de novas questões, é necessário voltar aos fundamentos. O texto de Lenin, Imperialismo, o estágio mais alto do capitalismo, nos fornece o ponto de partida para nossa análise. Nenhum livro jamais explicou melhor os fenômenos do capitalismo moderno do que o Imperialismo de Lênin. Todas as principais previsões dessa obra, relativas à concentração do capital, ao domínio dos bancos e do capital financeiro, ao crescente antagonismo entre os Estados-nação e à inevitabilidade da guerra decorrente das contradições do imperialismo, têm se mostrado verdadeiras pela história dos últimos 100 anos.

No entanto, exigimos mais do que apenas uma repetição do que Lenin escreveu em 1916. Um século depois, muitas coisas aconteceram que não foram previstas por Lenin e não poderiam ter sido previstas. Em 1916, Lenin não se limitou a repetir as ideias expressas por Marx e Engels em O Manifesto Comunista. Ele estava lidando com novos fenômenos que não existiam na época de Marx. Da mesma forma, somos agora confrontados com novos fenômenos que não existiam nos dias de Lenin.

Uma análise materialista é sempre baseada em uma consideração cuidadosa dos fatos – de todos os fatos. Ela não começa com uma ideia preconcebida e então passa a selecionar certos fatos que se encaixam na teoria, ignorando aqueles que não se encaixam. A dialética trata de processos, desenvolvimento e mudança em que, em determinado momento, as coisas se transformam em seu oposto. Isso deve ser levado em conta quando considerarmos a questão do imperialismo. O método de Lenin era dialético e materialista. Ao analisar o que era naquele momento um fenômeno novo, o imperialismo, baseou-se em uma análise concreta desse novo fenômeno tal como se desenvolveu. Ele se baseou, não na análise de textos, mas na análise dos fatos. É por isso que seu livro Imperialismo está repleto de uma massa de estatísticas que indicavam os processos gerais que estavam ocorrendo na economia capitalista mundial.

É evidente que nos 100 anos que se passaram desde que Lênin escreveu o Imperialismo, o mundo mudou de muitas maneiras. O equilíbrio internacional de forças que ele descreve nesse texto não existe mais. A Grã-Bretanha e a França, que eram as principais potências imperialistas na época, foram reduzidas a fatores secundários na política mundial, enquanto os EUA, que então começavam a flexionar seus músculos, agora são a potência dominante no mundo. A Rússia czarista há muito está fadada ao esquecimento. A União Soviética que a substituiu também passou para a história.

Quando Lênin escreveu seu livro, o mundo estava dividido em impérios coloniais sujeitos ao domínio militar-burocrático direto da Grã-Bretanha, França, Bélgica, Rússia e Holanda. A poderosa revolução colonial que se seguiu à Segunda Guerra Mundial varreu esses impérios. Os antigos países coloniais alcançaram a independência formal. (Os países da América Latina já haviam conseguido isso no século XIX, embora ainda fossem dominados economicamente, principalmente pelos EUA e Grã-Bretanha.) Mas as ex-colônias ainda são dominadas pelo imperialismo indiretamente, através do mecanismo do mercado mundial, do comércio desigual e da dívida.

Seria um grande erro imaginar que a natureza da China atual pode ser determinada por referências a fórmulas gerais e definições abstratas. Tais definições podem ser perfeitamente corretas teoricamente. Mas se você tentar impô-las a uma realidade viva e mutável, logo descobrirá que se meterá em problemas, porque a realidade nem sempre se encaixa nessas definições. A queda da URSS modificou dramaticamente o equilíbrio mundial de forças. Como caracterizamos países como Rússia e China hoje? São questões novas que devem ser analisadas com cuidado, levando em consideração todos os aspectos. Esse foi o método de Lenin em 1916, e é o mesmo método que devemos usar agora.

Os limites das definições

Escusado será dizer que devemos dar uma definição de imperialismo. Mas é um fenômeno que tem diferentes aspectos e por isso pode-se olhar para ele de diferentes maneiras. Kautsky referiu-se ao imperialismo como uma luta por anexações. Este é certamente um aspecto do imperialismo e há alguns países aos quais se aplica mais do que a outros. Lenin disse que esta definição é correta, mas incompleta.

O próprio Lenin aponta que é possível falar de imperialismo no período pré-capitalista e até mesmo no mundo da antiguidade, como o Império Romano. Isso envolveu a conquista, escravização e pilhagem de colônias estrangeiras. Esse tipo primitivo de imperialismo pode ser encontrado mesmo no mundo moderno (o Império Czarista foi de fato um exemplo disso). No entanto, o fenômeno passou por uma transformação sob o capitalismo. Em seu célebre livro sobre o assunto, Lenin oferece uma definição científica do imperialismo na época moderna. Ele lista as características mais básicas do imperialismo na época moderna da seguinte forma:

(1) A concentração da produção e do capital se desenvolveu a tal ponto que criou monopólios que desempenham um papel decisivo na vida econômica; (2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, com base nesse “capital financeiro”, de uma oligarquia financeira; (3) a exportação de capital, distinta da exportação de mercadorias, adquire importância excepcional; (4) a formação de associações capitalistas monopolistas internacionais que compartilham o mundo entre si, e (5) a divisão territorial do mundo inteiro entre as maiores potências capitalistas está concluída. O imperialismo é o capitalismo naquele estágio de desenvolvimento em que se estabelece o domínio dos monopólios e do capital financeiro; em que a exportação de capitais adquiriu pronunciada importância; em que começou a divisão do mundo entre os trustes internacionais, em que se completou a divisão de todos os territórios do globo entre as maiores potências capitalistas. (LCW, Vol.22, pp. 266-7.)

Na passagem acima citada, Lenin descreve suas características essenciais: monopólio, dominação do capital financeiro, exportação de capital, desenvolvimento de monopólios internacionais e divisão territorial. Esta definição é correta? Sim, é muito correta. Mas é correta como uma afirmação geral. E como todas as definições gerais, não abrange necessariamente todos os casos.

Sabemos o que é um ser humano. Tem dois olhos, dois braços e duas pernas, pode andar e falar e assim por diante. Mas na vida real há muitos casos em que um ou mais aspectos dessa definição não se aplicam. Isso não significa que deva ser descartada como uma declaração geral de fato, apenas que devemos estar cientes de seus limites. Também sabemos o que é um estado operário. Mas algumas pessoas que se autodenominavam marxistas se recusaram a aceitar que a Rússia de Stalin pudesse ser descrita como tal. Eles aderiram estritamente a uma norma abstrata e não levaram em conta que um estado operário poderia degenerar sob certas condições concretas, permanecendo apesar disso um estado operário.

O próprio Lenin estava bem ciente das limitações das definições. Ele escreve: “Se fosse necessário dar a mais breve definição possível de imperialismo, teríamos que dizer que o imperialismo é o estágio monopolista do capitalismo”. Mas depois acrescenta: “sem esquecer o valor condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abarcar todas as concatenações de um fenômeno em seu pleno desenvolvimento”. Aqui vemos muito claramente o método dialético de Lenin. Ele não abordou a questão do imperialismo (ou qualquer outra questão) do ponto de vista de definições abstratas que poderiam ser aplicadas mecanicamente sem levar em conta o tempo e o espaço, mas enfatizou a necessidade de analisar o fenômeno como um processo vivo e mutável “em seu pleno desenvolvimento.”

Concentração de Capital

Em O Manifesto Comunista, Marx e Engels mostraram que o capitalismo, que surge primeiro na forma do Estado-nação, inevitavelmente cria um mercado mundial. A dominação esmagadora do mercado mundial é, de fato, a característica mais decisiva da época em que vivemos. Nenhum país, não importa quão grande e poderoso, pode escapar da atração do mercado mundial. O fracasso total do socialismo em um só país na Rússia e na China é prova suficiente dessa afirmação. Assim é o fato de que ambas as grandes guerras do século 20 foram travadas em escala mundial e foram guerras pela dominação mundial.

O capitalismo e o Estado-nação, de fontes de enorme progresso, tornaram-se um colossal grilhão e impedimento ao desenvolvimento harmonioso da produção. Essa contradição se refletiu nas guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45 e na crise do período entre guerras. Na Primeira Guerra Mundial, os imperialistas britânicos travavam uma “guerra defensiva” – isto é, uma guerra para defender sua posição privilegiada como o principal ladrão imperialista do mundo, mantendo incontáveis ​​milhões de indianos e africanos em escravidão colonial. Os mesmos cálculos cínicos podem ser discernidos no caso de cada uma das nações beligerantes, da maior à menor.

Lenin explica que, na fase do capitalismo monopolista imperialista, toda a economia está sob o domínio dos bancos e do capital financeiro. Usando a vasta quantidade de estatísticas à sua disposição, Lenin descreve o processo pelo qual o capitalismo se transforma em capitalismo monopolista. Essas estatísticas indicam o domínio da economia mundial por um pequeno número de grandes bancos e trusts. Nas últimas décadas, esse processo de concentração do Capital assumiu um ímpeto ainda mais intenso.

As linhas gerais do Imperialismo permanecem corretas até hoje. A concentração de capital chegou ao ponto em que o mundo inteiro é dominado por não mais de 200 empresas gigantescas, a maioria delas sediadas nos EUA. Esses vastos monopólios estão cada vez mais fundidos com o Estado, que representa seus interesses. Como desenvolvimento paralelo, temos o crescimento do capital financeiro, que domina todos os outros setores e o próprio Estado. Citigroup, JPMorgan Chase, Bank of America, Goldman Sachs – esses são os verdadeiros centros de poder do capitalismo americano.

100 anos depois que Lenin escreveu o Imperialismo, a dominação dos bancos e do capital financeiro é 100 vezes maior do que quando ele escreveu aquelas linhas. O estrangulamento dos grandes bancos e sua natureza parasitária e exploradora ficaram expostos ao mundo inteiro pela crise de 2008 e pelos escandalosos resgates, envolvendo trilhões de dólares de dinheiro dos contribuintes entregues aos bancos pelos governos. Esses monopólios acumularam agora enormes quantidades de capital e, na verdade, possuem um excesso de capital. Isso é visto graficamente hoje, quando grandes empresas, como a Apple, detêm centenas de bilhões ociosos em reservas de caixa, enquanto as grandes corporações dos EUA estão sentadas com trilhões em reservas ociosas de caixa.

Lenin identificou a exportação de capital (em oposição à exportação de mercadorias) como um dos traços mais característicos do imperialismo na época moderna. Significa que “o capital tornou-se ‘mais maduro’ e (devido ao estado atrasado da agricultura e à pobreza das massas) o capital não pode encontrar um campo para investimento ‘lucrativo’”. (Lenin, Imperialismo: O estágio mais alto do capitalismo.) Como essas enormes quantidades de capital não podem ser usadas lucrativamente no mercado interno, elas são exportadas para outras nações onde superlucros podem ser extraídos da mais-valia derivada do baixo custo do trabalho.

Lenin acrescentou que essa crescente concentração do capital monopolista leva cada vez mais à dominação do capital financeiro. Assim como os monopólios surgem no mercado, também a ala financeira parasitária do capital cresce em importância, acabando por dominar o resto da economia. Os grandes bancos e as bolsas de valores tornam-se centros importantíssimos do capitalismo à medida que este se torna global, transformando-se em uma espécie de centro nervoso do sistema, um canal pelo qual todo investimento manufatureiro deve passar (e deixar um depósito). O complexo militar-industrial é incorporado por grandes empresas como a Lockheed Martin, que engorda com contratos lucrativos de armas do governo. Tudo isso está ligado a uma política externa agressiva, destinada a aumentar a participação dos Estados Unidos nos mercados mundiais e no controle global.

Os objetivos dos imperialistas não mudaram: uma luta por mercados, matérias-primas e esferas de influência. No entanto, também existem diferenças importantes. Nos dias de Lenin, o imperialismo se manifestava no domínio direto das colônias pelas potências imperialistas. O imperialismo britânico possuía quase metade do globo. Ele saqueou a riqueza da África, do Oriente Médio e do subcontinente indiano e também teve um domínio sobre muitos países da América Latina. Foi para quebrar o monopólio mundial do imperialismo britânico e assegurar uma redivisão do poder global que os imperialistas alemães lançaram a Primeira Guerra Mundial. Todas as outras potências participaram avidamente dessa luta para dividir o mundo e tomar posses coloniais. Aliás, isso se aplicava não apenas às Grandes Potências, mas também aos ladrões menores, como Grécia, Romênia e Bulgária.

Esta situação mudou radicalmente como resultado da Revolução de Outubro e da revolução colonial. A Revolução Bolchevique derrubou o czarismo e deu um poderoso impulso aos movimentos de libertação nacional dos povos coloniais oprimidos. Mais tarde, a Segunda Guerra Mundial minou o poder dos antigos estados imperialistas. A Grã-Bretanha e a França saíram enfraquecidas pela guerra, enquanto os EUA e a URSS tornaram-se as potências dominantes – embora, é claro, a URSS não tenha desempenhado um papel imperialista.

O surgimento das revoluções coloniais foi um dos maiores eventos da história humana. Centenas de milhões de seres humanos que haviam sido condenados ao papel de escravos coloniais se levantaram contra seus senhores na África, Ásia e Oriente Médio. A magnífica revolução chinesa e a independência nacional da Índia, da Indonésia e de outros países marcaram uma mudança histórica. A conquista da independência nacional formal foi um grande passo em frente. No entanto, não resolveu os problemas das massas exploradas. Ao contrário, em muitos aspectos os exarcebaram.

Hoje, mais de sete décadas após a Segunda Guerra Mundial, o domínio do imperialismo sobre os antigos países coloniais é ainda maior do que era no passado. A única diferença é que, em vez de um controle militar-burocrático direto, o imperialismo exerce sua dominação indiretamente. A dominação imperialista desses países formalmente independentes é exercida através do mecanismo do mercado mundial e das relações desiguais de troca, onde mercadorias que representam mais trabalho são trocadas por mercadorias que representam menos trabalho. Além dessa troca desigual, eles são explorados através da “ajuda” externa, dos juros dos empréstimos etc. Os antigos países coloniais permaneceram escravizados ao imperialismo, embora suas correntes sejam agora invisíveis.

