Massas chinesas espremidas entre enfermidades e ditadura

O surto de corona vírus na China é crítico. De acordo com as cifras oficiais, há 5.997 casos confirmados por todo o país até agora, com a vasta maioria deles em Wuhan: a capital provincial da Província de Hubei. No entanto, nove outras províncias informaram de mais 100 casos confirmados, a maioria deles nas províncias industriais de Zhejiang e Guangdong. A enfermidade se espalhou para além das fronteiras da China, desde a Tailândia até ao Sul, à Austrália e aos EUA.

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O regime do Partido Comunista Chinês (PCCh) decretou medidas drásticas para conter o surto em desenvolvimento. Além de Wuhan, 23 outras cidades em Hubei foram declaradas sob bloqueio, cobrindo mais de 35 milhões de pessoas. O chamado “Exército de Libertação Popular” foi mobilizado em Wuhan. O órgão máximo do PCCh, o Comitê Permanente do Politburo, formou um subcomitê para supervisionar diretamente a contenção da enfermidade.

Wuhan: uma cidade fantasma

Um clima geral de medo tomou conta da China. Wuhan, o epicentro do surto, foi virtualmente transformada em uma cidade fantasma, enquanto milhões de moradores escapavam ou se fechavam em casa. Em Pequim, mais de 1.100 km ao norte de Wuhan, praticamente todas as almas vivas nas ruas estão usando máscaras contra a gripe, apesar do fato de a cidade capital ter um número relativamente baixo de casos informados (102). Ocorreu uma escassez de máscaras contra a gripe em todo o país devido ao aumento da demanda nacional e de Hubei em particular. No entanto, sabe-se que as máscaras contra a gripe não fazem nada para impedir a infecção pelo vírus. Na melhor das hipóteses impediria que gotículas de salivas de um indivíduo já infectado se espalhassem para outros.

Dentro da atmosfera de medo, também emergiram algumas questões urgentes que necessitam de respostas das autoridades. De onde veio esse vírus? Como realmente se espalha? As medidas do governo funcionarão? Uma minoria de pessoas também está levantando uma questão crucial: por que se permitiu que o surto se deteriorasse à escala atual, em primeiro lugar?

O regime do “Centro do Partido com o camarada Xi Jinping em seu núcleo” oferece respostas ambíguas e cambiantes a essas questões. Sabendo que as massas ainda estão amarguradas com a experiência do surto da SARS em 2002, durante o qual o governo varreu a crise para debaixo do tapete durante mais de três meses e silenciou ativamente os que tentaram denunciá-la até que o encobrimento não fosse mais possível, o regime de Xi assegurou ao povo que seria diferente de seu predecessor Hu Jintao. Houve atualizações frequentes sobre a situação em vários meios de comunicação, junto a decretos grandiosos e drásticos. Narrativas lacrimosas de interesse humano, como a de alguns moradores de Wuhan que se reuniram para cantar o hino nacional desde suas janelas para levantar o moral, foram celebradas (com um educado lembrete de que deveriam usar suas máscaras contra gripe enquanto cantavam). A mídia estatal CCTV transmitiu ao vivo do canteiro de obras de um novo hospital em Leishenshan: um dos novos hospitais que o governo ordenou construir no início do surto, que será equipado com tecnologia 5G.

No entanto, a deslumbrante blitz da mídia ainda não dá respostas consistentes a algumas questões fundamentais. As origens reais da doença, apesar de se supor que vêm de animais selvagens, ainda são desconhecidas. O que é mais importante, o mecanismo de propagação da doença ainda não é definitivo, mas o governo somente admitiu que pode se espalhar entre humanos em 20 de janeiro, em um momento em que 198 casos já tinham sido oficialmente informados (em comparação aos 45 casos, três dias antes), e semanas depois que uma equipe de cientistas em Xangai sequenciasse todo o genoma do novo vírus em 5 de janeiro, e publicasse suas descobertas internacionalmente, de acordo com Health News da China. Caixin também informa que sinais de infecção humano-humano já eram aparentes aos pesquisadores com seus estudos dos primeiros 41 pacientes desde 11 de janeiro. Note-se que o primeiro caso confirmado de infecção foi informado em 1 de dezembro de 2019.

