Amanhecer Dourado, Bonapartismo e a classe dominante grega

Este artigo foi escrito antes da prisão da liderança de Amanhecer Dourado. No entanto, a análise que ele contém foi absolutamente confirmada pelos eventos subsequentes. A Tendência Comunista acompanha os desenvolvimentos e publicará mais artigos com nossas análises e conclusões.

A remoção dos principais chefes de polícia de suas posições, o aparecimento controverso dos possíveis protagonistas do crime, as intensas investigações sobre o Amanhecer Dourado (AD), as primeiras detenções de seus membros e as revelações diárias da mídia burguesa sobre suas estruturas, operações e planos são fatos muito importantes que devem ser examinados de forma séria pelo movimento dos trabalhadores e pela esquerda.

A remoção de dois generais, que estavam no comando no sul e no centro da Grécia, e de mais oito oficiais de alta patente, que estavam à frente do setor de segurança do QG da polícia grega, denominado EKAM, do setor de Prevenção do Crime Organizado em Ática, do Departamento de Armas e Explosivos de Segurança em Ática, da YAT (Polícia Antimotim), do Delta Team e do Departamento de Polícia de Nikaia, não foi uma mudança administrativa de rotina. Na realidade, é uma admissão de cumplicidade com o AD e de encobrimento de suas operações nos anos anteriores. Por estas razões, com óbvios ônus políticos para o governo, seria um erro supor que isto aconteceu por causa da mídia.

Naturalmente nenhum ativista do movimento dos trabalhadores e da esquerda tinha necessidade de testemunhar a remoção pelo governo desses oficiais e policiais de alta patente para saber de seu estreito relacionamento com o Amanhecer Dourado. Do que não nos demos conta, no entanto, foi do amplo alcance e profundidade desta conexão. As remoções mais recentes revelam que a influência e mesmo o controle dos fascistas sobre setores do aparelho estatal eram bastante extensos. Recordemos que foi Engels quem descreveu o Estado como sendo, em última instância, “um corpo de homens armados”.

A influência dos fascistas dentro das forças policiais pode se ver, de forma indireta mas clara, nas estatísticas oficiais que foram recentemente publicadas relativas aos últimos ataques do AD. De acordo com o Ministério para a “Proteção do Cidadão”, o Amanhecer Dourado foi responsável por 38 delitos e atos criminosos só este ano. A “Defensoria Pública” anunciou em 26 de setembro que nos últimos 16 meses os ataques realizados pelo Amanhecer Dourado alcançaram o número de 281. Estes ataques resultaram em 400 pessoas feridas e quatro mortos. Certamente, o verdadeiro número é muito maior, mas o que importa não é a precisão dos números, mas o fato de que eles revelam uma ação operativa tão intensa por parte de Amanhecer Dourado, que exige a cobertura e o apoio “das autoridades policiais” do Estado. 

Os militares também estavam fortemente envolvidos nas profundas conexões do estado com o Amanhecer Dourado, como admitiu o governo indiretamente. Isso fica claro a partir da investigação em curso que o Ministério da Defesa está realizando após as entrevistas de membros do Amanhecer Dourado aparecidas na mídia burguesa de acordo com as quais oficiais do exército estariam treinando os “esquadrões de ataque” de Amanhecer Dourado em quartéis militares. Apenas alguns dias atrás, vimos publicado um manifesto político aspirando um golpe militar da União dos Comandos de Reserva, que se utilizava dos mesmos pontos chave do Amanhecer Dourado. Os juízes da Suprema Corte convocaram uma reunião para discutir esse manifesto, visto que não o consideram como motivo para riso. Todos esses fatos indicam que elementos fascistas construíram uma forte presença dentro do aparato de estado.

Há quase três anos, em nossa análise de Perspectivas Gregas (dezembro de 2010) assinalamos: “É certo que dentro das forças armadas do aparato de estado sérios desenvolvimentos estão ocorrendo. Cedo veremos o desenvolvimento de uma tendência em favor de um envolvimento mais ‘ativo’ da polícia e dos militares na política, em particular do comando superior e das Forças Especiais, como é habitual no capitalismo grego. Como a ordem está interrompida e o caos começa a emergir na forma de protestos e greves, então os extremistas desses setores do aparato de estado, que constituem um terreno fértil natural para os grupos reacionários extremistas e conspirações, começará a ganhar vantagem...”.