Globalização é uma palavra que oculta a realidade da pilhagem sistemática dos países ex-coloniais. Estes são forçados a abrir seus mercados para uma enxurrada de mercadorias estrangeiras que arruínam suas indústrias locais, paralisam suas economias e drenam suas riquezas. Empresas transnacionais gigantes abrem fábricas em Bangladesh, Indonésia e Vietnã, onde os trabalhadores são submetidos à exploração mais brutal, em condições análogas à escravidão, por salários de fome para produzir jeans e tênis Nike para aumentar a mais-valia extraída pelos sugadores de sangue. Desastres, como o de Bhopal e o recente incêndio em uma fábrica têxtil de Bangladesh, devastam comunidades inteiras. Os patrões das empresas ocidentais choram lágrimas de crocodilo e continuam a encher seus cofres com os produtos do sangue, suor e lágrimas de milhões de pessoas superexploradas.

Dívida

A história conhece muitas formas diferentes de escravidão, e a escravidão financeira é a forma moderna. Não é tão óbvia quanto a escravidão de bens móveis, mas ainda assim é escravidão, pela qual nações inteiras são subjugadas e saqueadas. As vidas de bilhões de pessoas são esmagadas por essa escravidão coletiva pela dívida. Os países subdesenvolvidos são esmagados sob o peso da dívida e das políticas comerciais do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O estoque total da dívida externa dos “países em desenvolvimento” era de US$ 500 bilhões em 1980, dobrou para US$ 1.194 bilhões em 1990, era de US$ 1.996 bilhões em 2000 e em 2012 subiu para US$ 4.830 bilhões, com o serviço da dívida por si só atingindo US$ 660 bilhões por ano.

O peso das dívidas deixa os países mais pobres do mundo sem nada para gastar em necessidades básicas como saúde, educação e infraestrutura. Todos os países subdesenvolvidos encontram-se explorados, roubados e oprimidos pelo imperialismo. Desta forma, o imperialismo ainda suga o sangue de bilhões de pessoas pobres no antigo mundo colonial.

A Bíblia nos informa que os antigos cananeus costumavam sacrificar crianças a Moloch. Mas, como resultado da escravidão por dívidas, sete milhões de crianças são sacrificadas no altar do Capital todos os anos, o que faz o velho Moloch empalidecer na insignificância. Se a dívida tivesse sido cancelada em 1997 para 20 dos países mais pobres, o dinheiro liberado para cuidados básicos de saúde poderia ter salvado a vida de cerca de 21 milhões de crianças até o ano 2000, o equivalente a 19.000 crianças por dia. De acordo com a campanha Jubileu 2000, 52 países da África Subsaariana, América Latina e Ásia, com um total de um bilhão de pessoas, estão afundando sob uma dívida de US$ 371 bilhões. Isso é menos do que o patrimônio líquido total dos 21 indivíduos mais ricos do mundo.

O México é formalmente independente há quase dois séculos. Mas a natureza fictícia dessa independência foi revelada de forma gritante nas últimas décadas com a assinatura do Acordo de Livre Comércio com seu Big Brother do outro lado do Rio Grande. Isso teve um efeito devastador na indústria e na agricultura mexicanas, enquanto a abertura de fábricas de propriedade dos EUA nas Maquiladoras, nas áreas de fronteira, fornece uma enorme quantidade de mão de obra barata para os patrões ianques.

Originalmente sediadas nas cidades fronteiriças de Tijuana, Ciudad Juárez, Matamoros, Mexicali e Nogales, essas Maquiladoras que trabalham para o mercado norte-americano estão agora espalhadas por todo o território do México. Aqui vemos exatamente como funciona o imperialismo moderno. Por que se dar ao trabalho e às despesas de um governo militar-burocrático direto, quando se pode dominar um país com muita eficácia por meios econômicos, deixando o desagradável negócio da repressão para um governo “amigável” (isto é, subordinado)?

Esse modo de exploração neocolonialista não é menos predatório do que a pilhagem aberta das colônias como realizada no passado com base no regime militar direto. Em geral, as mesmas velhas colônias na África, Ásia e Caribe estão sendo sugadas pelos mesmos velhos vampiros. A única diferença é que esse roubo é realizado de maneira bastante legal através do mecanismo do comércio mundial pelo qual os países capitalistas avançados exercem um domínio conjunto das ex-colônias e, assim, são poupados do custo do domínio direto, enquanto continuam a extrair enormes lucros excedentes trocando mais trabalho por menos.

Pode haver novas potências imperialistas?

Lenin diz que o capital financeiro espalha sua rede por todos os países do mundo. Ele explica que os países exportadores de capital já haviam dividido o mundo. Ele diz que não havia mais nada para colonizar. Isso significava que Lenin pensava que a divisão do mundo era fixa e imutável para sempre? Claro que não. Lenin afirma, especificamente, que a divisão do mundo entre dois trustes poderosos não impede a redivisão se a relação de forças mudar como resultado de um desenvolvimento desigual. Então Lenin pergunta se a relação entre as potências imperialistas pode mudar e dá uma resposta enfática: ela pode e necessariamente deve mudar o tempo todo.

A lei do desenvolvimento desigual do capitalismo significa que diferentes partes da economia mundial, diferentes países, desenvolvem-se em ritmos diferentes. É precisamente isso que determina a ascensão e queda de diferentes poderes. Vimos essa redivisão do mundo ocorrer várias vezes ao longo do século passado, com potências mais antigas em declínio e potências imperialistas mais novas e mais enérgicas tomando seu lugar. E não há absolutamente nada na teoria marxista que exclua uma nova divisão. Pelo contrário, é inevitável. Algumas potências imperialistas entrarão em declínio e outras, anteriormente potências menos desenvolvidas, emergirão.

Lenin é muito claro e inequívoco neste ponto:

E a força desses participantes na divisão não muda em igual grau, pois o desenvolvimento uniforme de diferentes empresas, trustes, ramos da indústria ou países é impossível sob o capitalismo. Meio século atrás, a Alemanha era um país miserável e insignificante, se sua força capitalista for comparada com a da Grã-Bretanha da época; o Japão, em comparação com a Rússia, da mesma forma. É “concebível” que em dez ou vinte anos a força relativa das potências imperialistas tenha permanecido inalterada? Isso está fora de questão.

Vimos uma redivisão do mundo após a Primeira Guerra Mundial. A Alemanha foi despedaçada e o resto da Europa foi enfraquecido a ponto de ter que ser “colocado sob rações” pelos EUA, que estava emergindo como uma grande potência mundial. A Revolução Russa havia derrubado o czarismo, mas ainda lutava para sobreviver. A revolução colonial ainda estava em sua infância. O imperialismo japonês preparava sua política expansionista na Ásia. O fim da Segunda Guerra Mundial levou a uma nova divisão de poder. A Europa estava em ruínas. O imperialismo dos EUA era agora a potência imperialista dominante, expandindo seu papel mundial às custas das antigas potências imperialistas européias, França e Grã-Bretanha. A URSS surgiu como um fator poderoso e entrou em conflito com os EUA em escala mundial. A revolução colonial, mobilizando centenas de milhões, conseguiu acabar com o domínio colonial direto. Finalmente, a Revolução Chinesa de 1949 mudou o destino da Ásia para sempre.

As relações mundiais estabelecidas após 1946 permaneceram substancialmente inalteradas por meio século. O mundo estava dividido em dois blocos gigantescos, com a URSS, de um lado, e o imperialismo norte-americano do outro. Mas tudo isso mudou após o colapso da URSS em 1991. Abriu-se um novo e tempestuoso período de instabilidade, caracterizado por todos os tipos de guerras e conflitos. A emergência da Rússia e da China como poderosos Estados capitalistas cria novas contradições. Devemos analisar cuidadosamente a nova situação e fazer uma caracterização concreta da natureza da Rússia e da China com base em um estudo rigoroso dos fatos.

Alguns concebem o mundo inteiro como dividido em apenas dois tipos de países: estados opressores imperialistas ricos (fundamentalmente os mesmos estados que Lênin mencionou há 100 anos) e o resto do mundo, composto de nações dependentes. Esse esquema simplesmente não se encaixa nos fatos do mundo do presente. Aliás, nem se encaixa no período em que Lênin escrevia. Em Imperialismo, Lenin faz uma avaliação cuidadosa dos diferentes países imperialistas. Ele se refere a “jovens países capitalistas (América, Alemanha, Japão) cujo progresso foi extraordinariamente rápido”.

A produtividade industrial americana estava crescendo a passos gigantescos, superando a de seus concorrentes europeus. Lênin chama a atenção para isso, contrastando o rápido crescimento da economia americana com o das antigas potências como Grã-Bretanha e França, “cujo progresso ultimamente tem sido muito mais lento do que o dos países mencionados anteriormente”. A história subsequente mostrou como essa desaceleração do desenvolvimento do capitalismo britânico terminou em sua substituição pelo imperialismo americano. No entanto, a própria América começou como uma colônia oprimida da Grã-Bretanha.

Lenin disse que se pode ter todos os tipos de diferentes níveis de desenvolvimento em diferentes estágios, até mesmo tipos diferentes de imperialismo. Lenin se referiu à divisão do mundo, mas também se referiu à redivisão do mundo, que ele disse ser algo inevitável. É possível sustentar que esse processo poderia ocorrer naquela época, mas agora é impossível? Não há nenhuma razão aparente para que isso aconteça. Lembremo-nos de que, até meados do século XIX, a Alemanha nem sequer existia como país unificado. Economicamente, estava muito atrás da Grã-Bretanha. Lenin aponta que “há meio século a Alemanha era um país miserável e insignificante, se sua força capitalista for comparada com a da Grã-Bretanha da época”. Mas, em 1914, tornou-se um poderoso estado imperialista, pronto para desafiar a Grã-Bretanha e a França pelo controle da Europa e do mundo.

Em última análise, é o desenvolvimento das forças produtivas que determina se um determinado país será capaz de imprimir sua marca nos assuntos mundiais. O exemplo da Alemanha no período anterior a 1914 mostra como o crescimento do poder industrial deve finalmente encontrar sua expressão no crescimento do poder diplomático, político e militar. Este fato deve ser lembrado quando consideramos o papel da China hoje.

Um país dependente pode ser imperialista?

É possível que um país economicamente atrasado seja dependente do imperialismo e ao mesmo tempo desempenhe o papel de um estado imperialista? À primeira vista, isso pareceria uma contradição lógica. Mas a dialética nos ensina que há todo tipo de contradições na vida e na sociedade. E o que parece ser uma contradição em termos de lógica formal torna-se uma realidade de fato.

Uma análise materialista deve partir dos fatos. E o materialismo dialético parte da visão de que as coisas mudam e de que as coisas se transformam em seus opostos. O que Lenin estava tratando aqui são formas de transição, que podem ser encontradas em todas as esferas da natureza e da sociedade. Quando se refere aos estados semicoloniais, não os toma como estáticos e fixos para sempre. Ele olha para eles no processo de mudança. Ele define Portugal como um estado soberano independente com um Império, governando milhões de escravos coloniais e, portanto, uma potência imperialista. Mas ao mesmo tempo diz que Portugal, um país semifeudal atrasado, foi durante mais de 200 anos um “protetorado” britânico – ou seja, dominado pelo imperialismo britânico.

Entre as novas potências imperialistas emergentes às quais Lenin se refere estava o Japão. O Japão era um país semifeudal economicamente atrasado, mas suas ambições imperialistas o levaram a lançar uma guerra predatória viciosa pela conquista da China. Não se pode duvidar do caráter imperialista do Japão, apesar de se basear no atraso. De fato, as tarefas da revolução burguesa no Japão só foram concluídas após sua derrota na Segunda Guerra Mundial, quando foram realizadas pelo exército de ocupação americano como forma de evitar que o Japão caísse sob a influência do “comunismo” chinês.

Em 1940, mais de 24 anos após o Imperialismo de Lenin, Trotsky tratou do Japão em um texto chamado O memorial Tanaka. O que ele diz sobre o Japão? Como foi no caso da Rússia czarista, o Japão experimentou um desenvolvimento da indústria. Ele destacou que sua “superestrutura financeira e militar repousava sobre uma base de barbárie agrária semifeudal”. Mas mesmo assim fazia parte da cadeia imperialista, embora o considerasse o elo mais fraco.

Em Imperialismo, Lenin refere-se a países economicamente atrasados, em particular a Rússia. A Rússia czarista era uma mistura de relações pré-capitalistas e bolsões de capitalismo. É verdade que havia experimentado um crescimento tempestuoso da indústria nas últimas décadas do século XIX. Isso se deveu inteiramente à exportação de capital estrangeiro para a Rússia. O capitalismo russo, como Trotsky explica na teoria da revolução permanente, era inteiramente dependente do capital britânico, francês, alemão e belga. Tinha, portanto, muitas das características de um país semicolonial. As enormes dívidas, principalmente devidas à França, foram um fator importante para forçar a Rússia a entrar na Primeira Guerra Mundial ao lado da Entente.

Economicamente, a Rússia czarista era extremamente atrasada. Apesar de um importante desenvolvimento da indústria nas vilas e cidades da parte ocidental, a maior parte do país era de caráter semifeudal. No entanto, apesar de suas características semicoloniais e semifeudais e dependência do capital estrangeiro, Lenin incluiu a Rússia na lista dos cinco países imperialistas mais importantes. Devemos acrescentar que a Rússia czarista nunca exportou um único centavo de capital. Lenin chama isso de: “um país mais atrasado economicamente, onde o imperialismo capitalista moderno está enredado em uma estreita rede de relações pré-capitalistas”.

O imperialismo czarista era mais parecido com o antigo: baseado na tomada de territórios estrangeiros (a Polônia é o exemplo óbvio) e na expansão territorial (a conquista do Cáucaso e da Ásia Central). A Rússia czarista, para usar a frase de Lenin, foi uma verdadeira prisão das nações que conquistou, escravizou e saqueou. No entanto, a própria Rússia dependia financeiramente da França e de outros estados imperialistas.

Lenin também se refere a potências menores que foram autorizadas a manter suas colônias por causa dos conflitos entre as principais potências. Em outros textos, Lenin inclui na lista de países imperialistas, Áustria-Hungria e Itália, e a Itália era um país particularmente atrasado, com o desenvolvimento da indústria principalmente no Noroeste, coexistindo com a agricultura camponesa pobre e atrasada no centro e no sul.

