Materialismo e Empiriocriticismo: introdução de Alan Woods (Parte 2)

A atividade humana nos permite compreender o mundo em que vivemos e suas leis e, portanto, em última análise, nos permite dominar essas leis, elevar-nos acima delas e alcançar a verdadeira liberdade, que é o reconhecimento (a compreensão) da necessidade.


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Não pensamos apenas com o cérebro, mas com todo o corpo. Portanto, um bebê começa a compreender o mundo material pelo simples procedimento de colocá-lo na boca e tentar comê-lo. Nas palavras de Goethe, “no início era a ação”.

Mas o pensamento deve ser visto não como uma atividade isolada (“fantasma na máquina”), mas como parte de toda a experiência humana, da atividade sensorial humana e da interação com o mundo e com outras pessoas. Deve ser visto como parte desse complexo processo de interação permanente, não como uma atividade isolada que se justapõe mecanicamente a ele.

Quando dizemos que todo conhecimento é baseado na experiência, isso não significa de forma alguma minha experiência pessoal, mas inclui toda a experiência coletiva dos humanos ao longo de um período de centenas de milhares de anos.

O mundo existia muito antes que os humanos ou qualquer outra forma de vida estivesse presente para observá-lo. A matéria animada (vida) surgiu naturalmente da matéria inanimada. Em um certo ponto, criaturas unicelulares simples evoluíram para formas de vida mais complexas, invertebrados em vertebrados e assim por diante. O desenvolvimento posterior de um sistema nervoso central se transformou em um cérebro e, por fim, no cérebro humano e na consciência humana. Somos matéria que se tornou consciente de si mesma.

Essa explicação é corroborada por todas as descobertas da ciência. Mas para o idealismo, isto permanece um livro fechado. Todas as formas de idealismo estão inseparavelmente ligadas à religião e invariavelmente conduzem de volta à religião.

Em relação a isso, Trotsky escreveu pouco antes de seu assassinato:

“Não sabemos nada sobre o mundo, exceto o que é fornecido pela experiência.” Isso é correto se a pessoa não entende a experiência no sentido do testemunho direto de nossos cinco sentidos individuais. Se reduzirmos a matéria à experiência no sentido empírico estreito, então é impossível chegarmos a qualquer julgamento sobre a origem da espécie ou, ainda menos, sobre a formação da crosta terrestre. Dizer que a base de tudo é a experiência é dizer muito ou nada dizer. A experiência é a inter-relação ativa entre sujeito e objeto. Analisar a experiência fora desta categoria, ou seja, fora do meio material objetivo do investigador que se contrapõe a ela e que, de outro ponto de vista, faz parte desse meio – fazer isso é dissolver a experiência em uma unidade sem forma onde não há nem objeto, nem sujeito, mas apenas a fórmula mística da experiência. “Experimento” ou “experiência” desse tipo é peculiar apenas a um bebê no ventre de sua mãe, mas infelizmente o bebê está privado da oportunidade de compartilhar as conclusões científicas de seu experimento. (L. Trotsky, Escritos de Leon Trotsky: 1939-1940)

É precisamente essa experiência coletiva que nos permite dar sentido ao que sabemos do mundo, fazer julgamentos precisos e científicos das informações que recebemos por meio de nossos sentidos e tirar as inferências que nos permitem fazer previsões corretas sobre o mundo físico e a sociedade.

O conhecimento, portanto, não está confinado à estreita esfera da percepção individual dos sentidos, uma vez que, para entender a informação limitada derivada de minha experiência individual, devo contar com uma vasta quantidade de informação que é transmitida de geração em geração na forma de abstrações teóricas.

A própria palavra abstração vem do latim “derivado de”, o que mostra muito claramente como todas as generalizações teóricas (incluindo as fórmulas matemáticas mais abstratas) são, em última análise, derivadas da observação do mundo físico. Contamos até dez não porque o sistema decimal seja superior a qualquer outro (não é), mas apenas porque temos dez dedos que ainda tendemos a usar para calcular somas simples.

Uma vez estabelecidas essas abstrações, elas parecem adquirir vida própria e fornecem uma ferramenta poderosa para a compreensão do mundo e um instrumento indispensável para o avanço da ciência, que representa a unidade dialética de dedução e indução, de teoria e prática, de hipóteses científicas com observação e experimento. Uma coisa é impensável sem a outra.