Os últimos acontecimentos confirmaram as nossas previsões. O ponto de viragem do processo, descrito no parágrafo acima, veio nas eleições duplas de Maio-Junho de 2012. Desde então, esta camada de extremistas reacionários ganhou um ponto específico de referência e liderança: o Amanhecer Dourado.

Os neonazistas de Amanhecer Dourado não estavam preparando sua organização para desempenhar o papel de um partido com alto nível eleitoral, nem jamais imaginaram que algum dia isto iria acontecer. As diretrizes fundamentais de AD o estabeleciam com um ramo fascista não-oficial de opressão do estado. Os neonazistas se transformaram em uma força política significativa devido ao colapso do campo político burguês. O fato de que agora tinham cadeiras parlamentares reforçou o seu perfil. Usando isto como veículo, criaram fortes células dentro das forças armadas e da polícia, além de novos e poderosos amigos dentro da classe dominante.

As notícias que estão sendo publicadas diariamente na mídia burguesa mencionam informes sobre as relações entre a Administração Fiscal e o Amanhecer Dourado; o que comprova a sua proximidade com pelo menos um setor dos grandes capitalistas. Especificamente, as notícias mencionam o “financiamento de atividades ilegais de grandes empresas, armadores e até mesmo de bispos”, o que indica que os neonazistas estavam se tornando uma força em ascensão nas fileiras do capital.

Amanhecer Dourado era particularmente ativo em Perama e áreas circundantes (o centro de construção naval), tentando construir uma “união nacionalista”. Esta é a prova factual de suas estreitas relações com os armadores de navios. Um ano atrás, durante a discussão do orçamento no parlamento a questão da baixa tributação sobre os armadores foi apresentada. O parlamentar de AD, Panagiotaros, declarou que seu partido não concorda com isso, usando estas palavras: “você encontrou a solução fácil de tributar e naturalmente muitos armadores encontrarão a até mesmo mais fácil solução de mudar suas bandeiras, assim você vai acabar não coletando dinheiro algum (...) Uma vez que os armadores deram todos os seus navios para a luta de 1821 [a guerra da independência grega], para a guerra dos Bálcãs, para 1940. Eles estão dispostos agora, só precisam da reciprocidade apropriada” (!!!).

Como temos salientado, o consistentemente elevado número de votos para o Amanhecer Dourado nas pesquisas não levou à consolidação de um partido fascista de massas, como foi o caso com Hitler ou Mussolini. Isto provou ser totalmente inalcançável, uma vez que o apoio social crescente, expresso nas urnas, foi principalmente um ato de protesto tardio e cego contra o corrupto sistema político burguês. O fato de que o apoio ao AD nas pesquisas de opinião depois do assassinato de Pavlos Fyssas tenha caído e o fato de que apenas 1,5% de seus eleitores afirmem que abraçam sua ideologia comprovam este ponto. Contudo, o financiamento público e as doações dos armadores têm proporcionado ao AD os meios para comprar os elementos lumpen pobres e para construir um exército considerável de assassinos a soldo. Um ex-membro de AD, em entrevista ao jornal “Ethnos” declarou que o AD poderia mobilizar três mil homens armados.

A declaração de Loverdos (ex-ministro do PASOK) há algum tempo de que “Amanhecer Dourado é o único movimento autêntico” e a promoção do AD pelo jornal de T. Anastasiadis refletem sua crescente popularidade no seio da burguesia. O governo usou o AD de várias formas, como um espantalho político para os trabalhadores e para a juventude, como um poder auxiliar em suas ações de opressão e expulsão de imigrantes e como uma desculpa para promover a teoria dos “dois extremos”, com o único propósito de difamar a Esquerda. Na medida em que a crise do governo alcançou o seu ponto máximo neste verão, com a retirada de DIMAR (Esquerda Democrática), a colaboração entre Nova Democracia e Amanhecer Dourado em algum momento começou a aparecer como inevitável. 

Os principais líderes de ND e conhecidas pessoas da mídia burguesa, como B. Papadimitriou, colocaram abertamente a questão de cooperar com o AD. Para que este plano funcionasse, o AD teria de se tornar mais “sério”, mais “respeitável”, significando que deveria se transformar em um partido clássico de direita e abandonar sua imagem abertamente fascista, e então poderia desempenhar o mesmo papel como o que Karatzaferis desempenhou no governo Papadimos [Nota: Karatzaferis foi o líder do partido conservador de direita LAOS, que emergiu de uma divisão à direita de Nova Democracia, mas que, desde então, desapareceu do front eleitoral depois de participar de governos que realizaram severas medidas de austeridade]. O Amanhecer Dourado tinha opinião diferente.

