Informe da Conferência em Defesa do Emprego, dos Direitos, da Reforma Agrária e do Parque Industrial (continuação)

Portuguese translation of Report of Pan American Conference in Defence of Employment, Rights, Agrarian Reform and Industry (continued) (December 12, 2006)

O segundo dia da Conferência foi aberto com a apresentação de uma série de lideranças ativistas do movimento da classe trabalhadora brasileira, dirigentes sindicais, representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra) e outros que participaram de um painel de oradores.

O representante dos trabalhadores ferroviários denunciou a privatização e assinalou que a mesma levou à perda de 55 mil empregos no Brasil. "Os que produzem não são recompensados", disse ele, "e os que não trabalham ficam com os lucros". Ele prestou um caloroso tributo aos trabalhadores da CIPLA e de outras fábricas ocupadas: "Eles são uma inspiração para todos de nós que estamos lutando pela expropriação das ferrovias sob controle operário".

Uma jovem trabalhadora, Paula Vilela, falou em nome dos trabalhadores da fábrica ocupada Plascalp Produtos Cirúrgicos, no Estado da Bahia. Ela falou das condições inacreditavelmente más dos trabalhadores sob a administração privada: sem saúde e higiene, danos causados pelo esforço repetitivo, a arrogância dos patrões que não pagaram os salários ou as contribuições sociais durante meses seguidos. Finalmente, a paciência dos trabalhadores acabou e a força de trabalho de 1.100, com 80% formados por mulheres, decidiram adotar medidas.

"Muitos de nós são o sustentáculo da família e nossas famílias estavam passando fome porque os proprietários da fábrica nos devem três milhões de reais de salários não pagos. Eles não reconheceram este débito. Fomos à justiça, mas sem nenhum resultado. Finalmente decidimos tomar a fábrica" (aplausos e gritos de Unidade! Unidade! Os trabalhadores unidos jamais serão vencidos").

Antônio, um dirigente dos trabalhadores calçadistas em São Paulo contou uma história semelhante: "Em setembro a fábrica fechou as portas. Eles não pagaram nada aos trabalhadores. Fomos abandonados com as mãos vazias. É por isto que estou aqui - para aprender da experiência dos trabalhadores que ocuparam suas fábricas. Estamos somente lutando por trabalho e por uma vida justa e digna". O mesmo ponto foi destacado pelo representante do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), que concluiu que, para lutar contra o desemprego e o fechamento de fábricas, "devemos apoiar a ocupação de fábricas em todo o Brasil".

Um discurso muito efetivo foi feito por João Francisco Juruna, dirigente dos trabalhadores do metal na região de Campinas, próximo à cidade de São Paulo:

"Nós trabalhadores entendemos que o único caminho para reduzir as horas de trabalho passa por meios revolucionários. Sob o capitalismo, os avanços tecnológicos significam que uma máquina pode fazer o mesmo trabalho com dois trabalhadores quando antes esse mesmo trabalho exigia dez trabalhadores. Isto significa o aumento do desemprego e o único meio para resolver o problema é pela redução das horas de trabalho.

"O Brasil também enfrenta outro grande problema: a reforma agrária. Muitos camponeses têm sido forçados a se mudar para as cidades para ganhar um pedaço de pão. Mas isto não resolve nada. Devemos organizar um grande movimento de todos os trabalhadores, de todos os setores e fábricas, para forçar o nosso governo a realizar uma reforma agrária e uma redução geral das horas de trabalho. Para fazer isto, necessitamos da CUT, à qual nosso sindicato é filiado.

"O outro assunto é a ocupação de fábricas. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para abastecê-las com o que precisam, de forma que elas continuem a produzir. Não podemos aceitar qualquer ataque à classe trabalhadora pelo governo. O governo deve fazer o que os trabalhadores precisam. Devemos rejeitar todas as leis que restringem os direitos dos trabalhadores

"Estar aqui, é uma nova experiência para mim. Isto tem sido muito importante e pretendo levar a mensagem desta conferência aos trabalhadores de Campinas e São Paulo, e levantar a bandeira da luta" (aplausos).