A origem material da consciência

O progresso da ciência forneceu as respostas que explicam a origem material da consciência. Sabemos como a matéria orgânica (a vida) surge naturalmente da matéria inorgânica. Mesmo as primeiras formas de vida mostram sinais de sensibilidade. A irritabilidade, que é precisamente a maneira como os organismos vivos reagem aos estímulos físicos que vêm do mundo externo, está presente em todas as formas de vida.

Até nas plantas encontramos um fenômeno semelhante, como quando as flores se voltam para o sol. Quando elas fazem isso, a que estão reagindo? Não a “conteúdos sensoriais”, porque as plantas não têm sentidos como tais. Elas estão reagindo a estímulos externos do mundo físico. É o mesmo para todos os organismos vivos. Em todos os casos, eles estão reagindo a estímulos externos.

Hoje sabemos que a ação das células nervosas é tanto elétrica quanto química. Nas extremidades de cada célula nervosa existem regiões especializadas, os terminais sinápticos, que contêm um grande número de minúsculos sacos membranosos que contêm substâncias químicas neurotransmissoras. Esses produtos químicos transmitem impulsos nervosos de uma célula nervosa para outra. Depois que um impulso nervoso elétrico viaja ao longo de um neurônio, ele atinge o terminal e estimula a liberação de neurotransmissores de suas vesículas.

Os neurotransmissores viajam através da sinapse (a junção entre os neurônios vizinhos) e estimulam a produção de uma carga elétrica, que empurra o impulso nervoso para a frente. Este processo é repetido inúmeras vezes até que um músculo seja movido ou relaxado ou uma impressão sensorial seja notada pelo cérebro. Esses eventos eletroquímicos podem ser considerados a “linguagem” do sistema nervoso, pela qual as informações são transmitidas de uma parte do corpo à outra.

Essa explicação científica acaba com a visão místico-idealista do pensamento e da consciência como algo misterioso e inexplicável, como algo divorciado do funcionamento normal da natureza e de outras funções corporais. Estes, por sua vez, se formam e se desenvolvem através da interação constante com o ambiente material por meio do trabalho social coletivo.

A evolução desenvolveu diferentes formas de reagir ao meio físico para garantir a sobrevivência do indivíduo (a alimentação) e da espécie (a reprodução). Assim como compartilhamos alguns genes até mesmo com as bactérias inferiores, também compartilhamos essa característica comum. Mas, nos humanos, essa simples potencialidade evoluiu para algo em um nível qualitativamente diferente de outros animais.

Pode-se dizer que existe algo que se assemelha à consciência em gatos, cães, cavalos e outros mamíferos superiores. Certamente, experimentos com chimpanzés sugeriram que eles podem possuir algo semelhante à autoconsciência. Na verdade, pode até ser possível demonstrar elementos semelhantes à consciência em formas de vida inferiores, como pássaros ou mesmo formigas.

Mas quanto mais nos afastamos dos humanos, menos essas coisas se relacionam com a autoconsciência. Estamos lidando aqui com formas de vida sensitivas, não com consciência. Portanto, igualar a consciência humana à de outros animais não é possível.

Esses fatos são bem conhecidos por qualquer pessoa com o mínimo interesse pela ciência moderna e apenas uma pessoa ignorante ou alguém que deseja a todo custo ignorar os fatos e defender o preconceito religioso e a superstição pode negá-los.

Visto em seu contexto adequado, não há nada de místico na mente humana. Não obstante, a confusão foi introduzida na questão por filósofos que, em alguns casos de forma bastante deliberada, distorcem, interpretam mal e ignoram os fatos em seu desejo de vender idéias religiosas e místicas.

Empirismo

A origem dessa confusão na epistemologia encontra-se no século 17, quando a humanidade lutava para se libertar do obscurantismo religioso da Idade Média. Um importante passo adiante na luta foi o desenvolvimento do empirismo na Inglaterra.

Em seus primeiros dias, o empirismo desempenhou um papel muito progressista e revolucionário quando se dirigiu contra a Igreja e proclamou a liberdade da ciência e a superioridade da observação e do experimento sobre o dogma. Os primeiros empiristas (Bacon, Locke e Hobbes) eram materialistas. Como observado, seu grito de guerra era “Nihil est in intellectu quod non sit prius in sensu”. (“Nada está na mente que não esteja primeiro nos sentidos”.)