Trotsky sobre o imperialismo balcânico

Pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, duas guerras eclodiram nos Balcãs. Trotsky pôde observar esses conflitos sangrentos em primeira mão como correspondente de guerra. Citamos longamente o que ele escreveu durante as guerras dos Bálcãs de 1912-13:

“Ainda menos estáveis ​​serão as relações entre a Bulgária e a Grécia, formadas com base na Paz de Bucareste. Cerca de 200.000 búlgaros no sul da Macedônia estão sob o domínio da Grécia. Na Trácia, por outro lado, cerca de 200.000-250.000 gregos tornaram-se cidadãos da Bulgária, ou, mais corretamente, estão listados nessa categoria no Tratado de Londres. Também aqui o princípio nacional provou ser incompatível com as pretensões imperialistas: o que importa não é a comunidade de cultura numa base étnica homogênea, mas o número de contribuintes e o tamanho do mercado interno. Mesmo com essas fronteiras, é claro, ainda poderia haver coexistência pacífica entre a Bulgária e a Grécia, desde que fosse concedida autonomia nacional à ‘população estrangeira’ em cada um desses países. Mas é claro que as pessoas que só agora estavam se estripando, ou mais corretamente, aqueles que dirigiram essas estripações, são absolutamente incapazes de estabelecer condições estáveis ​​de convivência entre os povos de ambos os lados da fronteira que divide a Macedônia.

“O destino desta província três vezes infeliz revela com uma clareza mortal, em benefício dos românticos nacionalistas, que mesmo na atrasada península balcânica só há espaço para uma política nacional na medida em que esta coincide com uma polícia imperialista.

O imperialismo grego é o que mais se destaca. Uma oligarquia grega de clérigos e aristocratas (os fanariotas) compartilhava com a casta militar otomana da autoridade sobre as nacionalidades cristãs da península. A burguesia grega, espalhada por todas as margens do Egeu, do Mar de Mármara, do Mar Negro e do Mediterrâneo, submeteu os lavradores e pastores do interior ao seu capital de mercadores e usurários. Sacerdotes e mercadores gregos abriram o caminho para o imperialismo grego, que imediatamente colidiu em ódio mortal com as nacionalidades despertas dos Bálcãs; para estas últimas, o despertar econômico e nacional significava uma luta de vida ou morte não apenas contra a casta burocrática-militar turca, mas também contra a dominação eclesiástica, comercial e financeira dos gregos. O imperialismo grego enfrentou o imperialismo búlgaro no solo da Macedônia.

O imperialismo búlgaro é de origem recente, mas é ainda mais belicoso e imprudente por isso. A burguesia búlgara chegou tarde em cena e imediatamente começou a usar vigorosamente seus cotovelos para avançar. Os ministros de Estado búlgaros recebem um salário de mil francos por mês, enquanto, na Europa capitalista, tais funções são recompensadas a uma taxa de milhares de francos por dia. O correspondente do Times em Sofia, Sr. Bourchier, tinha à sua disposição somas com as quais os homens no poder em Sofia nem podiam sonhar. Alargar os limites do Estado, aumentar o número de contribuintes, multiplicar as fontes de enriquecimento – estes eram os princípios da sabedoria imperialista que orientavam a política de todas as camarilhas dominantes em Sofia.

“Foram esses princípios – imperialistas, não nacionais – que também determinaram toda a política macedônia da Bulgária. O objetivo era sempre o mesmo – anexar a Macedônia. O governo de Sofia apoiou os macedônios apenas na medida em que pudesse ligá-los a si mesmo, e traiu os interesses que poderiam tê-los afastado da Bulgária. O conhecido político e escritor balcânico, Dr. C. Rakovsky, que encontrei novamente em Bucareste após um intervalo de dois anos, contou-me, junto com muitas outras informações, o seguinte fato extremamente eloquente. Em 1903-1904, o exarca [ajudante do Rei - NdT] búlgaro estava fazendo lobby em Sofia para o estabelecimento de um banco de camponeses na Macedônia. Este foi o levante de Ilinden, quando o caos reinava na Macedônia e os latifundiários turcos estavam prontos para vender suas propriedades aos camponeses por uma canção. O governo búlgaro rejeitou firmemente a proposta do exarca, explicando que, se os camponeses macedônios alcançassem um certo nível de prosperidade, ficariam surdos à propaganda búlgara. O mesmo ponto de vista foi mantido pela organização revolucionária macedônia que, especialmente após o esmagamento da revolta, finalmente se transformou de uma organização nacionalista-camponesa em uma ferramenta dos desígnios imperialistas do governo em Sófia.

“Esta luta assombrosa, na qual a brutalidade foi combinada com o heroísmo, terminou – como? Com um pérfido acordo para a partição da Macedônia. A Segunda Guerra Balcânica e a paz de Bucareste que agora a coroou completaram este acordo. E eis que Stip e Kocani – esses dois lugares onde os revolucionários búlgaro-macedônios produziram, por suas táticas de 'provocação', o massacre turco que serviu para iniciar a primeira guerra de 'libertação' – Stip e Kocani foram entregues para a Sérvia!

“O imperialismo sérvio se viu incapaz de avançar ao longo do ‘normal’, ou seja, da linha nacional: seu caminho foi barrado pela Áustria-Hungria, que incluía dentro de suas fronteiras mais da metade de todos os sérvios. Daí o impulso da Sérvia para baixo da linha de menor resistência, em direção à Macedônia. As conquistas nacionais da propaganda sérvia naquele bairro foram bastante insignificantes, mas ainda mais arrebatadoras por essa razão parecem as conquistas territoriais feitas pelo imperialismo sérvio. A Sérvia agora inclui dentro de suas fronteiras cerca de meio milhão de macedônios, assim como já incluía meio milhão de albaneses. Um sucesso estonteante! Na verdade, esse milhão hostil pode ser fatal para a existência histórica da Sérvia.” (Leon Trotsky, The Balkan Wars (1912-13): The War Correspondence, pp. 364-366, ênfase nossa.)

Ressaltamos que a Bulgária, a Grécia e a Sérvia eram nações economicamente atrasadas e semifeudais que até recentemente haviam sido escravizadas pelo Império Otomano durante séculos. Apesar de terem alcançado a independência formal, permaneceram países dominados sob o controle de uma ou outra das Grandes Potências européias. O rei Fernando, um oficial do exército austro-húngaro que não sabia falar uma palavra de búlgaro, foi colocado no trono búlgaro para impedir os movimentos da Rússia. O rei Jorge da Grécia nasceu Príncipe William de Schleswig-Holstein-Sonderburg- Glücksburg.

Diante desses fatos, como Trotsky poderia descrever a Bulgária, a Sérvia e a Grécia como imperialistas? Talvez tenha sido um deslize da caneta? Mas Trotsky não cometia erros desse tipo. Como Lenin, ele sempre foi escrupuloso em questões de teoria. A resposta a este aparente paradoxo é realmente muito simples. Não há lei que diga que uma nação pobre e oprimida não pode se tornar um estado vicioso e predatório, uma vez que esteja em posição de agir como tal. Ao contrário, a dialética nos ensina que as coisas podem se transformar em seu oposto.

Assim que conquistaram a independência, as camarilhas dominantes desses pequenos estados balcânicos lançaram uma série de guerras predatórias para conquistar territórios vizinhos. Trotsky aponta que, sob o pretexto de lutar contra o imperialismo otomano, seu objetivo real era tomar o máximo de terra possível de seus “aliados” balcânicos, escravizando e oprimindo seus habitantes da maneira mais brutal. Assim, nações que tinham acabado de se libertar da escravidão colonial tornaram-se elas próprias opressoras e escravizadoras.

Essas nações permaneceram economicamente atrasadas e dominadas por outros estados mais poderosos. Mas, ao mesmo tempo, eram potências imperialistas regionais – potências imperialistas fracas que não podiam aspirar a conquistar a Europa, mas aspiravam tomar o território de seus vizinhos, oprimi-los e saqueá-los. Nesse sentido, eles eram imperialistas, e Trotsky não hesitou em usar essa palavra. Seu atraso econômico e relativa fraqueza em relação às principais potências imperialistas não puderam ser usados para encobrir sua natureza real, imperialista.

Antes e agora

De tudo isso, é evidente que, do ponto de vista marxista, é perfeitamente possível que uma nação economicamente atrasada, até semifeudal e oprimida por Estados mais poderosos, aja de maneira imperialista: lançando guerras predatórias de conquista seja por mercados e matérias-primas, por expansão territorial ou por razões políticas. O exemplo das Guerras Balcânicas é um caso claro disso, como explica Trotsky. É permissível argumentar que tais coisas eram possíveis então, mas não são possíveis agora? Tal argumento não faz o menor sentido. Não tem base teórica e muito menos de fato.

O que mudou de tão fundamental nos últimos cem anos para que se tornasse impossível a opressão de um pequeno estado por outro pequeno estado? As contradições fundamentais são as mesmas. Apenas a crise do capitalismo se aprofundou. O sistema está em um impasse ainda maior do que quando Lenin escreveu o Imperialismo. As contradições são ainda mais agudas e se expressam em constantes guerras e convulsões. Nada disso sugere que a burguesia dos antigos países coloniais não possa agir da mesma maneira reacionária que as camarilhas governantes dos Balcãs em 1912-13.

Vamos levantar algumas questões específicas. Qual é a relação entre a Índia e a Caxemira ocupada? No exato momento em que a Índia se libertou do jugo do imperialismo britânico, a burguesia indiana tomou a Caxemira contra a vontade de seu povo que era predominantemente muçulmano. Desde então, a Caxemira tem sido mantida pela força bruta. Milhares foram presos, torturados e mortos pelo exército de ocupação indiano. Se alguém perguntar a um caxemira se essa ocupação brutal constitui um ato de imperialismo ou não, ele responderá com um encolher de ombros e um olhar de completo espanto. A conduta da Índia em relação à Caxemira é imperialista no sentido mais claro e brutal da palavra.

Não é apenas a Índia que é culpada de agressão imperialista no subcontinente. A camarilha reacionária do Paquistão durante décadas oprimiu o povo de Bengala Oriental (agora Bangladesh). Finalmente, eles se levantaram contra seus opressores e conquistaram a independência. Isso foi alcançado apenas à custa de um terrível banho de sangue realizado pelo exército paquistanês. Pode-se acrescentar que até hoje o Paquistão está oprimindo o povo do Baluchistão da mesma maneira implacável.

Qual é a relação entre a Turquia e os curdos? Pode-se dizer que a Turquia é uma nação “dominada”, embora tenha experimentado um grau significativo de crescimento industrial nas últimas décadas. Mas este pobre estado “dominado” por sua vez domina e oprime os curdos pelos métodos mais cruéis. Podemos descrever a conduta de Erdogan em relação aos curdos como imperialista? Não há uma única pessoa no Curdistão que tenha a menor hesitação em responder afirmativamente a esta pergunta.

Finalmente, temos o caso de Israel, que oprimiu os palestinos por muitas décadas e, sem dúvida, desempenha o papel de superpotência regional. Israel nasceu do ato de tomar terras que foram ocupadas por outros povos. Travou quatro guerras contra os exércitos árabes e em todos os casos terminou por expandir seu território. Continua essa política de expansão imperialista até os dias atuais. Israel pode ser considerado uma semi-colônia pobre e oprimida? A pergunta responde a si mesma. Israel não é uma nação pobre e oprimida, mas um país capitalista avançado. Em termos de desenvolvimento econômico e social não é diferente da maioria dos países europeus. Tem um exército moderno que é mais do que páreo para qualquer exército da região. E é a principal potência imperialista regional no Oriente Médio.

Alguns dirão que Israel depende de grandes somas de dinheiro dos EUA. É verdade que Israel recebe um grande subsídio dos EUA. Isso porque é o único aliado confiável de Washington na região. Mas isso não significa que os governantes de Israel estejam sob o controle de Washington. Eles têm seus próprios interesses, que nem sempre são os dos americanos. É suficiente apontar para o confronto aberto entre Netanyahu e Obama sobre o acordo com o Irã para sublinhar o ponto.

Claro, entendemos que Turquia, Índia e Paquistão não podem ser colocados na mesma categoria que as principais potências imperialistas, EUA, Europa e Japão. Eles não desempenham e não podem desempenhar o mesmo papel, assim como a Grécia, Sérvia e Bulgária não poderiam desafiar o poder da Grã-Bretanha, França e Alemanha em 1916. Eles chegaram tarde demais no palco da história para serem capazes de desafiar as nações mais ricas e poderosas pela hegemonia mundial. Mas esta afirmação geral – correta como é – não esgota a questão. As camarilhas dominantes desses países têm seus próprios interesses que não coincidem necessariamente com os de Washington, Londres ou Berlim. E elas podem e desempenham o papel do imperialismo regional, lutando para impor sua vontade aos estados vizinhos. São estados imperialistas fracos que aspiram a tornar-se fortes à custa dos seus vizinhos.

Os BRICs

É um erro fundamental apresentar o mundo inteiro como se consistisse de apenas dois tipos de nações: por um lado, um punhado de potências imperialistas (EUA, Europa e Japão) e, por outro, todas as outras, que são países pobres e subdesenvolvidos totalmente dependentes dos primeiros. De acordo com essa visão, estes últimos não podem desempenhar um papel independente na política ou na economia mundial; suas ações são inteiramente subordinadas e dependentes das principais potências imperialistas (principalmente os EUA); eles nunca podem ser considerados imperialistas; e eles nunca podem experimentar nenhum desenvolvimento econômico sério que possa alterar seu status de “nações dependentes”.

Essa maneira de ver as coisas ignora a realidade. Podemos, por exemplo, colocar Burundi, Eritreia e Congo no mesmo nível que Brasil, Turquia e China? A Rússia é o mesmo que o Afeganistão ou o Togo? Claramente, esses países estão em níveis muito diferentes de desenvolvimento econômico. E com o desenvolvimento econômico surgem outras questões: o desejo de ganhar maior participação nos mercados mundiais, mais acesso ao petróleo e outras matérias-primas, prestígio e poder militar. Rússia e China podem enfrentar o imperialismo dos EUA e até enfrentá-lo militarmente, de uma forma que o Togo e o Nepal não podem.

A realidade do mundo de hoje refuta completamente a fórmula em preto e branco de um punhado de estados imperialistas, por um lado, e de países dependentes e pobres, por outro. Não houve um desenvolvimento da indústria no Brasil, na Rússia, na Índia e na China nos últimos cinquenta anos? Como caracterizamos os chamados BRICs? O termo “economias emergentes” não é uma formulação satisfatória. Podemos discutir qual alternativa pode ser usada. Mas não podemos negar que algum desenvolvimento econômico ocorreu nesses países.