Unidade de camponeses e trabalhadores

A Conferência deu uma recepção particularmente calorosa ao companheiro Ravanelo do MST, que se congratulou com os trabalhadores de CIPLA sobre sua decisão de introduzir as 30 horas semanais:

"Vocês são agora a vanguarda da classe trabalhadora brasileira", disse ele. "Durante os últimos quatro anos, temos vivido algumas experiências maravilhosas de luta conjunta com o movimento das fábricas ocupadas. No último ano, organizamos uma marcha de dezessete dias à Brasília. Os companheiros do movimento das fábricas ocupadas marcharam lado a lado conosco.

"Companheiros, não viemos aqui apenas para fazer discursos, mas para estabelecer a unidade de ação. A luta pela terra nos convenceu que não podemos derrotar os grandes proprietários (latifundiários) sozinhos. A globalização do sistema capitalista mudou a situação. A classe dos latifundiários e capitalistas está misturada. Os latifundiários são os inimigos dos trabalhadores e os banqueiros e capitalistas são os inimigos dos camponeses. Eles são o inimigo comum. Devemos unir a luta pela terra e pelas fábricas.

"Ontem, o companheiro Roberto Chávez do sindicato dos mineiros bolivianos disse que Evo Morales tinha sido eleito com um rótulo socialista, e o sindicato dos mineiros bolivianos e o povo estão demandando que o governo exproprie as minas privadas. Este é um exemplo que deve ser seguido! (aplausos).

"Embora tivéssemos Lula por quatro anos - e ele veio do povo trabalhador e tomou parte em suas lutas - nossos problemas básicos não foram resolvidos. Existem alguns na esquerda que dizem que não devemos pressionar o Presidente. Mas a burguesia o está pressionando o tempo todo! A classe trabalhadora e os camponeses devem forçar Lula a realizar uma reforma agrária e a nacionalizar as fábricas (aplausos).

"Afinal, tudo depende de nós; de nossa determinação e solidariedade. Devemos aprender a por de lado as pequenas diferenças e a nos unir na ação contra nossos inimigos comuns: o Capital e o Estado burguês. Por essa razão, companheiros, eu recomendo a unidade por toda a América Latina e por todo o mundo. Uma vez que a classe trabalhadora e os camponeses estiverem unidos, nada poderá nos deter. A vitória será nossa!".

Em meio a entusiásticos aplausos, o companheiro Ravanelo presenteou o movimento das fábricas ocupadas com um bandeira do MST, que foi hasteada na frente do hall.

Anunciando a chegada de novas delegações do Uruguai e Venezuela, Serge Goulart disse: "Ontem um companheiro de uma fábrica ocupada me disse: ‘antes eu vinha aqui e sentia que estávamos isolados, mas agora sinto que não estamos sozinhos, mas que estamos lutando juntos com o resto da classe trabalhadora'". Estas palavras expressam realmente o profundo sentimento de unidade e força que tem caracterizado esta conferência do princípio ao fim.

Continuando o seu discurso, o companheiro Goulart prestou um tributo à heróica classe trabalhadora boliviana e leu em voz alta os nomes dos cinco mineiros que foram mortos recentemente em Huanuni, em confronto sangrento com os contra-revolucionários. Após cada nome apresentado, a audiência gritava "Presente!".

Em seguida, Goulart prosseguiu tratando da situação política doméstica no Brasil, e condenou agudamente a ação de Lula na formação de uma coalizão com políticos burgueses:

"A única coalizão que Lula deve formar é com as forças representadas nesta sala hoje: a classe trabalhadora, os camponeses e as forças populares (aplausos). Mas se formar uma coalizão com a burguesia, este não é o caminho para defender os interesses do povo. A burguesia está unicamente interessada em fazer lucros: para ela, o povo é apenas uma estatística".

Serge prosseguiu referindo-se aos desenvolvimentos revolucionários no México - a luta sobre os resultados das eleições e a insurreição em Oaxaca. Referindo-se à Assembléia Popular do Povo de Oaxaca, ele disse: "Vocês sabem o que era esta Assembléia? Ela representou o nascimento dos Sovíetes na América Latina. Na Revolução Russa foram os Sovíetes, os órgãos democráticos do poder dos trabalhadores e camponeses, que expropriaram a terra e as fábricas. Esta conquista foi mais tarde traída por Stalin, mas era a expressão mais democrática do poder operário".