Sua insistência na percepção sensorial como a base de todo conhecimento representou em sua época um salto gigantesco em relação à especulação vazia dos escolásticos medievais. Abriu o caminho para a rápida expansão da ciência, com base na investigação empírica, na observação e na experimentação.

No entanto, apesar de seu caráter tremendamente revolucionário, essa forma inicial de materialismo era unilateral, limitada e, portanto, incompleta.

A afirmação de que não há nada no intelecto que não seja derivado dos sentidos contém o germe de uma ideia profundamente correta. Isso é materialismo. Mas a unilateralidade do empirismo deixa a porta aberta para o idealismo subjetivo, que nega a existência de uma realidade material independente do observador.

Apresentada de forma tão confusa, essa ideia teve as consequências mais prejudiciais para o desenvolvimento futuro da filosofia. Os grandes avanços feitos pelos primeiros materialistas ingleses, Hobbes e Locke, foram sucedidos pelo epígono superficial, David Hume, que mais tarde exerceu uma influência negativa na filosofia de Kant. No Bispo George Berkeley, essa forma de idealismo subjetivo encontrou seu defensor mais consistente.

Esse empirismo unilateral, ou seja, o idealismo subjetivo, repetidamente fez sentir sua influência na filosofia e na ciência burguesas modernas sob uma variedade de disfarces diferentes. Um dos mais perniciosos deles foi o chamado positivismo lógico. Sob a influência dessas ideias, o cientista austríaco Ernst Mach, com quem Lenin lida minuciosamente no livro, negou a existência de átomos, uma vez que eles não podiam ser vistos, sentidos ou ouvidos.

Idealismo subjetivo: um embuste ideológico

Os argumentos do idealismo subjetivo, à primeira vista, podem parecer ter uma lógica incontestável. E, de fato, se aceitarmos a premissa inicial, é virtualmente impossível contestar. Mas não se pode aceitar tal premissa sem cair nas contradições mais absurdas, como o próprio Bispo Berkeley logo descobriu.

Na realidade, elas se baseiam em uma fraude intelectual, o equivalente filosófico da prestidigitação do mágico. O argumento parte da seguinte premissa: “Eu conheço o mundo pelos meus sentidos”. Esta afirmação é verdadeira e inegável, até onde consegue chegar. Só posso conhecer o mundo por meio dos meus sentidos. Mas, como já assinalamos, devemos acrescentar esta outra afirmação: o mundo existe independentemente de meus sentidos, caso contrário cairemos nas mais grotescas contradições e absurdos.

Toda a ciência se baseia precisamente no fato de que:

a) o mundo existe fora de nós, e

b) em princípio, podemos entendê-lo.

A prova dessas afirmações, se a prova fosse exigida, consiste em mais de 2 mil anos de avanço da ciência, isto é, do avanço constante do conhecimento sobre a ignorância.

A própria palavra ciência vem da palavra latina “saber”, enquanto a palavra ignorância é apenas a palavra latina para “não saber”. É claro que existem muitas coisas que não sabemos sobre o universo. Mas toda a história da ciência prova que o que não sabemos hoje saberemos amanhã. Essa busca constante da verdade que é a força motriz de todo progresso no campo do pensamento e das ideias.

Como diz Lenin:

… Na teoria do conhecimento, como em todos os outros ramos da ciência, devemos pensar dialeticamente, isto é, não devemos considerar nosso conhecimento como pré-fabricado e inalterável, mas devemos determinar como o conhecimento emerge da ignorância, como o conhecimento incompleto e inexato torna-se mais completo e mais exato. (V. I. Lenin, Materialismo e Empiriocriticismo, p. 78.)

Positivismo lógico

O ressurgimento sob diferentes disfarces de ideias há muito mortas reflete, por um lado, a crise da ideologia capitalista. Mas, por outro lado, também reflete o vácuo filosófico que foi causado pelo fato de que o marxismo foi empurrado para o canto por todo um período histórico após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1909, o livro de Lenin demoliu de forma abrangente o idealismo subjetivo de Mach e Avenarius. Mas o próprio idealismo subjetivo passa muito bem e está vivo até hoje. Expulso pela porta da frente com um chute certeiro nas nádegas, ele simplesmente rolou pelo chão e voltou furtivamente, sem ser observado, por uma janela lateral.