Alguns podem argumentar que a teoria da revolução permanente de Trotsky exclui tal desenvolvimento. Mas, de fato, essa definição do mundo não pode ser derivada da teoria da revolução permanente. E simplesmente não condiz com os fatos. Parece haver aqui um mal-entendido quanto ao que diz a teoria da revolução permanente. Não diz que não pode haver desenvolvimento das forças produtivas nos países subdesenvolvidos. Diz precisamente o contrário.

Foi precisamente o tempestuoso desenvolvimento da indústria na Rússia nas últimas duas décadas do século XIX que constituiu a condição prévia para que o proletariado tomasse o poder em 1917. E é indiferente que o capital que construiu essas fábricas tenha vindo dos investidores estrangeiros nos principais estados imperialistas avançados. O principal é que o desenvolvimento da indústria fortaleceu a classe trabalhadora russa de então, assim como fortaleceu a classe trabalhadora brasileira e chinesa hoje.

Os BRICs são países dominados? alguns são, outros não. Mas sejam eles dominados ou não, isso não significa dizer que eles não podem desempenhar um papel imperialista. Pode-se objetar que esse desenvolvimento econômico foi resultado da penetração do Brasil e de outros países pelo capital estrangeiro e, portanto, não alterou sua posição como países dependentes. Mas isso também era verdade para a Rússia czarista, que Lenin, no entanto – como já vimos em seus textos sobre a questão – descreveu como um estado imperialista.

Não se pode negar que nas últimas décadas houve um importante desenvolvimento das forças produtivas nos países que são conhecidos como BRIC’s. Do ponto de vista marxista, isso não é uma coisa ruim, mas uma coisa boa. Ao desenvolver a indústria, a burguesia fortalece a classe trabalhadora e, em última análise, cria as condições para sua própria derrubada. Isso facilita muito a tarefa da revolução socialista nesses países.

A teoria da revolução permanente

É um fato historicamente verificável que uma nação que já foi uma colônia pobre, sufocada, oprimida, explorada – uma vez que se torna independente – pode adotar uma política agressiva e imperialista em relação aos seus vizinhos: declarar guerras, tomar terras e assim por diante. De fato, pode-se dizer que isso ocorre em quase todos os casos, a burguesia recém-incorporada busca explorar e oprimir os estados mais fracos da região. Pode-se ter ladrões grandes, mas também se pode ter ladrões de tamanho médio e se pode ter ladrões pequenos, e dentro de certos limites, é possível que uma nação dominada desempenhe um papel imperialista.

Essa análise contradiz a teoria da revolução permanente? Não, não contradiz. Quando falamos de imperialismo russo e de imperialismo chinês, isso contradiz o que Trotsky escreveu? Nem um pouco. A teoria da revolução permanente explicava como, em um país atrasado na época do imperialismo, a “burguesia nacional” estava inseparavelmente ligada ao que restava do feudalismo, por um lado, e ao capital imperialista por outro e, portanto, era completamente incapaz de realizar qualquer de suas tarefas históricas.

Como Trotsky previu, a podre burguesia russa foi incapaz de resolver as tarefas mais prementes colocadas pela história, especialmente a questão agrária, à qual devemos acrescentar a questão da paz. Foi por isso que os bolcheviques puderam tomar o poder com base em palavras de ordem de conteúdo essencialmente democrático-burguês (Paz, pão, terra, Assembleia Constituinte, direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas). Mas tendo tomado o poder em suas mãos, os trabalhadores russos não pararam, mas começaram a expropriar os capitalistas e a iniciar a tarefa da transformação socialista da sociedade.

Aqui vemos a revolução permanente em sua forma clássica, conforme elaborada por Trotsky. Mas, por uma série de razões (a degeneração stalinista da União Soviética e o atraso da revolução proletária no Ocidente), as revoluções que aconteceram posteriormente na China e em outros países atrasados ​​ocorreram de maneira bonapartista distorcida. Foram desvios da norma, que, no entanto, prepararam o caminho para grandes avanços no campo da produção e da cultura, arrastando países antes atrasados ​​para o século XX.

É claro que os regimes totalitários stalinistas não tinham nada em comum com a democracia operária estabelecida por Lenin e Trotsky na Rússia. Mas a nacionalização dos meios de produção abriu as portas para uma transformação espetacular da sociedade, ainda que a um custo terrível. É impossível compreender a situação atual da Rússia e da China sem compreender que 1917 e 1949 foram momentos decisivos em seus destinos.

Assim como a Revolução Chinesa foi um desvio da norma estabelecida teoricamente por Trotsky e levada à prática em 1917, existem muitos outros desvios ainda mais peculiares da norma. O Japão seguiu um caminho peculiar de desenvolvimento. Era peculiar porque não correspondia a uma norma preconcebida. Mas todos os tipos de formas transicionais peculiares ocorrem tanto na natureza quanto na sociedade. E o fato de algo não corresponder a uma norma preconcebida não nos autoriza a ignorá-lo. Pelo contrário, exige que o expliquemos.

Se dissermos que o Japão foi um caso muito peculiar, devemos acrescentar que existem muitos outros casos peculiares. Mas isso não nos permite deixar de lado o Japão, assim como não podemos deixar de lado a Rússia czarista. Lenin certamente não fez isso. Como o Japão se encaixa na teoria da revolução permanente? O Japão era um país muito atrasado e semifeudal. Ele entrou em conflito com a América como resultado da expansão do nascente imperialismo americano. No Japão, foi a classe feudal que iniciou o processo de transformação capitalista de cima para baixo como forma de modernizar o Japão e competir com os americanos, que eram mais avançados.

O Japão permaneceu um país muito atrasado e semifeudal durante muito tempo, mas também se tornou um estado imperialista feroz que lançou uma guerra predatória de conquista na China. O que completou o desenvolvimento do capitalismo moderno no Japão não foi a norma clássica da revolução permanente como imaginada por Trotsky. As tarefas da revolução democrático-burguesa no Japão não foram resolvidas por uma revolução proletária, como na Rússia. Elas foram iniciadas pelos líderes feudais e concluídas pelas forças de ocupação americanas após 1945.

Os imperialistas americanos ocuparam o Japão, mas ficaram aterrorizados com a disseminação do “comunismo”, especialmente da Revolução Chinesa. Eles foram, portanto, obrigados a realizar uma reforma agrária e outras medidas que, de fato, completaram a revolução burguesa. Assim, o Japão, de uma maneira muito peculiar, tornou-se um poderoso estado capitalista moderno industrializado, imperialista, que permanece no presente. Algo semelhante ocorreu na Coreia do Sul e em Taiwan. A transição burguesa ali foi realizada pelas forças de ocupação americanas pela mesma razão.

A pergunta deve ser feita: por que Lenin incluiu a Rússia czarista nas seis nações imperialistas mais proeminentes? A Rússia czarista na época de Lenin era um país extremamente atrasado e semifeudal que nunca exportou um único centavo em termos de capital. Pelo contrário, era fortemente dependente do capital estrangeiro. Não haveria capitalismo russo sem o capital belga, britânico e americano. O próprio estado czarista estava fortemente endividado com banqueiros estrangeiros, particularmente com os franceses. Portanto, se estivermos procurando por um país dependente, não poderíamos encontrar um exemplo melhor. A Rússia era total e completamente dependente, e Lenin e Trotsky estavam bem cientes do fato. Mas era ao mesmo tempo um monstruoso estado imperialista.

Como isso é possível se aceitarmos a visão de que apenas um punhado de países ricos e poderosos – Europa, Japão e América – podem ser considerados estados imperialistas, enquanto o resto do mundo é pobre, dominado e oprimido? O caso da Rússia czarista prova precisamente que um país economicamente dependente também pode ser um estado imperialista. No entanto, no caso da Rússia, vemos a teoria da revolução permanente em sua forma clássica, quase laboratorial. Pode-se acrescentar que este foi o único caso desse tipo na história mundial. Houve muitos outros casos em que a burguesia foi expropriada, mas nenhum desses casos correspondeu à norma. Cada um deles era um caso “peculiar”.

As tarefas que foram resolvidas pelas revoluções democráticas burguesas na Inglaterra e na França só poderiam ser resolvidas na Rússia por meio de uma revolução proletária contra a burguesia. Mas Trotsky também previu que, uma vez que o proletariado tomasse o poder, não poderia parar nas tarefas democrático-burguesas, mas procederia imediatamente à expropriação dos latifundiários e capitalistas e iniciaria a transformação socialista da sociedade. É isso que afirma a revolução permanente e foi precisamente isso que ocorreu na Rússia.

Mas isso é apenas metade da revolução permanente. A outra metade foi a necessidade de estender a Revolução Russa à Europa, particularmente à Alemanha. Uma vez que isso falhou – por razões que escapam à presente discussão – a degeneração burocrática da Revolução foi inevitável. No entanto, ao abolir o capitalismo e introduzir um plano de produção, a Revolução de Outubro trouxe o maior desenvolvimento das forças produtivas jamais visto na história.

Consequências da queda da URSS

Vinte e cinco anos atrás, na época da divisão no Militant, estávamos discutindo as perspectivas para a Rússia. Peter Taaffe tinha a posição de que, se o capitalismo fosse reestabelecido na Rússia, esta seria uma colônia do Ocidente (um país dependente). Ted Grant simplesmente riu disso. Ele respondeu que, se o capitalismo fosse restaurado na Rússia, esta não seria uma colônia dependente do Ocidente, seria um estado imperialista poderoso e agressivo, como era a Rússia czarista. E isso tem se mostrado verdadeiro.

Não foi a burguesia russa degenerada, que foi jogada na lata de lixo da história em outubro de 1917, mas a economia planificada nacionalizada que arrastou a Rússia para a era moderna, construindo fábricas, estradas e escolas, educando homens e mulheres, criando cientistas brilhantes, construindo o exército que derrotou Hitler e colocou o primeiro homem no espaço. E apesar do caos e da perturbação causados ​​pela destruição da economia planificada e pelo desmantelamento da URSS, muitos desses ganhos ainda permanecem.

Apesar dos crimes da burocracia, a União Soviética foi rapidamente transformada de uma economia atrasada e semifeudal em uma nação industrial avançada e moderna. No final, porém, a burocracia não ficou satisfeita com a colossal riqueza e privilégios que obtivera ao saquear o estado soviético. Como Trotsky previu, eles passaram para o campo da restauração capitalista, transformando-se de uma casta parasitária em uma classe dominante.

O movimento em direção ao capitalismo significou um grande retrocesso para o povo da Rússia e das ex-repúblicas da URSS. Em A revolução traída, Trotsky escreveu: “A queda da atual ditadura burocrática, se não for substituída por um novo poder socialista, significaria assim um retorno às relações capitalistas com um declínio catastrófico da indústria e da cultura”. (Capítulo 9, Relações Sociais na União Soviética.) Foi exatamente isso que aconteceu.

No período imediatamente após a queda da URSS, a economia russa caiu aproximadamente 60%. Isso fez com que o colapso na América após a queda da Bolsa de Nova York em 1929 parecesse uma brincadeira de criança. Não há paralelo para isso na história econômica. Para encontrar algo semelhante, seria preciso citar, não uma crise econômica, mas uma derrota catastrófica na guerra. A sociedade foi jogada para trás e teve que aprender todas as bênçãos da civilização capitalista: religião, prostituição, drogas e tudo o mais.

Após a queda da URSS, os EUA se tornaram a única superpotência do mundo. Com o imenso poder veio a imensa arrogância. A “doutrina Bush” deveria ab-rogar aos EUA o direito de intervir em qualquer lugar do mundo, interferir nos assuntos internos de estados supostamente soberanos, espionar, derrubar governos, bombardear, assassinar e se necessário invadir com impunidade. O colapso da União Soviética permitiu que o imperialismo norte-americano interviesse nas esferas de influência anteriormente soviéticas. Eles trouxeram a Polônia e outros países do Leste Europeu e do Báltico para a OTAN e depois voltaram suas atenções para as antigas repúblicas da União Soviética.

O imperialismo americano aproveitou-se disso para começar a se apoderar dos Bálcãs, da Iugoslávia e do Iraque – antigas esferas de interesse soviéticas – que não ousaria tocar no passado. A dissolução da Iugoslávia e o bombardeio da Sérvia contribuíram para a sensação de que a Rússia estava sendo cercada e sitiada. Juntamente com o colapso econômico e o empobrecimento geral, isso produziu um profundo sentimento de humilhação nacional.

No entanto, nenhuma economia pode continuar a cair para sempre. Mais cedo ou mais tarde, a produção começa a se recuperar e isso ocorreu na Rússia, principalmente após a crise e a desvalorização do rublo em 1998. Depois disso, a economia russa melhorou, em grande parte por causa do boom do capitalismo mundial e da demanda por petróleo e gás russos. Putin se beneficiou dessa recuperação. Ele é o representante dos oligarcas russos que enriqueceram com a pilhagem vergonhosa do Estado e do povo russos. Ele também ganhou popularidade fazendo uma demonstração de resistência ao imperialismo dos EUA.

Putin e a oligarquia reacionária russa só conseguiram consolidar o capitalismo na Rússia (pelo menos temporariamente) baseando-se nos ganhos que foram possibilitados pela Revolução de Outubro. A Rússia de hoje é muito diferente da Rússia de 1917. Embora a produtividade média do trabalho na Rússia seja a metade da média europeia, ainda assim, graças aos ganhos possibilitados pela Revolução de Outubro, é um país moderno, industrializado e com uma classe trabalhadora poderosa. É também uma formidável potência militar.

Ao contrário de Yeltsin que adotou uma atitude servil ao imperialismo dos EUA, Putin está se afirmando contra a América e contra a Europa na Geórgia, na Ucrânia e na Crimeia (e ultimamente na Síria). A primeira preocupação do Kremlin (no caso, a oligarquia dominante) foi e é reafirmar o domínio da Rússia sobre suas antigas esferas de influência, começando pelas antigas repúblicas soviéticas que ficam em suas fronteiras. No caso da Geórgia, os imperialistas americanos receberam um chute nos dentes. Putin disse: até aqui e não mais. Na guerra de 2008 na Geórgia, Moscou não hesitou em usar seu poder militar para sublinhar o ponto. Mais tarde, fez a mesma coisa na Ucrânia. Isso mostra as limitações do poder do imperialismo dos EUA e o crescente poder e confiança da camarilha dominante russa.