O jogo da culpa

O governo central atribui a culpa pelas tardias resposta e divulgação do surto ao governo da cidade de Wuhan e ao prefeito Zhou Xiangwang, em particular. Zhou, um prefeito “eleito” a partir do topo e não pelo voto popular, cometeu uma série de gafes que o tornaram facilmente um bode expiatório. Em 26 de janeiro, ele afirmou que Wuhan havia resolvido plenamente a escassez de ações médicas, apenas para ser contraditado pelo governador provincial de Hubei, Wang Xiaodong, que disse que ainda havia uma escassez crítica no final do dia. Quatro dias depois de ser declarado o bloqueio de Wuhan, Zhou revelou que mais de 5 milhões de pessoas, isto é, quase a metade da população da cidade, abandonaram Wuhan depois da ordem.

O Global Times, um dos meios de comunicação mais raivosos do governo central, ofereceu críticas severas:

“Deve-se salientar que é muito lamentável que a cidade não tenha tomado as medidas necessárias de emergência para impedir que muitas pessoas viajem pelo país, pois isso torna particularmente difícil para o país evitar e controlar a epidemia. A cidade deve enfrentar o fato de que o público está fortemente insatisfeito com isso”.

Recebemos, assim, desde cima, uma rara informação segura: que os dias do camarada Zhou estão contados como um quadro que “constrói o socialismo com características chinesas”. Infelizmente, parece que os disparates burocráticos também não podem ser contidos. Na manhã de 26 de janeiro, o governo da cidade de Shantou, Guangdong, de repente declarou a cidade fechada. O fechamento dessa cidade portuária chave, a 1.100 km de Wuhan, teria sido um desenvolvimento extraordinariamente alarmante para o país e internacionalmente, mas a cidade revogou a ordem de bloqueio só duas horas depois do anúncio original, durante o qual cidadãos compreensivelmente frenéticos inundaram os mercados para vasculhá-los em busca de suprimentos.

Fazendo uma pausa, observa-se que disparates semelhantes só são possíveis sob um regime ditatorial, ansioso por alardear sua “eficiência” e “determinação” através de gestos grandiosos em todos os níveis de governo. A arrogância de bloquear cidades e de construir rapidamente prédios hospitalares convida ao surgimento de algumas perguntas fundamentais, relacionadas às mil e uma tarefas logísticas requeridas para conter 35 milhões de pessoas em toda a Província de Hubei. Esperar que o prefeito Zhou pudesse evitar que 5 milhões de pessoas em pânico e determinadas deixassem Wuhan, a 41a maior cidade do mundo, é esperar o impossível, independentemente de sua competência. Além disso, também está em questão se as equipes de resgate médico têm acesso a transporte adequado em uma megacidade fechada. No geral, o esforço do regime do PCCh, dirigido a manter sua imagem de “forte e estável” por meio de gestos teatrais pomposos, somente abre espaço para que cometam erros os que estão tentando resolver a situação no terreno, enquanto obedecem às ordens.

Capitalismo faz mal à saúde

Mais fundamentalmente, é o próprio sistema social que o PCCh restaurou e mantém, o sistema do capitalismo dirigido à obtenção de lucro, que permitiu que essa situação escalasse ao nível atual. Antes de 17 de janeiro, semanas depois do surto ser detectado e dias após várias equipes médicas contraírem o vírus, o governo de Wuhan ainda continuava a promover sua “Campanha Anual da Cultura do Festival da Primavera em Benefício das Pessoas” para atrair turistas a Wuhan na estação dos feriados. Em 19 de janeiro, um dia antes que o governo admitisse que o vírus poderia se espalhar entre seres humanos, o Distrito de Baibuting Garden de Wuhan chegou a realizar um banquete público de “dez mil famílias” como espetáculo. Esse erro é mais uma parte da culpa que o governo central está atribuindo ao governo de Wuhan, mas essa falta de consideração com o bem-estar das pessoas em benefício da maximização dos lucros é parte e parcela de quaisquer governos capitalistas em todos os níveis.

O mesmo se aplica às potências imperialistas do ocidente, cuja mídia não poupa esforços para zombar do fracasso do PCCh e verte lágrimas de crocodilo sobre a situação das massas chinesas. Pode-se imaginar que, se um surto semelhante ocorresse nos EUA, em vez de submetidos a uma burocracia ditatorial, a classe trabalhadora estadunidense estaria à mercê das gigantescas empresas farmacêuticas privadas, das empresas de seguros de saúde e redes hospitalares.

Os marxistas de todo o mundo são solidários com os trabalhadores e jovens chineses nestes tempos difíceis. Apesar da angustiante situação, está garantido que a classe trabalhadora chinesa, o mais poderoso proletariado do mundo, resistirá a essa crise. Quando a batalha contra o corona vírus terminar, ela pode se voltar contra outra doença ainda mais crônica, a ditadura capitalista do PCCh.

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