Esse idealismo subjetivo foi transportado para a filosofia do século 20 pela escola representada por Ernst Mach e, mais tarde, pelo Círculo de Viena (O. Neurath, Carnap, Schlick, Frank e outros) e pelo positivismo lógico. Na Grã-Bretanha, foi defendido pelo professor A. J. Ayer, cujo livro Linguagem, Verdade e Lógica teve influência nas universidades na década de 1960.

A tese básica do livro de Ayer é que o único conhecimento certo que podemos ter é o que ele chama de “conteúdo dos sentidos”. Nos primeiros capítulos de seu livro, esta tese é desenvolvida e repetida de diferentes maneiras, dando a impressão de uma cadeia lógica absolutamente resistente. Mas toda a construção se rompe no momento em que ele tenta explicar em que esses conteúdos dos sentidos realmente consistem.

Podemos colocar a questão de forma muito simples, de modo que até mesmo um professor universitário possa entendê-la: pode haver conteúdo dos sentidos sem olhos, ouvidos e um cérebro material? Pode haver um cérebro material sem sistema nervoso central e corpo material? E pode haver um corpo material sem a existência de um ambiente físico que lhe forneça os meios de sustento necessários para sua existência?

Desnecessário dizer que nenhuma dessas perguntas foi respondida, ou mesmo colocada. Como de costume, o autor presume o que deve ser provado e, então, conclui que o provou. Apesar de toda a sua aparência “inteligente” e sofisticada, esse é um modo de pensar infantil no sentido mais literal da palavra, como quando um bebê chora quando sua mãe sai do quarto porque, para ele, ela deixou de existir.

Essas ideias falsas e perniciosas representam a perspectiva da intelectualidade pequeno-burguesa, para quem tudo começa e termina com o “eu”. “Meu negócio, minha carreira, minha individualidade, meus sentimentos, a opressão que sofro, minha experiência, minha luta contra o mundo injusto que não me entende” e assim por diante. “Se o mundo não estiver de acordo comigo, algo está errado com o mundo.”

Isso resume a visão de mundo da intelectualidade pequeno-burguesa e determina toda a sua psicologia. Portanto, não é surpreendente que o idealismo subjetivo seja seu habitat filosófico natural. Tem o mesmo fascínio para o “pensador” pequeno-burguês que um pote de mel tem para uma mosca.

Agora, mesmo do ponto de vista da utilidade, seria preciso dizer que essa teoria é absolutamente inútil. Não pode avançar nosso conhecimento um único milímetro. Que diferença faz para um químico em seu laboratório negar que os produtos químicos em seu tubo de ensaio possuem existência objetiva, ou descrevê-los como meramente uma coleção de conteúdos sensoriais?

Afinal, ele ainda deve realizar seus experimentos, a fim de tentar determinar em que consiste a realidade desses objetos “irreais”. E depois que o professor Ayer terminou de passar o dia todo negando a objetividade da matéria, ele presumivelmente não se recusou a comer o seu jantar alegando que ele, na verdade, não existia.

Sem dúvida, nossos amigos positivistas lógicos rejeitarão esses argumentos como “realismo ingênuo”, o que significa materialismo. Essa é uma palavra que eles usam como um insulto, com o objetivo de afastar qualquer crítica concebível. De nossa parte, preferimos usar a mesma linguagem pouco sofisticada que Lenin usou quando se referiu aos idealistas subjetivos apenas como idiotas. Esta é uma caracterização adequada de pessoas que tentam apresentar noções ridículas como argumentos sérios.

Em Materialismo e Empiriocriticismo, Lenin mostra que o idealismo subjetivo leva inevitavelmente ao solipsismo. A maioria dos positivistas lógicos tenta ignorar a alegação de solipsismo, negá-la com indignação, confundir a questão com todo tipo de argumentos complicados e obscuros ou simplesmente descartá-la como uma piada.

Mas ainda lhes falta dar uma resposta.