Embora nem de longe tão poderosa quanto o imperialismo dos EUA, a Rússia conseguiu tirar vantagem dos erros dos imperialistas dos EUA ao esticar demais suas forças no terreno onde as forças da Rússia eram superiores em nível regional. Com efeito, os russos venceram no conflito ucraniano. Os americanos bufaram de desgosto, mas não fizeram nada. Eles impuseram sanções, mas o único resultado foi aumentar o apoio de Putin para cerca de 80%. Este respondeu intervindo na Síria. Os imperialistas americanos não ficaram muito felizes com isso, mas foram forçados a aceitá-lo.

A natureza do regime de Putin

Como caracterizar a Rússia de Putin? Foi descrita como um estado gangster, mafioso. Isso é correto até onde pode ir, mas não vai longe o suficiente. Essa caracterização apenas descreve a forma monstruosa do Estado russo. Não nos diz nada sobre seu caráter preciso de classe. Na verdade, evita completamente a questão central. Coloquemos a questão concretamente e por etapas. A Rússia é capitalista? Todos concordamos que sim. A Rússia é um estado capitalista, controlado por uma oligarquia que possui grandes empresas e bancos que foram saqueados da economia nacionalizada. Esses monopólios gigantes estão intimamente ligados ao Estado – um estado burguês – que é administrado no interesse dos oligarcas. Estes últimos precisam de um homem forte no Kremlin, em parte porque temem as massas, em parte para resolver as muitas rixas entre diferentes oligarcas pela divisão da pilhagem.

Todas essas características estão de acordo com o que Lenin descreveu como capitalismo monopolista de Estado. O elemento mafioso-gangster é secundário. A única diferença é que, enquanto os mafiosos ocidentais (que também controlam o Estado no interesse dos grandes bancos e monopólios) tiveram tempo suficiente para disfarçar sua ditadura sob uma folha de parreira de democracia formal, os arrivistas russos não se sentem suficientemente confiantes para se permitirem tais luxos. Na América e na Grã-Bretanha, um véu discreto é lançado sobre a ditadura do Capital; na Rússia, ela se apresenta em sua forma mais crua e mais óbvia. Mas a essência é exatamente a mesma.

A Rússia é um estado capitalista governado por uma oligarquia parasitária e gananciosa. Mas se você disser “a”, você deve dizer “b”, “c” e “d”. A política externa da oligarquia russa, como a de qualquer outro estado capitalista, é determinada pelos interesses e objetivos cínicos da burguesia russa. E como a política externa é a extensão da política interna, Putin não se detém ante nenhum meio violento de impor sua vontade fora das fronteiras da Rússia, sempre que considerar necessário proteger os interesses dos oligarcas russos – e os seus, é claro.

O regime russo é um regime de bonapartismo burguês. Um regime bonapartista é um regime de crise em que as contradições da sociedade não podem ser resolvidas dentro do funcionamento “normal” da democracia burguesa. O Estado tende a se elevar acima da sociedade na pessoa de um “homem forte” que afirma estar acima de classes e partidos, representando “a Nação”. O ex-oficial da KGB Putin se baseia principalmente nas Forças Armadas, na polícia e no braço executivo do Estado, mas também equilibra as classes, utilizando a retórica populista e nacionalista. E como todo bonapartista da história, ele tenta projetar uma imagem de força participando de aventuras militares estrangeiras.

Aqui vemos uma diferença marcante entre a Rússia e a China. A China tem todas as características clássicas do imperialismo descritas por Lênin: capitalismo monopolista de Estado, exportação de capital, um impulso de expansão para conquistar mercados e esferas de influência estrangeiros, uma política externa expansionista projetada para obter o controle das rotas comerciais etc. O imperialismo russo tem um caráter diferente. Seus objetivos são mais limitados e principalmente ditados por considerações estratégicas e militares.

Há pouca perspectiva de ganho econômico, digamos, de assumir o Donbass arruinado. Mesmo a perspectiva futura do petróleo sírio parece mais do que duvidosa e, de qualquer forma, os russos têm bastante petróleo próprio. A luta na Ucrânia não era sobre os mercados. Os russos tomaram a Crimeia, não por causa dos mercados (a Crimeia não é um grande mercado), mas por considerações militares estratégicas. Eles não podiam permitir que sua grande base naval em Sebastopol caísse nas mãos dos nacionalistas ucranianos (isto é, da OTAN). Putin realmente não quer o Donbass, o que representaria uma drenagem colossal dos recursos da Rússia. Isso também é por considerações geopolíticas. É uma luta entre o imperialismo americano e o imperialismo russo pelo controle dessas áreas.

Estes são casos claros de... quê? Concordamos que o regime russo está completamente podre, podre até o âmago. Mas o fato de um regime ser podre e reacionário significa necessariamente que é um regime fraco ou que não pode ser imperialista? Isso não bate de jeito nenhum. O czarismo também foi um regime podre – o regime de Rasputin. Mas também era um estado imperialista impressionante.

Putin é um gângster, mas isso significa que ele é impopular? Não, não significa. No momento, ele tem cerca de 80% de apoio nas pesquisas. Mesmo admitindo certa manipulação, todos os comentaristas burgueses têm que admitir que ele continua popular, especialmente entre os trabalhadores. Claro, entendemos que isso se transformará em seu oposto em um determinado estágio. Mas, por enquanto, a política de Putin de chutar os americanos é popular na Rússia. Ele está se saindo muito bem ao confrontar o imperialismo americano.

Esses fatos só podem levar à conclusão de que a Rússia hoje é um estado imperialista, embora seja mais semelhante ao antigo imperialismo de estilo czarista do que à China contemporânea ou aos EUA. A participação da Rússia na economia capitalista mundial é limitada, principalmente confinada ao comércio de petróleo e gás. Mas está intervindo ativamente fora de suas fronteiras, tanto militar quanto diplomaticamente, e está constantemente entrando em conflito com os Estados Unidos, o que, às vezes, ameaça se transformar em um confronto militar direto. Como então se pode dizer que a Rússia é dependente do imperialismo americano?

Embora não tenha realmente força econômica ou militar para desafiar os EUA na arena mundial, busca ter sua própria política externa independente e quer negociar com os EUA a partir de uma posição de força. Escusado será dizer que este confronto não contém um átomo de conteúdo progressista. Já não basta dizer que a Rússia é uma potência imperialista regional. A intervenção na Síria prova isso. Comentando sobre isso, The Economist (14.5.2016) afirma:

“A Rússia hoje dificilmente se parece com a mera ‘potência regional’ como Barack Obama uma vez a apelidou. Qualquer caminho para a paz na Síria passa agora por Moscou. ‘Somente a Rússia e os Estados Unidos da América estão em condições de parar a guerra na Síria, embora tenham interesses e objetivos políticos diferentes’, escreveu Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior da Rússia, em um artigo recente.

A intervenção da Rússia na Síria mudou decisivamente a situação militar. Na Síria, é Moscou que decide e os americanos foram obrigados a aceitar isso. No entanto, a intervenção da Rússia em escala mundial é limitada em seus objetivos, que são principalmente de caráter militar-diplomático. Seu principal objetivo é impedir que os EUA intervenham no que consideram suas esferas de influência e forçar os americanos a reconhecê-la como uma potência mundial que não deve ser dada como garantida. O caso da China, no entanto, é muito diferente.

China

A China, como a Rússia, também mostra a completa correção da teoria da revolução permanente. A degenerada burguesia chinesa teve mais de 20 anos para realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa, mas não foi capaz de estabelecer a unificação da China ou travar uma guerra vitoriosa contra o imperialismo japonês, muito menos realizar uma séria reforma agrária.

Foi precisamente a falência do capitalismo chinês e a necessidade premente das massas de um caminho a seguir que deram origem ao fenômeno do bonapartismo proletário. Isso se deveu a vários fatores diferentes: em primeiro lugar, ao completo impasse do capitalismo nos países atrasados ​​e à incapacidade da burguesia colonial de mostrar um caminho a seguir; em segundo lugar, à incapacidade do imperialismo de manter seu controle pelos velhos meios de governo direto militar-burocrático e, por último, mas não menos importante, ao atraso da revolução proletária nos países capitalistas avançados.

No entanto, a fraqueza do fator subjetivo na China – a ausência de um Partido Bolchevique-Leninista – e a existência de um poderoso regime de bonapartismo proletário na União Soviética fizeram com que a Revolução Chinesa fosse deformada desde o início. No entanto, a nacionalização das forças produtivas e a introdução de uma economia planificada, ainda que em bases burocráticas distorcidas, permitiram à China avançar rapidamente, lançando as bases para uma economia industrial moderna com uma classe trabalhadora numerosa e educada.

Este não é o lugar para discutir as razões da restauração capitalista na China. Já fizemos isso em outros lugares. Basta dizer que a política de autarquia de Mao (a variante chinesa do socialismo em um só país) levou a China a um beco sem saída. Após a morte de Mao, uma seção da burocracia chinesa liderada por Deng Xiaoping tentou resolver o impasse do sistema econômico burocrático por meio de reformas a partir de cima e de integração na economia mundial.

Sob o controle de uma casta burocrática parasita, a lógica dessa política conduzia inevitavelmente na direção do capitalismo. Como a burocracia russa, os privilegiados funcionários chineses transformaram-se em ricos empresários ao saquear os bens do Estado. Mas, ao contrário de seus colegas russos, eles mantiveram o controle firmemente nas mãos do Partido “Comunista”. Eles procederam gradualmente, passo a passo, e conseguiram evitar o tipo de colapso catastrófico que ocorreu na Rússia.

Do ponto de vista das massas, a restauração capitalista na China representa um revés histórico. Mas o sofrimento e a superexploração dos trabalhadores chineses não significa que não houve desenvolvimento das forças produtivas, assim como o sofrimento e a superexploração dos trabalhadores britânicos não significam que não houve desenvolvimento das forças produtivas na época da Revolução Industrial. Pelo contrário, é precisamente a partir dessa superexploração que o capitalismo se desenvolve e prospera. Esse era o caso na época de Marx e ainda é o caso hoje, seja na China ou em qualquer outro lugar.

A China pôde se beneficiar de um boom na economia mundial e de um influxo maciço de investimento estrangeiro de capitalistas americanos, japoneses e europeus, ansiosos por colocar as mãos na mais-valia extraída da mão de obra chinesa barata. Consequentemente, a China experimentou um período de rápido crescimento econômico que durou até recentemente. Os números da força de trabalho mundial na indústria, em 2013, mostram que o proletariado industrial global era de 725 milhões. Destes, 106 milhões estavam nos países industrializados avançados. 250 milhões estavam no leste da Ásia. Como proporção da força de trabalho industrial geral, os trabalhadores industriais nas economias desenvolvidas representavam menos de 15% da classe trabalhadora industrial mundial. No leste da Ásia era perto de 35% da classe trabalhadora industrial. E grande parte disso é representado pela China.

Pode-se dizer que os camponeses são pobres e os trabalhadores, explorados. Isso é tudo perfeitamente verdade. As massas são sempre exploradas, inclusive nos países imperialistas. Mas isso não nos diz nada sobre o nível de desenvolvimento econômico. Os marxistas não abordam a história de um ponto de vista moralista ou sentimental. Marx disse que o capitalismo entrou no palco da história pingando sangue por todos os poros, e isso é bem verdade. Mas o mesmo Marx disse também que o desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo foi um desenvolvimento progressista porque fortaleceu o proletariado e criou a base material para avançar para um estágio superior da sociedade: o socialismo.

Do ponto de vista marxista, o desenvolvimento das forças produtivas na China é positivo porque significa o fortalecimento da classe trabalhadora, apesar de ter sido alcançado através da exploração brutal em fábricas semelhantes às que existiam na Grã-Bretanha nos dias de Marx e Dickens. O que quer que se possa dizer sobre a China hoje, uma coisa é clara até para um cego: a China atual não tem relação com a velha China que era uma semi-colônia pobre, atrasada e escravizada do imperialismo. Pelo contrário, é a segunda nação industrial mais poderosa do mundo com um exército poderoso. Que possível paralelo se pode traçar entre isso e a China de Chiang Kai-shek antes de 1949?

Crescimento do poder econômico da China

A China emergiu com importantes corporações multinacionais próprias. Entre as 75 maiores empresas em escala global, 12 são chinesas. A Sinopec, uma refinaria de petróleo, é a número dois. China National Petroleum é o número quatro. O Banco Industrial e Comercial da China é o número 18. O Banco de Construção da China é o número 29 e, em seguida, há empresas de construção, telefonia móvel, telecomunicações, automóveis e ferrovia.

É verdade que a China conta com a presença de um número significativo de corporações multinacionais de outros países. Algo como 450 das 500 maiores empresas do mundo operam na China, mas a China também tem suas próprias corporações, e elas são apoiadas pelo Estado. Muitas delas são estatais e os bancos controlados pelo Estado lhes fornecem empréstimos e capital. Além disso, a presença de monopólios estrangeiros na China não prova, por si só, que seja uma “nação dependente”.

A exportação de capital ocorre regularmente entre países capitalistas avançados (imperialistas). Esta é uma característica normal do capitalismo na fase do imperialismo. O caso da Grã-Bretanha é um exemplo muito marcante desse processo. A antiga “oficina do mundo” esteve em um prolongado estado de declínio no último século. Esse declínio chegou ao ponto em que a indústria manufatureira britânica praticamente deixou de existir. Quase toda a indústria na Grã-Bretanha é agora propriedade de capitalistas estrangeiros – não apenas americanos, alemães e japoneses, mas também chineses e indianos. Isso significa que o Reino Unido é uma “nação dependente”? Claro que não. Ainda menos a China pode ser colocada nessa categoria.

Na edição de 2015 da lista Fortune 500 havia 98 empresas chinesas e 127 empresas americanas. Em 2000 havia apenas dez empresas chinesas e, em 2010, eram 46 enquanto os EUA, em 2000, tinham 179. Em 2006, os cinco bancos mais importantes do mundo eram todos das potências imperialistas tradicionais (EUA, Reino Unido, etc...). Mas, em março de 2009, as três primeiras posições já estavam ocupadas por bancos chineses e continua assim.