O resultado das eleições, as profundas conexões com o aparato do estado, as generosas doações dos capitalistas e a sensação geral de que a classe dominante necessitaria deles tornaram os fascistas mais arrogantes. Apostando na bancarrota e isolamento dos líderes tradicionais do capital, deslumbrados por sua inesperada popularidade e por seu novo papel, acreditaram que o tempo deles para tomar o poder estava próximo, não como sócios auxiliares em um governo ND, mas exclusivamente através de sua própria força e métodos!

Os acontecimentos recentes, as notícias que enchem os meios de comunicação todos os dias e a atitude extraordinariamente hostil do governo em relação ao AD provam que o Amanhecer Dourado tinha começado a se preparar para uma tentativa de tomar o poder diretamente. A tentativa de assassinato de militantes do KKE [Partido Comunista Grego] em Perama e o assassinato de Pavlos Fyssas, logo depois, faziam parte de um plano para atacar a esquerda e o movimento dos trabalhadores como um todo, com o que os fascistas achavam que iriam se beneficiar. Para qualquer outro partido político um assassinato colocaria problemas objetivamente. Contudo, de acordo com a maneira de pensar, as ações e os objetivos políticos dos fascistas, este ato – sempre, naturalmente, nas condições políticas e sociais adequadas –, conforme achavam, seria um ponto de propaganda bem sucedida.

O plano dos fascistas com seus ataques assassinos era o de espalhar o terror e a confusão na esquerda, mostrar sua determinação, estabelecer a “ordem” que supostamente estava interrompida devido às greves e protestos, e, portanto, tratar de ganhar alguns votos de simpatia da pequena burguesia e, ao mesmo tempo, enviar uma mensagem aos patrões capitalistas de que a sua luta era uma luta implacável contra seus oponentes de classe. Os ex-militantes “arrependidos” de AD em suas entrevistas dizem que o ponto mais alto da primeira parte do plano seria um grande comício em Nikaia, onde Michaloliakos, líder de AD, falaria. Através de tudo isto, o AD faria uma demonstração de força no coração dos bairros da classe trabalhadora, tratando de aparecer como estando próximo do povo e montar, dessa forma, uma provocação contra o movimento dos trabalhadores e a esquerda.

Dando por favas contadas o estado acelerado de decomposição do governo e a oposição essencialmente passiva da liderança de SYRIZA, os fascistas acreditavam que este novo ciclo de acontecimentos poderia colocá-los no caminho para tomar o poder. Inicialmente, isto se abriria para eles, através de sua participação em um governo de direita, não como coadjuvante mas como parceiro decisivo, e, mais tarde, através de um golpe de estado, quando poderiam mobilizar as células de partidários no exército e na polícia. Seus planos, no entanto, resultaram arrogantes e irreais.

Como já explicado, a burguesia compreendeu agora que, no futuro, inevitavelmente, teria de governar através dos métodos do Bonapartismo. Isto, no entanto, não significa que ela prefere o AD para liderar este processo, ou que este Bonapartismo deveria tomar a forma de um regime fascista clássico. Ela poderia preferir, depois de ter exaurido todas as outras soluções políticas “constitucionais” de governo, uma forma de Bonapartismo vestindo trajes parlamentares.

As crescentes atividades independentes dos fascista foram minando o frágil governo atual e também ameaçavam bloquear a realização dos planos da Troika e a posição do país dentro do euro. Isso explica a súbita reviravolta e a postura agressiva do governo e dos meios de comunicação burgueses em relação ao AD.

Tudo isto não é de forma alguma uma indicação de apego à democracia por parte dessas mesmas pessoas que têm pisoteado os elementos básicos da democracia parlamentar burguesa a fim de passar leis e forçar os trabalhadores a servir aos interesses dos banqueiros e de outros capitalistas. O que temos diante de nós é uma classe dominante que considera inoportunos e de alto risco quaisquer planos para impor abertamente um regime Bonapartista nesta etapa.

Os fascistas decidiram de forma arrogante e impaciente agir por conta própria. A maioria da classe dominante está agora punindo-os por isto e trazendo-os de volta ao seu total controle. Este conflito dentro da classe dominante não é um conflito “fascistas” versus “democratas”, mas entre os elementos abertamente fascistas, cujos modelos são Mussolini e Hitler, e os que acreditam que a melhor opção é preparar o terreno para governar por meio de decretos presidenciais e de formas de Bonapartismo parlamentar, numa fase posterior. 

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