O filósofo britânico Bertrand Russell certa vez conheceu uma senhora em uma festa que o informou de que era solipsista e se perguntava por que não havia mais deles. Essa divertida anedota revela de maneira impressionante as contradições internas do idealismo subjetivo. No entanto, a piada de Russell não pode descartar o problema filosófico do conhecimento. Isso deve ser respondido filosoficamente, isto é, teoricamente. Marx fez isso nas Teses sobre Feuerbach e Lenin, de forma ainda mais abrangente, em Materialismo e Empiriocriticismo.

Durante décadas, os defensores do positivismo lógico apresentaram arrogantemente suas ideias como “a filosofia da ciência”. Há uma profunda ironia aqui, já que eles também acusaram o materialismo dialético (sem o menor fundamento) de aspirar ao papel de “Rainha das Ciências”.

Com o avanço natural da ciência, o apoio aberto ao idealismo subjetivo, assim como à religião antes dele, torna-se cada vez mais insustentável. Ainda assim, paradoxalmente, as idéias (ou melhor, os preconceitos) do idealismo subjetivo ainda exercem uma poderosa influência nas mentes de alguns cientistas que foram submetidos às tolices incompletas do positivismo lógico em seus dias de estudante e nunca se recuperaram da experiência.

Como Marx e Engels colocavam a questão

Em Ludwig Feuerbach, Engels afirma que a grande questão básica de toda filosofia, especialmente da filosofia moderna, é a que diz respeito à relação entre “pensar e ser”, “espírito e natureza”. Ele então passa a lidar com uma das questões mais importantes da filosofia: a teoria do conhecimento.

Ele questiona:

(…) Que relação nossos pensamentos sobre o mundo que nos cerca guardam com este próprio mundo? Nosso pensamento é capaz de conhecer o mundo real? Somos capazes em nossas idéias e noções do mundo real de produzir um reflexo correto da realidade? (F. Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, Marx e Engels Collected Works (doravante referido como MECW), Vol. 26, Lawrence e Wishart, p. 367.)

A esmagadora maioria dos filósofos dá uma resposta afirmativa a esta questão”, diz Engels, incluindo aqui não só todos os materialistas, mas também os idealistas mais consistentes como Hegel, que considerava o mundo real como a realização de uma ideia mística “absoluta”. Mas ele acrescenta:

Além disso, há ainda outro conjunto de filósofos – os que contestam a possibilidade de qualquer cognição, ou pelo menos de uma cognição definitiva, do mundo. Entre eles, dos mais recentes, encontramos Hume e Kant, que desempenharam um papel muito importante no desenvolvimento filosófico. (Ibid., P. 367.)

Portanto, vemos que existem realmente três tendências na filosofia: duas tendências consistentes, ou monistas – materialismo e idealismo – e uma tendência inconsistente, que vacila entre o materialismo empírico e o idealismo subjetivo. A última escola de pensamento teve sua expressão mais plena na filosofia de Immanuel Kant. Hume e Kant, os verdadeiros antepassados do positivismo lógico, tendiam a isolar “a aparência” daquilo que aparece, a percepção daquilo que é percebido, a “coisa para nós” da “coisa em si”.

Kant admitiu a existência do mundo material, mas tentou estabelecer uma fronteira além do mundo da aparência, a “coisa em si”, que ele declarou ser “incognoscível”, algo fundamentalmente diferente da aparência, pertencente ao “mais além” (Jenseits), inacessível ao conhecimento, mas revelado à fé.

Aqui, a percepção sensorial aparece como um terceiro termo separando o mundo físico externo do sujeito que percebe (o Ego). Os sentidos aparecem como uma barreira para o conhecimento real, ao invés de uma ponte para a compreensão e, assim, dominando o mundo físico real.

O truque kantiano consistia em confundir o incognoscível com o desconhecido. Na realidade, a “coisa em si” gradualmente se torna uma “coisa para nós” por meio do progresso constante da consciência humana, da ciência, da indústria e da tecnologia. Por meio desse progresso, o que era desconhecido ontem nos é conhecido hoje ou será conhecido amanhã.

Para os marxistas, as ideias e conceitos humanos são, em última análise, nada mais que reflexos do mundo material. A verdade dessas reflexões é testada e, se necessário, as ideias são ajustadas, com base na atividade humana.