A prova mais contundente de que a China chegou a um estágio imperialista de desenvolvimento é a atual crise de superprodução. A China produz mais de 50% de todo o alumínio do mundo. Isso está levando a um colapso dos preços mundiais, empurrando os concorrentes para a crise. A sobrecapacidade chinesa no refino de petróleo é estimada em 200 milhões de toneladas, e “em 2014, acreditava-se que as refinarias chinesas estavam operando com apenas dois terços da capacidade”. Consequentemente “as exportações de gás e petróleo aumentaram 79%” em 2015 e “as exportações líquidas totais de todos os produtos petrolíferos vão aumentar 31% este ano”. O excesso de capacidade das empresas químicas chinesas “varreu os lucros dos rivais japoneses” na indústria do poliéster. (Ibid.)

Mao sonhava em ultrapassar a Grã-Bretanha e os Estados Unidos na produção de aço. De fato, a China produz tanto aço (803 milhões de toneladas em 2015) quanto o resto do mundo (1,599 bilhão de toneladas), e seu excesso de capacidade (400 milhões de toneladas) está destruindo as indústrias de seus concorrentes em todo o mundo. Em abril deste ano, segundo a World Steel Association, a China produziu 69,4 milhões de toneladas de aço bruto, mais do que as 65,5 milhões de toneladas produzidas pelo resto do mundo.

A economia chinesa se desenvolveu mais rápido do que qualquer outra nas últimas duas décadas e atingiu um nível tecnológico muito alto em certas indústrias e áreas, mas a produtividade média do trabalho continua muito atrás da dos EUA e da Europa, e até da Rússia. A produtividade chinesa do trabalho cresceu em média 8,5% ao ano desde 1996. Dependendo da medida utilizada, a produtividade chinesa é de cerca de um quarto da dos EUA (em produtividade do trabalho por pessoa empregada ajustada para PPP, os valores são $ 26.793 vs $ 118.826), mas o poder de um país na arena mundial não é decidido puramente com base nos níveis médios de produtividade; caso contrário, Luxemburgo e Noruega estariam entre as principais potências imperialistas.

A questão que deve ser respondida é: a economia chinesa se desenvolveu a ponto de ter monopólios poderosos, superprodução e, consequentemente, excedente de capital, e uma preponderância de instituições financeiras que facilitam a exportação de capital, e não apenas de commodities? Devemos responder afirmativamente. Mas depois de vinte e cinco anos desse crescimento, a economia chinesa agora se deparou com as contradições fundamentais do capitalismo. A superprodução global foi enormemente exacerbada pela superprodução na economia chinesa.

Entre 2011 e 2013, a China despejou quase 50% mais cimento do que os EUA em todo o “século americano”. A China é o maior fabricante do mundo, “responsável por quase um quarto do valor agregado global neste setor” (The Economist, 12.9.2015). A indústria de carvão da China, quase tão grande quanto a do resto do mundo juntos, “poderia ter 3,3 bilhões de toneladas de excesso de capacidade dentro de dois anos” (The Economist, 9.4.2016), o que significa que a utilização da capacidade é apenas pouco mais de 50% desde que o consumo doméstico é de 4 bilhões de toneladas por ano. Naturalmente, é obrigado a exportar muito desse carvão excedente.

Apavorada que seu excesso de capacidade leve ao desemprego em massa em casa, a classe dominante chinesa pretende exportar seu desemprego para outros lugares, lutando para garantir a seus produtores a maior fatia de mercado possível. Isso está exacerbando as contradições da economia capitalista mundial, criando uma reação contra a China que está preparando o terreno para medidas protecionistas e futuras guerras comerciais. Os capitalistas ocidentais estão reclamando que o Estado chinês protege suas próprias indústrias, fornecendo-lhes capital, o que as torna mais competitivas. Isso é considerado negociação “injusta”. As tendências protecionistas estão se fortalecendo. As tensões entre os EUA e a China estão cada vez mais acentuadas.

A exportação de capital

Lenin explicou que uma das principais características definidoras do imperialismo era a exportação de capital, distinta da forma inferior, a exportação de mercadorias. A China é um grande exportador de capital. Não é apenas o maior fabricante do mundo, mas também o maior comerciante do mundo. Desde 2009 é o maior exportador e desde 2014 o maior comerciante global. Isso se reflete nos portos mundiais e nas instalações de navegação, a infraestrutura-chave para o comércio mundial.

A China é, de fato, um dos maiores exportadores de capital do mundo. “Em apenas uma década, o OFDI [Investimento estrangeiro direto no exterior] chinês passou de praticamente nada para mais de US$ 100 bilhões por ano, lançando-a entre os três maiores exportadores de investimento direto globalmente.” (FT, 25.6.2015.) Grande parte do capital exportado pela China é para os EUA e é uma indicação do declínio relativo dos EUA como potência imperialista, que agora é um importador líquido de capital. No entanto, esse declínio é de caráter relativo, não absoluto. Os EUA ainda são a maior potência imperialista do mundo. Mas a China emergiu como um novo e poderoso Estado imperialista por direito próprio.

Isto é o que The Economist diz sobre a questão da exportação de capital: “Desde a década de 1970, o comércio através do Pacífico ultrapassou em muito o do Atlântico... Segundo uma estimativa em 2010, a China prometeu mais empréstimos à América Latina que o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco de Importação e Exportação dos EUA combinados”.

Isso representa uma exportação maciça de capital chinês. E o artigo continua: “A China interrompeu o investimento e o comércio com vizinhos que fazem frente à sua assertividade territorial, como Japão, Filipinas e Vietnã”. Ou seja, a China está usando seu peso econômico para impor sua vontade a outros países. A China está construindo oleodutos, ferrovias e estradas na região principalmente para abastecer sua própria economia com matérias-primas.

Mas a China já sofre com as contradições inerentes ao capitalismo. Há um enorme excedente de capital na China. Há um desincentivo para investir em mais produção fabril, pelo menos de menor valor, em casa, uma vez que essas indústrias já chegaram a um estado de excesso de capacidade crônico. As bolhas especulativas no setor da habitação e no mercado de ações também são evidências de um excedente de capital chinês em busca de uma via lucrativa fora da manufatura doméstica.

A China não está apenas exportando capital para países menos desenvolvidos, mas também para países capitalistas avançados. Quatro anos atrás, uma das empresas estatais de energia da China comprou a Nexen do Canadá por US$ 15 bilhões. Mais recentemente, David Cameron e a burguesia britânica se precipitaram rastejando diante de Xi Jinping durante sua visita de Estado a Londres em uma tentativa desesperada de obter mais investimento e mais comércio chinês, em um momento em que milhares de empregos britânicos estavam sendo destruídos pelo dumping do aço chinês.

De acordo com dados de 2013, a China possui o primeiro (Xangai), terceiro (Shenzhen), quarto (Hong Kong), sexto (Ningbo-Zhoushan), sétimo (Qingdao), oitavo (Guangzhou) e décimo (Tianjin) portos de contêineres mais movimentados do mundo. Os Estados Unidos não têm nenhum entre os dez primeiros – seu primeiro porto que entra na lista é o Los Angeles em 18º lugar! Estima-se que até 2030 a China será proprietária de um terço dos navios porta-contêineres do mundo. 30% do volume de exportações em contêineres do mundo é proveniente da China, que é três vezes a quantidade dos EUA.

Em 1964, os EUA tinham a maior marinha mercante do mundo (a coleção de navios necessários para o comércio), agora foram relegados ao décimo quarto lugar, com a China em segundo lugar. Esta posição inatacável no comércio mundial pode e deve levar a desenvolvimentos imperialistas em termos de exportação de capital, especialmente porque os custos do trabalho na China aumentam rapidamente.

Uma estatística fala mais alto do que qualquer outra para provar que a China está envolvida na exportação de capital. Em 2014, o investimento direto externo chinês ultrapassou seu investimento direto estrangeiro. Isso significa que, pela primeira vez, a China investiu mais em outros lugares do que se investiu no país de outros lugares.

Lenin explicou como a exportação de capital excedente tendia a estar intimamente ligada aos interesses estratégicos da potência imperialista, em vez de ser apenas um meio de obter lucros para uma determinada empresa. Ele deu o exemplo de como os bancos alemães “desenvolveram sistematicamente a indústria petrolífera na Romênia, por exemplo, para ter uma base própria”.

Este é um produto da tendência crescente dos monopólios gigantes de desenvolver conexões estreitas com o Estado. Assim como o capitalismo alemão, excluído dos mercados de petróleo estabelecidos pelos concorrentes americanos, obteve ajuda estatal para encontrar mercados de petróleo em outros lugares, o capital chinês está usando suas montanhas de dinheiro e sua influência comercial para construir e desenvolver mercados alternativos de energia e matérias-primas e rotas comerciais.

Relações econômicas entre a China e os Estados Unidos

A partir de 2013, a China tornou-se o terceiro maior exportador para os Estados Unidos de produtos agrícolas, aeronaves, máquinas e veículos, compreendendo US$ 122,1 bilhões. É também o maior importador para os EUA, com receitas totalizando US$ 440,4 bilhões. No geral, a China responde por aproximadamente 8% da receita do índice Standard & Poor's 500.

No passado, um país dependente oprimido estaria fortemente endividado com seus amos imperialistas. Essa era a indicação mais clara de seu status de dominado. A Rússia czarista, por exemplo, estava fortemente endividada com a França e outras nações imperialistas. Mas, no caso da China, essa relação está de cabeça para baixo. A rápida ascensão da manufatura e o sucesso da China nos mercados mundiais deram a ela as maiores reservas de divisas do mundo.

Em comparação com outras nações estrangeiras, a China é o maior proprietário estrangeiro de títulos do Tesouro dos EUA, que totalizaram US$ 1,224 trilhão em fevereiro de 2015, sendo o segundo o Japão. É também o maior investidor dos EUA. A China agora detém a mesma quantidade de títulos estrangeiros que o Japão, que é certamente um país imperialista. Entre eles, esses dois países possuem aproximadamente metade do total mundial de títulos retidos por estrangeiros.

A dívida de propriedade japonesa não desperta a mesma hostilidade que a dívida de propriedade chinesa, porque o Japão é visto como uma nação mais amigável. Os japoneses não têm o hábito de construir ilhas no Mar da China Meridional ou de desafiar a hegemonia americana de outras maneiras. Mas a China é vista com um misto de inveja, suspeita e medo.

Os credores chineses compraram títulos do Tesouro dos EUA em parte porque a China quer manter o yuan atrelado ao dólar para reduzir o custo das exportações chinesas. Os chineses necessitam do mercado americano para vender seus produtos e manter os negócios funcionando. Ademais, como o dólar é visto como uma das moedas mais seguras, os chineses acreditam que esse vínculo garantirá a estabilidade do yuan.

A China tem interesse em manter o yuan mais fraco que o dólar para garantir que seus preços de exportação permaneçam competitivos. Essa estratégia garantiu que a China pudesse exportar mais do que qualquer outra nação do mundo. O yuan fraco foi um elemento que permitiu manter um aumento anual de 10% em seu produto interno bruto (PIB) por 30 anos. Por enquanto, a crença mundial no dólar fornece uma certa rede de segurança para o yuan. Mas isso pode não durar. A certa altura, é perfeitamente possível que a China queira enfraquecer a ligação entre o yuan e o dólar, ou mesmo permitir que o yuan flutue.

Em princípio, esses empréstimos são resgatáveis ​​em dólares. Em caso de necessidade, os chineses poderiam reclamar suas dívidas em troca de dólares. Em 2013 e 2014, a China causou alarme quando começou a comprar muito ouro para armazenar em seus cofres bancários. Isso já expressava uma preocupação crescente com a estabilidade futura do dólar. A China passou os primeiros meses de 2015 vendendo dívidas e solicitando empréstimos, diminuindo seu total para menos de US$ 1,2 trilhão. Isso foi um aviso do que estava por vir.

Como a China é o maior proprietário estrangeiro de títulos, títulos e notas do Tesouro dos EUA, uma quebra no mercado de ações chinês levaria o governo chinês a começar a vender esses títulos para reduzir sua própria dívida. Isso provocaria uma queda instantânea do dólar americano, forçando o Federal Reserve a aumentar as taxas de juros, provocando uma recessão. A China não estaria disposta a seguir esse caminho, já que um dólar em queda elevaria o valor do yuan, aumentando os preços das exportações chinesas e, assim, aprofundando a crise na China. No entanto, tal cenário é possível no futuro e alarma os americanos.

Todos os políticos americanos expressaram preocupação com a extensão das dívidas que o governo dos EUA deve aos credores chineses. Isso coloca a relação entre o imperialismo e as colônias de cabeça para baixo. Desde quando uma nação pobre e dependente subscreveu as dívidas da mais poderosa potência imperialista da Terra?

O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura

Outro exemplo do impulso da China para se tornar uma potência mundial foi o lançamento do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB). Se Lênin estava certo de que a exportação de capital excedente é uma das características definidoras do imperialismo moderno, então o fato de a China investir centenas de bilhões de suas reservas cambiais em um banco de investimento internacional ligado à realização de seus interesses estratégicos é uma prova clara da natureza imperialista da China. O lançamento do AIIB é significativo não apenas para a exportação de capital, mas também para seu triunfo diplomático no cenário mundial. A oferta foi estendida muito além da Ásia.

Publicamente, os Estados Unidos dizem que saúdam a ascensão da China ao status de grande potência, desde que os chineses respeitem as normas internacionais e desempenhem um papel adequado no “sistema multilateral”. Mas, na prática, sempre que a China faz alguma coisa no cenário mundial, os EUA tentam cercá-la. Os Estados Unidos têm sistematicamente impedido a China de aumentar sua participação em órgãos financeiros internacionais como o FMI. Mesmo uma proposta modesta para aumentar os recursos do FMI (dando um pouco mais de votos à China) foi frustrada por anos no Congresso. Os Estados Unidos também frustraram os esforços para aumentar o peso da China no Banco Mundial. Também excluíram a China de seu acordo de livre comércio da Parceria Transpacífico.

Vimos isso no caso do AIIB, onde, como de costume, a América adotou uma política de contenção, mas isso falhou na prática. Nos bastidores, os americanos pressionaram seus aliados a não se juntarem a ele. Quando a Grã-Bretanha se tornou o primeiro país fora da Ásia a se candidatar à adesão, uma autoridade americana reclamou de sua tendência de “acomodação constante” com a China. Mas isso não impediu que Alemanha, França e Itália anunciassem que também queriam ser membros fundadores. Todos os países europeus da OTAN se inscreveram. O único país que se recusou a aderir ao AIIB foi o Japão. É interessante notar a atitude da Rússia em relação ao AIIB. Eles se juntaram a ele e se tornaram os terceiros maiores interessados. Putin convidou o AIIB para investir na Rússia. Em geral, a política externa da Rússia converge com a China quando se trata de confrontos com os EUA.