Serge concluiu: "Devemos explicar o sentido real do movimento para todos os setores sindicais, todos os trabalhadores, todas as fábricas e povoações. Quando há suficiente pressão vindo de baixo, a burocracia sindical rapidamente se torna ‘convencida' de que deve apoiar o movimento, ela até mesmo se torna mais ‘esquerdista' e ‘comunista' (risos). Mas a resposta real está sempre na base - nas fileiras. Unicamente pela mobilização da base podemos vencer" (aplausos).

Depois deste discurso, a Conferência se separou em comissões para discutir os seguintes temas: 1) moradias; 2) serviços públicos; 3) reforma agrária e 4) ocupações de fábricas.

A sessão final

A sessão final foi aberta no domingo, 10 de dezembro, quando uma série de mensagens foi lida, embora não tenha havido tempo para ler todas elas. Foram dadas calorosas boas-vindas para a mensagem dos EUA. Infelizmente, a delegação dos EUA foi impedida de comparecer por dificuldades técnicas. Mas sua carta expressou o firme apoio à Conferência e aos objetivos do movimento das fábricas ocupadas e expressou também o seu compromisso de solidariedade.

Outras mensagens foram recebidas de locais distantes como a Turquia (mineiros, trabalhadores da saúde e estudantes) e de Mario Bustamante, dirigente da COB (Confederação de Sindicatos Bolivianos), que, também, esteve impedido de atender por razões técnicas. Havia muitas mensagens de apoio das organizações de trabalhadores e camponeses de todo o Brasil, assim como mensagens de Sanitários Maracay (Venezuela) e do Sindicato dos Mineiros Bolivianos (também representado na reunião por quatro membros dirigentes).

Os delegados em seguida ouviram o relatório final das quatro comissões do dia anterior. A declaração final foi lida em voz alta e votada unanimemente pela Conferência. O texto está disponível apenas em português, mas será traduzido na próxima semana e publicado para a maior divulgação possível.

Roberto Chávez, secretário-geral do Sindicato dos Mineiros Bolivianos, falou no final, reiterando a firme determinação dos mineiros bolivianos de lutar pela nacionalização e pelo controle operário. Em seguida, presenteou Serge Goulart com um capacete de mineiro boliviano, um ato de valor simbólico considerável, e que não é feito com freqüência. Este gesto mostra a enorme importância que os mineiros bolivianos dão ao movimento das fábricas ocupadas e o impacto que esta Conferência indubitavelmente teve sobre eles.

Fechando a Conferência, Serge Goulart, portando o capacete de mineiro, resumiu os três dias de procedimentos. Entre outros pontos, ele enfatizou a absoluta necessidade do livre debate e democracia no movimento dos trabalhadores:

"Nosso movimento necessita do debate livre e da democracia como o corpo humano necessita do oxigênio", disse ele. "Quase 700 delegados compareceram a esta Conferência e todos tiveram o que dizer. Não podemos permitir que a discussão seja sufocada ou que nossas posições sejam distorcidas. A classe trabalhadora deve decidir livremente sobre o que ela quer e sua decisão deve ser soberana. Nesta Conferência, estivemos juntos para trocar pontos de vista e experiências e para dar clareza a nossa orientação na luta.

"Temos grandes lutas a frente", disse ele, e advertiu que não seriam fáceis. "Há pouco ouvi que os grandes patrões em Joinville se encontraram para discutir como reagir à decisão que tomamos aqui, na sexta-feira, de reduzir a jornada de trabalho a 30 horas semanais. Devemos nos preparar. Devemos traçar uma estratégia de luta. Devemos instalar um comitê internacional de luta e começar a nos organizar seriamente.

"Se estivermos organizados, poderemos vencer. Devemos enterrar o podre sistema de lucros de uma vez por todas. Mas se tivermos êxito nisso, devemos construir sobre cada pequeno conflito, conquistando uma pequena vitória de cada vez. A primeira prioridade é a luta pela defesa dos empregos. Se os capitalistas fecham fábricas, iremos abri-las. As fábricas para os trabalhadores! A terra para os camponeses! Longa vida à luta da classe trabalhadora. Longa vida ao internacionalismo proletário! Longa vida ao socialismo!"

Este inspirador discurso de Serge Goulart recebeu uma demorada e espontânea ovação. O ânimo na sala era de tremendo entusiasmo, controlado pela sólida determinação de conduzir a luta à vitória.

Joinville, 10 de dezembro de 2006