O ponto de vista materialista

No início, o materialismo mecânico foi incapaz de resolver esse problema e chegar a uma compreensão científica da relação real entre sujeito e objeto. É disso que Marx trata em suas Teses sobre Feuerbach. O materialismo primitivo era limitado pelo nível alcançado pela ciência da época, que era muito rígida e mecânica por natureza (Engels se referia a ela como a “visão metafísica”, embora usemos a palavra metafísica de forma diferente hoje).

A mecânica vê a relação entre sujeito e objeto de forma simplista, estática e unilateral: empurrando, puxando, alavancas, roldanas etc. Todo movimento é transmitido de fora. O universo mecânico de Newton exigiu que o Todo-Poderoso desse um empurrão para colocá-lo em movimento, mas depois disso funcionou perfeitamente, como um relógio. O relacionamento era passivo e unilateral.

Nesse universo mecânico, há pouco ou nenhum espaço para a atividade subjetiva e a iniciativa criativa. Cada ação é predeterminada pelas Leis Eternas da Natureza.

Em contraste, os idealistas exageraram o papel do sujeito, considerando-o de muita importância. Eles até derivaram a existência do objeto a partir do sujeito. A concepção da atividade do sujeito foi contida e desenvolvida pelo idealista objetivo Hegel. Isso é o que Marx quis dizer quando afirmou que o elemento subjetivo foi desenvolvido pelos idealistas, não pelos materialistas. Foi a junção dos dois elementos, o conceito de atividade do sujeito dos idealistas e a noção da objetividade do mundo material, que foi a chave para a resolução do problema.

Os argumentos do idealismo subjetivo e do problema sujeito-objeto são facilmente tratados, uma vez que adotemos o ponto de vista da prática e abordemos a teoria do conhecimento de um ponto de vista histórico concreto, e não do ponto de vista da abstração vazia e estática. Isso foi tratado por Marx na segunda de suas Teses sobre Feuerbach:

A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica. (K. Marx, “Teses sobre Feuerbach”, MECW, Vol. 5, p. 367.)

Em última análise, a verdade do materialismo é fornecida pela própria história da ciência. A humanidade não se limita a contemplar a natureza, mas a transforma ativamente, e essa atividade produtiva incessante é o que demonstra a correção ou não das ideias, como explica Engels:

A mais reveladora refutação disso, como de todas as outras peculiaridades filosóficas, é a prática, nomeadamente, a experimentação e a indústria. Quando podemos demonstrar a correção da nossa concepção de um processo natural, provocando-o nós mesmos, produzindo-o a partir das suas condições, fazendo-o, acima de tudo, tornar-se utilizável para objetivos nossos, põe-se fim à inapreensível «coisa em si» de Kant. As substâncias químicas produzidas de corpos vegetais e animais permaneceram como «coisas em si» até a química orgânica as ter começado a produzir uma após outra; com isso, a «coisa em si» tornou-se uma coisa para nós… (F. Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, MECW, Vol. 26, pp. 367-368.)

Um período de declínio

No período de sua ascensão histórica, a burguesia desempenhou um papel muito progressista, não apenas no desenvolvimento das forças produtivas, expandindo assim enormemente o poder da humanidade sobre a natureza, mas também forçando as fronteiras da ciência, do conhecimento e da cultura.

Lutero, Michelangelo, Leonardo, Dürer, Bacon, Kepler, Galileo e uma série de outros pioneiros da civilização brilham como uma galáxia, iluminando a ampla estrada do avanço cultural e científico humano aberta pela Reforma e pelo Renascimento.

Em sua juventude, a burguesia foi capaz de produzir grandes pensadores: Locke, Hobbes, Kant, Hegel, Adam Smith e Ricardo. No período de seu declínio, só é capaz de produzir entulho.

A última grande onda de tais ideias veio nos anos 1970, 1980 e 1990 como uma reação às derrotas de uma série de revoluções em todo o mundo – derrotas que foram agravadas pelo colapso da União Soviética. Isso levou ao crescimento da escola do pós-modernismo, que cobria a filosofia pós-modernista, o pós-estruturalismo, o pós-colonialismo, a teoria Queer e toda uma série das chamadas teorias baseadas na política de identidade.