Uma característica da exportação de capital descrita por Lenin foi a tendência de empréstimos e investimentos envolverem outros monopólios vinculados do país imperialista. A Grã-Bretanha ou a França emprestariam dinheiro a um país para desenvolver sua infraestrutura sob a condição de que os empréstimos fossem gastos em empresas britânicas e francesas, de modo que o estado imperialista se beneficiasse duas vezes – uma vez dos pagamentos de juros e novamente dos contratos em que esses empréstimos eram gastos.

Essa característica também está sendo repetida pelo Estado chinês, que vê as oportunidades de investimento que o cercam como forma de manter as fábricas abertas e os trabalhadores empregados: “O crescimento da construção está desacelerando e a China não precisa construir muitas novas vias expressas, ferrovias e portos, então eles têm que encontrar outros países que o façam… Um dos objetivos claros é conseguir mais contratos para empresas de construção chinesas no exterior.” (Financial Times, 12.10.15.)

Já em 2016, houve mais de US$ 100 bilhões em fusões e aquisições transfronteiriças por empresas chinesas – um terço do total global. As exportações de capital chinês envolvem tanto empresas estatais quanto o setor privado. Todos os fenômenos que descrevemos aqui são típicos do imperialismo.

China e América Latina

Nas últimas décadas, houve um aumento maciço no comércio entre a Ásia e a América Latina. A Ásia ultrapassou a UE como o segundo maior parceiro comercial da América Latina depois dos EUA. Desse comércio, a China tem, de longe, a maior participação. No caso do Brasil, Chile e Peru, a China ultrapassou os EUA como o maior parceiro comercial. E qual é a natureza desse comércio? A China vem exportando mercadorias para a América Latina e trazendo de volta recursos naturais. Isso é o oposto do que se esperaria de uma economia dependente subdesenvolvida. É de fato típico da relação de um país imperialista com economias mais subdesenvolvidas.

E o papel da China na Venezuela? Nenhum país empresta dinheiro à Venezuela, exceto os chineses. E isso leva o capital financeiro chinês a ter um grande impacto na Venezuela. No passado, quando os preços do petróleo estavam altos, a Venezuela pagava o dinheiro de volta em petróleo e isso era calculado em média abaixo do preço mundial do petróleo para que os chineses consumissem o petróleo de que precisavam e vendessem o restante, obtendo lucro. Nessa relação, a maior parte do lucro foi para os chineses. Mas isso não é mais possível.

Os chineses não têm mais capacidade de consumir todo o petróleo que a Venezuela envia à China em troca de dinheiro e não é mais lucrativo vender o excesso de petróleo porque os preços estão muito baixos. Assim, a forma como os chineses recuperam o dinheiro dos empréstimos é através da criação de zonas econômicas especiais. Isso é o que se poderia chamar de Chineizificação da Venezuela.

Nestas zonas econômicas especiais não são pagos impostos. As empresas que investem nessas áreas não precisam estar no cadastro fiscal. Nem a democracia burguesa se aplica a essas áreas. O Presidente nomeia um governador local de cima e as leis trabalhistas dependem do governador. Isso não é muito diferente do que o FMI proporia. O que mostra a natureza imperialista da China é que essas concessões são orientadas para beneficiar o capital chinês.

Essas empresas são de capital misto: chinesas e venezuelanas. Mas são criadas com base em empréstimos da China e o restante dos empréstimos concedidos à Venezuela destina-se à compra de produtos chineses. Por exemplo, há um ano, a Venezuela comprou 10.000 táxis chineses. Esta é uma mercadoria que não é uma prioridade para o país neste momento, mas a China teve uma superprodução de táxis e foi a Venezuela que os comprou.

China na África

A China vem expandindo seu papel na África. O seu investimento em vários países como Nigéria, Angola e Gabão, superou o de seus homólogos ocidentais, construindo ferrovias e estradas, assumindo mineração, petróleo etc. A China é agora o maior parceiro comercial da África. A parcela das exportações da África que a China recebe subiu de um para 15% na última década, enquanto a participação da União Europeia caiu de 36% para 23%.

Para a China, a África representa uma fonte importante de matérias-primas, um mercado para produtos baratos fabricados na China e oportunidades de investimento em infraestrutura, especialmente em mercados potenciais onde as empresas ocidentais são dissuadidas por considerações políticas, como sanções ou instabilidade política. A China está ativamente engajada na exploração dos ricos recursos naturais da África, especialmente petróleo bruto, do qual a China é agora o segundo maior consumidor do mundo, com mais de 25% de suas importações de petróleo provenientes do Sudão e do Golfo da Guiné. Quase todos os países africanos hoje têm exemplos da presença da China: campos de petróleo no leste, fazendas no sul, minas no centro do continente etc.

A relação entre a China e a África é um caso absolutamente clássico de exploração colonial. Este fato foi comentado por muitos observadores, especialmente pelos sindicatos africanos. A seção África da Federação Internacional de Trabalhadores Têxteis, Vestuário e Couro, que representa os sindicatos da África do Sul, Zimbábue, Moçambique, Lesoto, Suazilândia e Zâmbia, comentou sobre o fato da China inundando os mercados africanos. Eles dizem o seguinte: “Cada vez mais, o padrão de comércio entre o continente africano e a China está se tornando colonial, com países africanos exportando matérias-primas para a China e importando produtos acabados”.

A China assumiu o controle dos recursos naturais africanos usando mão de obra e equipamentos chineses sem transferir habilidades e tecnologia para a África. Lamido Sanusi, o governador do Banco Central da Nigéria, escreveu no Financial Times: “A China pega nossos bens primários e nos vende manufaturados. Esta foi também a essência do colonialismo”. Ele acrescentou: “A África deve reconhecer que a China – como os EUA, Rússia, Grã-Bretanha, Brasil e o resto – está na África não pelos interesses africanos, mas pelos seus próprios”.

Os imperialistas chineses exploram e oprimem brutalmente os trabalhadores africanos, os trabalhadores chineses vivem em campos fechados e são mantidos separados dos trabalhadores locais, embora muitas vezes tenham que trabalhar com eles durante o horário de trabalho. Tem havido muitos relatórios denunciando uma atitude abertamente racista em relação aos trabalhadores africanos que são tratados pouco melhor do que escravos... A Zâmbia com todo o seu cobre e pedras preciosas tem sido especialmente atraente para a China porque permitiu que os investidores levassem seus lucros para o exterior. Um relatório da Human Rights Watch disse que os proprietários chineses de minas de cobre na Zâmbia violam regularmente os direitos de seus funcionários ao não fornecer equipamentos de proteção adequados e não garantir condições de trabalho seguras.

Quando os funcionários zambianos da Collum Coal Mine, de propriedade chinesa, protestaram, seus gerentes chineses dispararam tiros contra os mineiros, ferindo treze deles. Depois que os interesses comerciais chineses pressionaram o então governo em Lusaka, o diretor do Ministério Público de repente desistiu de seu processo criminal contra os gerentes. Mais tarde, centenas de mineiros que protestavam em Collum mataram um gerente chinês e feriram outros dois supervisores chineses. Estes estão longe de ser casos isolados.

A “Nova Rota da Seda”

O primeiro projeto confirmado do AIIB está ligado aos interesses estratégicos da China. É para financiar três dos projetos “One Belt, One Road”: financiar a construção de estradas-chave no Paquistão, Tajiquistão e Cazaquistão. Por meio do AIIB e de bancos estatais chineses, a China planeja investir US$ 46 bilhões iniciais em estradas e em um porto importante em Gwadar. O projeto é chamado de Corredor Econômico China-Paquistão, e a China convenceu o estado paquistanês a fornecer a segurança para este projeto, com 10.000 de seus soldados protegendo a construção de “terroristas” e dos milhares de camponeses que serão despejados de suas terras.

O Financial Times (12.10.15) disse que o projecto Rota da Seda é o maior ato de diplomacia econômica desde o Plano Marshall lançado pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e, para o financiar, os bancos estatais chineses vão receber uma injecção de capital das reservas cambiais de US$ 60 bilhões. Estende-se até a Nigéria e o Zimbábue, que receberão US$ 5 bilhões em investimentos para as ferrovias necessárias para se integrarem a este “One Belt, One Road”.

Este é talvez o exemplo mais claro das aspirações expansionistas da China. O maior parceiro comercial da China fora da Ásia é a UE. A China decidiu que é do seu interesse estratégico desenvolver rotas comerciais ao longo da rota terrestre para o Oriente Médio e Europa. Isso ligaria países com uma população de cerca de três bilhões de pessoas. O projeto Silk Road como um todo deve custar um trilhão de dólares.

O Corredor Econômico China-Paquistão, de acordo com seus planejadores, é um megaprojeto que visa conectar o porto de Gwadar, no sudoeste do Paquistão, à região autônoma chinesa de Xinjiang como uma extensão da iniciativa da Rota da Seda da China. Isso deve trazer benefícios ao Paquistão em transporte, infraestrutura, telecomunicações e energia. Na realidade, trata-se de um plano para transformar o Paquistão em um satélite chinês.

A China obterá mais benefícios abrindo rotas comerciais para a China Ocidental e fornecendo à China acesso direto à região rica em recursos do Oriente Médio através do Mar da Arábia, ignorando rotas logísticas mais longas atualmente através do Estreito de Malaca. Incluirá a construção de rodovias, ferrovias e gasodutos e oleodutos que ligam a China ao Oriente Médio. A participação da China em Gwadar também permitirá expandir sua influência no Oceano Índico, uma rota vital para o transporte de petróleo entre o Atlântico e o Pacífico.

Esses fatos revelam claramente que esse projeto é basicamente desenhado pela elite chinesa para servir aos interesses geopolíticos e estratégicos do Estado chinês. Este projeto é contestado pelo imperialismo norte-americano e também por uma parte importante dos nacionalistas balúchis. Não traz nenhum benefício para os habitantes de Gwadar que vivem e trabalham em condições desesperadoras. Pelo contrário, estão sendo privados de seus direitos na área. Há também ressentimento em Sindh e outras nacionalidades através das quais esse “corredor” não foi encaminhado.

O comércio da China com a Ásia Central já havia alcançado US$ 50 bilhões em 2013, suplantando a Rússia como o parceiro comercial número um da região (um aumento de 50 vezes em relação a US$ 1 bilhão em 2000). A China já conquistou esta região economicamente e está em processo de fazê-lo politicamente. O Financial Times cita um importante economista europeu dizendo que “Eles [a China] estão cada vez mais ativos em todos os setores [da Ásia Central] e você simplesmente não consegue ver o capital ocidental ou o capital russo tomando seu lugar”. O mesmo artigo continua:

“No Cazaquistão, as empresas chinesas possuem algo entre um quinto e um quarto da produção de petróleo do país – aproximadamente a mesma proporção que a empresa nacional de petróleo. No Turcomenistão [a China responde] por 61% das exportações no ano passado… o vice-ministro das Finanças tadjique no ano passado disse ao FT que Pequim investiria US$ 6 bilhões no Tajiquistão nos próximos três anos – um valor equivalente a dois terços do PIB anual do país.”

O artigo então cita uma declaração imperialista clássica de Liu Yazhou, general do Exército de Libertação Popular, que chamou a Ásia Central de “um rico pedaço de bolo dado pelo céu ao povo chinês de hoje”. (Financial Times, 14.10.15.)

Xi Jinping está buscando criar um novo cinturão econômico entre a China e o mundo através do Cazaquistão. A grande dificuldade apresentada pela Ásia Central é que sempre foi a esfera de influência da Rússia, e Putin tem a intenção de restabelecer o poder da Rússia. Isso explica em parte o acordo firmado entre a Rússia e a China, pelo qual Putin tentou derrotar as sanções impostas pelo Ocidente após a aquisição da Crimeia pela Rússia.

A Rússia parece estar cedendo a liderança econômica na região em troca de liderança militar. Tornou-se um membro ativo da Organização de Cooperação de Xangai, liderada pela China, uma associação asiática de “segurança” que Putin parece ver como uma possível sequência do Pacto de Varsóvia. A indústria de armas da Rússia e a aliança com a China a colocariam em uma posição perfeita para desempenhar o papel militar de liderança neste novo “Bloco Oriental”.

Mar da China Meridional

Não há escassez de material combustível na região, como o são as tensões nacionais dentro e entre as nações. O Vietnã, assim como a Coréia do Sul e Taiwan, estão agora em uma posição de equilíbrio entre os EUA e a China. Com o tempo, o peso da China nesse equilíbrio certamente só aumentará.

Essas pressões políticas na Ásia ameaçam desestabilizar a região. A prova mais dramática das ambições imperiais da China foi sua campanha de construção de ilhas no Mar da China Meridional. Isso está ligado à agressiva reivindicação da “linha de nove pontos” da China sobre este mar. Isso expressa o objetivo da China de arrancar o controle dos mares do Sul e Leste da China dos EUA, dando à China uma posição mundial poderosa.

78% do suprimento vital de petróleo da China é importado através do Estreito de Malaca, mas a marinha dos EUA, juntamente com suas “colônias” no Sudeste Asiático, tem controle estratégico aqui. Em uma guerra ou outra crise, a China pode ser privada de petróleo e de acesso a seus mercados de exportação em um instante. É evidentemente do seu interesse estratégico encontrar uma maneira de contornar isso construindo ilhas artificiais que criou em cima de pequenas rochas e recifes.

Essa política, a continuar, anexaria à China os mares que cercam todas as principais nações do Sudeste Asiático. A Marinha dos EUA é a mais forte da região. Mas a China está provocando os EUA, tomando cada vez mais mar, ou mesmo construindo novas ilhas. Está testando e sondando a determinação da América. A América respondeu navegando sua marinha perto dessas “ilhas”. Em resposta aos repetidos apelos de Washington para parar de construir ilhas (e uma nova base da força aérea) no Mar da China Meridional, o Exército de Libertação Popular encomendou um novo navio logístico, o maior de todos os tempos, para abastecer suas tropas nas ilhas distantes, rochas e recifes que a China controla nas águas disputadas.