Mas enquanto Mach e Avenarius, como Lenin brilhantemente mostrou, eram cópias ruins de Berkeley, Kant e Hume, os gênios pós-modernistas de hoje são cópias ruins de cópias ruins. Desesperados para parecerem originais e tentando esconder sua incompetência, eles enchem seus trabalhos com uma linguagem incompreensível, complicada e intencionalmente ambígua.

Diz-se que não há nada de novo sob o sol. Essa afirmação é comprovada por toda a história da filosofia burguesa em nossos tempos. Cada escola de filosofia nos últimos 150 anos, pelo menos, é apenas uma regurgitação, de uma forma ou de outra, das idéias irracionais do idealismo subjetivo – as variedades mais cruas, absurdas e inúteis de idealismo.

A última moda pós-modernista é apenas mais uma dessas variantes. Serviu para confundir e desorientar toda uma geração de estudantes de filosofia nas universidades, que imaginam ter descoberto algo inteiramente novo e original, quando na realidade apenas repetem os absurdos de filosofias anteriores, que foram amplamente demolidas por Lenin já em 1908. Aqui temos a prova mais cabal de que estava correta a célebre máxima de Marx: “o ser social determina a consciência”.

A degeneração da filosofia burguesa é um reflexo do beco sem saída do próprio sistema capitalista. Um sistema que se tornou irracional deve se apoiar em ideias irracionais. Na tentativa de se manter, a burguesia se voltou contra seu próprio passado revolucionário. Voltando-se contra as melhores tradições do Iluminismo, o capitalismo está se apegando cada vez mais fortemente aos descendentes modernos do misticismo feudal e da escolástica.

Um homem à beira de um precipício não é capaz de pensar racionalmente. De maneira vaga, os ideólogos da burguesia sentem que o sistema que defendem está chegando ao fim. A disseminação de tendências irracionais, do misticismo e do fanatismo religioso reflete a mesma coisa.

Hoje em dia, os idealistas subjetivos estão reduzidos a lutar desesperadamente na retaguarda, o que equivale à dissolução total da filosofia, reduzindo-a inteiramente à semântica (o estudo do significado das palavras).

As discussões intermináveis sobre significado e semântica e as minúcias dos significados se parecem com os debates intermináveis dos escolásticos medievais sobre assuntos fascinantes: se os anjos têm sexo e quantos deles podiam dançar na cabeça de um alfinete, por exemplo. O problema é que, em sua obsessão com a forma, eles esqueceram completamente o conteúdo. Desde que as regras formais fossem obedecidas, o conteúdo poderia ser tão absurdo quanto se quisesse.

Marx certa vez observou: “A filosofia e o estudo do mundo real têm a mesma relação um com o outro quanto o onanismo e o amor sexual” (K. Marx e F. Engels, A Ideologia Alemã, MECW, Vol. 5, p. 236.). A filosofia burguesa moderna prefere o primeiro ao último. Em sua obsessão por combater o marxismo (e o materialismo em geral), ela arrastou a filosofia de volta ao pior período de seu passado antigo, desgastado e estéril.

O fato de que toda essa agitação e brincadeira com as palavras pudesse receber o nome de filosofia é uma prova de quão longe o pensamento burguês moderno declinou. Hegel escreveu em A Fenomenologia do Espírito: “Pelo pouco com que o espírito humano se satisfaz, podemos julgar a extensão de sua perda”. Esse seria um epitáfio adequado para toda a filosofia burguesa depois de Hegel e Marx.

No período atual, a honra de lutar contra a corrente, de combater o pensamento místico e irracional, cabe à vanguarda revolucionária da classe trabalhadora, os marxistas. Para citar mais uma vez as palavras de Joseph Dietzgen: “A filosofia não é uma ciência, mas uma salvaguarda contra a socialdemocracia” (naquela época, os marxistas se autodenominavam sociais-democratas).

E acrescentou: “Então não é de admirar que os socialdemocratas tenham sua própria filosofia”. Essa filosofia – a filosofia do marxismo – é chamada de materialismo dialético. Ela continua sendo uma das armas mais importantes de nosso arsenal revolucionário.

E quem deseja entender como usar essa arma corretamente deve considerar um dever não apenas ler, mas fazer um estudo cuidadoso de um dos textos mais fundamentais em todo o rico arsenal do pensamento marxista: Materialismo e Empiriocriticismo.

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