O almirante Scott Swift, da frota do Pacífico da Marinha dos EUA, disse que a China tem “a capacidade” de defender sua soberania na área, onde vem construindo ilhas e pistas de pouso em recifes contestados. Apesar disso, os chineses continuam a construir novas ilhas. E a China colocará sua segunda estação espacial, Tiangong-2, em órbita em 2016. Além de seu significado tecnológico, isso tem uma importância militar. Tudo isso mostra a crescente contradição entre a China e os EUA. Não é por acaso que Obama visitou recentemente o Japão e o Vietnã, o que a China interpretou o fato corretamente como um movimento dirigido contra si mesma.

O poder econômico gera o poder político

Lenin diz que “quanto mais o capitalismo é desenvolvido, mais fortemente a escassez de matérias-primas é sentida, mais intensa é a competição e a caça por matérias-primas em todo o mundo”. Não está claro que a China, tendo realizado a restauração capitalista, é obrigada a perseguir seus interesses em escala global em sua busca por mercados e matérias-primas? E não está igualmente claro que essa busca a está colocando em conflito, não apenas com os países vizinhos (Vietnã, Japão, Taiwan etc.), mas também com a principal superpotência, os Estados Unidos?

O aparelho estatal chinês é um produto da Revolução Chinesa de 1949. Este Estado forte e bem organizado, independente da influência imperialista, foi capaz de promover e proteger cuidadosamente uma classe capitalista em desenvolvimento. Ao longo de algumas décadas, presidiu à criação de monopólios maciços, tanto estatais quanto privados, e uma vasta acumulação de capital. Toda a história mostra que a acumulação do poder econômico deve se expressar em um determinado estágio na construção do poder político e militar. Atualmente, as principais nações desta região – Japão, Coréia do Sul, Vietnã, Tailândia, Indonésia, Malásia, Taiwan, Filipinas – são todas aliadas americanas. A economia chinesa em expansão tornou esta região a chave para o comércio mundial, mas os EUA controlam a área.

A China hoje não tem apenas uma poderosa base industrial. Ele também tem um exército poderoso. E o que eles estão fazendo ao construir ilhas no Pacífico? Eles estão fazendo isso para assumir o controle de um mar muito importante através do qual um terço do comércio mundial é transportado. Os americanos estão furiosos com isso, e o denunciam. Tudo isso é apenas teatro? Os americanos enviam navios de guerra para navegar perto dessas ilhas “para defender a liberdade de navegação”. Isso os coloca em um confronto muito próximo com os chineses. Provavelmente não levará à guerra, mas os conflitos são reais e muito sérios.

Com a única exceção do Japão, o maior parceiro comercial de todos esses países é a China, não os EUA. Essa contradição se intensificará com o passar do tempo, e algo terá que ceder. Esse processo foi visto em lugares tão distantes quanto a Nova Zelândia e o Reino Unido, tradicionalmente aliados firmes dos EUA. A Nova Zelândia disse que não assinaria o acordo comercial TPP se fosse projetado para conter e isolar a China.

O Financial Times (12.10.2015) comenta: “Embora alguns vizinhos dêem as boas-vindas ao investimento, é menos claro que desejem o excesso de capacidade da China. Muitos têm desemprego e siderúrgicas de baixo desempenho, ou ambições de desenvolver sua própria indústria em vez de importar a de outra pessoa”. Já surgiram atritos sobre os contratos com o Sri Lanka, onde o novo governo não quer honrar os acordos feitos pelo anterior.

E conclui assim:

A teoria de Lenin de que o imperialismo é impulsionado pelos excedentes capitalistas parece ser verdade, estranhamente, em um dos últimos (ostensivamente) países leninistas do mundo. Não é coincidência que a estratégia da Rota da Seda coincida com as consequências de um boom de investimentos que deixou um grande excesso de capacidade e a necessidade de encontrar novos mercados no exterior.

Se os estrategistas do Capital são capazes de ver que a China é uma nova potência imperialista representando uma ameaça crescente ao Ocidente, certamente os marxistas deveriam ser capazes de ver a mesma coisa? Lenin apontou que o equilíbrio internacional de forças está mudando constantemente e que as esferas de influência se deslocam como as placas tectônicas que se encontram sob os continentes. E, assim, como estas últimas podem produzir terremotos, a disputa entre as potências por influência pode produzir todos os tipos de crises e conflitos.

Em 2000, a China tinha 2,5 milhões de soldados para deter potenciais agressores. Mas a história da guerra nos ensina que a defesa pode ser facilmente transformada em ataque. A China é agora o maior contribuinte de forças de paz e observadores entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Eles enviaram tropas para a Libéria, Congo, Sudão, Haiti e até Líbano. Isso é algo como uma prática para intervenções militares mais sérias em solo estrangeiro em uma data posterior. A China aprovou recentemente uma lei que permite, pela primeira vez, que seus soldados sejam destacados em bases em outros países.

Xi Jinping expressou a vontade de desenvolver a capacidade marítima para se tornar uma verdadeira potência marítima compatível com a posição geoestratégica da China. Ele lista os diferentes conflitos locais que a China teve e se refere à tática lenta da China de pequenos desafios no Pacífico e na região e, eventualmente, apresentando aos países um fato consumado. Ele se refere aos planos da China de construir porta-aviões, em que ainda está muito atrás da tecnologia americana, mas mostra a direção em que estão indo.

O nível dos gastos militares pode ser visto pelo fato de que, durante 17 anos, os gastos com defesa na China aumentaram cerca de 10% ao ano. O crescente poder econômico da China deve, em certo ponto, encontrar sua expressão em termos militares. E podemos ver por esses números que está aumentando seu poder militar. O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington diz: “Ela [a China] está usando a centralidade de seu poder para persuadir outras nações de que desafiar a China em questões territoriais simplesmente não vale a pena”. Isso se refere às nações ao redor do Pacífico que oscilam entre os EUA e a China, dependendo da pressão. A China está constantemente testando o terreno para ver até onde pode ir contra o poder americano na região.

O impulso chinês para a expansão na Ásia a coloca em conflito com o Vietnã, o Japão e as Filipinas. A construção de novas ilhas para construir bases é uma provocação flagrante, não apenas para esses países, mas também para os EUA. Será que a China está construindo essas bases militares no interesse do imperialismo norte-americano? Ninguém que olhasse para os fatos reais e concretos da situação pensaria assim.

Isso significa que haverá uma guerra entre a América e a China? É possível que a China possa enfrentar o poder do imperialismo dos EUA, ou talvez suplantá-lo como a potência imperialista dominante no mundo? Nós não pensamos assim. É claro que a China carrega todas as marcas de uma nação imperialista. Mas sua ascensão tem limites definidos. Se a perspectiva global fosse um período de 20 ou 30 anos de boom mundial, então a China poderia desafiar os EUA pela supremacia em escala mundial, mas essa não é a perspectiva.

A China crescia em ritmo acelerado, mas agora esse processo parece ter chegado ao limite. O crescimento está desacelerando e a economia pode até entrar em recessão no próximo período. A desaceleração da China está de fato ameaçando arrastar a economia mundial para uma depressão. Portanto, é altamente improvável que o imperialismo dos EUA possa ser suplantado pela China em uma base capitalista. Os “especialistas” burgueses disseram coisas semelhantes sobre o Japão no passado, até que o Japão entrou em um período de estagnação econômica crônica, que dura até o presente.

Combater o imperialismo?

Escusado será dizer que devemos lutar contra o imperialismo em todas as suas formas e manifestações. No entanto, existe o perigo de que, reforçando a ideia de que o principal inimigo é o imperialismo, acabemos por capitular à burguesia nacional em cada país em um momento crítico. Tomemos um exemplo muito claro.

A Guerra das Malvinas foi uma aventura militar lançada pela Junta Argentina para desviar a atenção das massas quando foi ameaçada de ser derrubada. Paradoxalmente, os generais argentinos foram encorajados pelo fato de Lord Carrington (ministro das Relações Exteriores de Thatcher) estar negociando secretamente a entrega das ilhas disputadas à Argentina. Devemos acrescentar que até este momento os ditadores argentinos mantinham excelentes relações com Thatcher e o imperialismo britânico. Se Galtieri pudesse esperar, ele poderia ter tomado posse das ilhas sem luta. Mas ele não podia esperar.

O movimento das massas em direção à revolução o obrigou a lançar a invasão. Thatcher não podia aceitar a humilhação de uma derrota militar e enviou uma força-tarefa para recuperar as ilhas, o que eles conseguiram fazer. Que posição os marxistas deveriam ter tomado? A posição dos marxistas britânicos era se opor à guerra, que consideramos uma guerra reacionária de ambos os lados.

A natureza imperialista reacionária de Thatcher era muito clara, embora ela tentasse se esconder atrás da defesa dos ilhéus contra o regime fascista argentino (ela não havia notado isso antes!). Mas do outro lado também não havia um átomo de conteúdo progressista. A Junta reacionária usou e abusou dos sentimentos anti-imperialistas das massas para semear confusão e desviar a atenção dos crimes do regime, agitando a bandeira do patriotismo, o que temporariamente conseguiram fazer.

Qual era a posição daqueles grupos argentinos que se diziam trotskistas? Ficaram escorando o governo e apoiaram sua aventura, abandonando qualquer pretensão de posição revolucionária ou de classe. Um dos principais “trotskistas” chegou a oferecer seus serviços à Junta em sua chamada guerra contra o imperialismo. Isso foi uma traição aos princípios mais elementares do socialismo. E foi justificado pelo falso fundamento de uma “pobre nação dependente” que supostamente estava “lutando contra o imperialismo”.

Na realidade, a Junta não tinha intenção de travar uma luta séria contra o imperialismo britânico, assim como Thatcher não lutava pelos direitos da população das Malvinas. O primeiro ato de guerra contra o imperialismo seria expropriar a propriedade dos imperialistas na Argentina. Sem isso, os argentinos lutavam com uma mão amarrada nas costas. O resultado foi uma derrota humilhante, que abriu o caminho para a revolução na Argentina.

“O inimigo está em casa” – esse era o slogan de Lenin. Ele nunca sonharia em enfatizar a dependência do czarismo em relação ao imperialismo estrangeiro, mas sempre insistiu que os trabalhadores russos deveriam lutar contra sua própria burguesia. Quando a Rússia foi invadida pelo Japão em 1904, Lenin gritou: “Abaixo o imperialismo japonês?” Claro que não. Ele usou a crise para pedir a derrubada do czarismo russo. Durante a Primeira Guerra Mundial, qual foi a atitude de Lenin? “Os imperialistas alemães são nossos inimigos”, dizia. Mas nosso dever é derrubar nossa própria classe dominante. Deixem os trabalhadores alemães lidarem com o Kaiser!

Em relação à China, alguns propõem a palavra de ordem “Abaixo o imperialismo!” Mas a tarefa dos trabalhadores chineses é derrubar a classe dominante chinesa. O slogan “Abaixo o imperialismo” convida os trabalhadores chineses a dar as mãos à sua própria burguesia nacional para lutar contra os capitalistas estrangeiros. Isso não faz nenhum sentido e, se fizer, faz sentido na direção totalmente oposta. Quanto à Rússia, o slogan “Abaixo o imperialismo” é ainda mais equivocado. Vladimir Putin ficaria encantado em adotar esse mesmo slogan, já que está engajado em uma luta permanente com o imperialismo norte-americano. Mas essa é a luta entre uma gangue imperialista reacionária e outra. Não há um átomo de conteúdo progressista em nenhum dos lados.

Na verdade, o problema enfrentado pelos marxistas russos é muito difícil. A política na Rússia neste momento está fortemente polarizada, não em linhas de classe, mas em linhas nacionalistas. Por um lado, os liberais burgueses pró-ocidentais apoiam o regime reacionário de Kiev contra Putin. Por outro lado, muitas pessoas apoiam Putin contra os gângsteres e fascistas em Kiev.

A quem devemos apoiar? O problema é que muitos trabalhadores foram enganados pela demagogia anti-imperialista de Putin. Devemos, portanto, juntar-nos ao coro geral, levantando o grito de guerra: “Abaixo o imperialismo”? Isso serviria muito bem a Putin e, sem dúvida, nos renderia o aplauso dos nacionalistas russos, stalinistas e outros reacionários. Mas isso nos liquidaria completamente como uma força marxista séria. Claro que não podemos apoiar os chamados democratas liberais russos, que na prática defendem os interesses do imperialismo norte-americano e do capital internacional. Mas também não podemos apoiar a Rússia de Putin, que não é pobre nem dependente, mas uma potência imperialista motivada puramente por objetivos egoístas e cínicos.

As massas na Rússia odeiam o imperialismo. Esse ódio tem um conteúdo progressista, assim como o ódio das massas argentinas ao imperialismo. Mas assim como a Junta Argentina usou esse ódio para fins reacionários, Putin o usou para desviar a atenção dos trabalhadores de seu verdadeiro inimigo – os banqueiros e capitalistas russos. Nosso slogan na Rússia (e na China) não é “Abaixo o imperialismo” – um slogan que nestes casos é desprovido de qualquer conteúdo real – mas “Abaixo a oligarquia! Todo o poder à classe trabalhadora!”

É claro que precisamos elaborar demandas transitórias apropriadas, incluindo demandas democráticas que possam nos ajudar a alcançar os trabalhadores e a juventude. Mas, em última análise, a única solução é a revolução socialista. O capitalismo deixou de ser progressivo há muito tempo. A sobrevivência do capitalismo está preparando um desastre para a humanidade e a humanidade poderia ter progredido muito mais rápido. Nos últimos 100 anos, a humanidade pagou um preço alto: duas grandes guerras mundiais, que ocorreram pela redistribuição do poder em escala global. Essa perspectiva não está mais na agenda, mas há constantes “pequenas guerras” nas quais milhares de pessoas são massacradas todos os dias.

Pelo menos cinco milhões morreram só no Congo. A Síria caiu em um pesadelo sem fim. Milhões de pessoas foram expulsas de suas casas e estão batendo com os punhos nus contra os muros erguidos pela Europa imperialista “civilizada” para mantê-los fora. Quão certo estava Lênin quando disse que o capitalismo é um horror sem fim. O capitalismo é um sistema que atingiu seus limites e precisa ser derrubado. As forças do marxismo internacional devem crescer e se elevar às tarefas colocadas pela história.

Londres, 9 de junho de 2016.

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