Capital financeiro: um tumor ou parte fundamental do sistema capitalista?

Depois do grande colapso financeiro de 2008, encontramo-nos em um período turbulento. Desemprego em massa e ataques selvagens sobre os níveis de vida estão na ordem do dia; os levantamentos revolucionários no Oriente Médio, na Europa e na América, são a resposta. Muitas pessoas começaram a fazer perguntas fundamentais sobre a forma como a sociedade está organizada; particularmente, o papel dos bancos e das instituições financeiras – o “capital financeiro” – foram colocados sob o microscópio.

Nestas circunstâncias, existe a tentação de se traçar uma distinção entre o “parasítico” e “irresponsável” setor financeiro e o “produtivo” e “responsável” setor manufatureiro. De fato, é esta a linha adotada pela liderança do movimento dos trabalhadores e dos sindicatos. Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, fala de um “capitalismo responsável” em que “um mais vibrante e inovador setor manufatureiro” substitua “o setor predatório, especulador de curto prazo, que estava na raiz de nossa crise financeira – que envolvia um pequeno número de pessoas preparando-se para realizar gigantescos lucros pessoais assumindo níveis de risco não compatíveis, sem se responsabilizar pelo lado adverso” [1].

Miliband não está só. Len McCluskey, líder do maior sindicato britânico, Unite, atacou “o selvagem e descontrolado capitalismo” de “parasitas e especuladores” [2], exigindo em seu lugar que o governo “comece a seguir uma estratégia industrial que apoie o setor manufatureiro e promova empregos e crescimento” [3].

Mas é aplicável fazer esta distinção entre capitalismo financeiro e industrial? Os marxistas argumentam que esta distinção é artificial: o crescimento da indústria capitalista esteve intimamente associado ao crescimento do capital financeiro; um não poderia se desenvolver sem o outro. Para explicar isto, devemos estudar as origens históricas do capitalismo, começando na Idade Média.

A ascensão das cidades-estados italianas

A verdadeira origem do capitalismo reside no final da Idade Média, com o declínio das relações feudais e a ascensão das cidades-estados. No centro deste processo estava a Itália, onde as comunas medievais existentes se transformaram em poderosas cidades-estados. Como explica o historiador anglo-suíço S. R. Espstein:

“As comunas, como se tornaram conhecidas no século treze, desenvolveram-se em órgãos municipais envolvidos na administração local, que dependiam da autoridade senhorial ou monárquica em termos de relações fiscais, militares e comerciais...

“As comunas conquistaram estes direitos ou liberdades entre o final do século onze e o século treze. No mesmo período, algumas delas conseguiram se transformar em cidades-estados independentes. Cidades-estados... praticavam sua própria política externa, eram fiscalmente independentes, podiam mobilizar um exército e aplicar a pena de morte, cunhar moedas, assinar contratos comerciais com outros estados independentes e confiscar os bens de mercadores estrangeiros. As comunas urbanas autogovernadas eram omnipresentes no último período medieval e no início do moderno Ocidente; as cidades-estados, não” [4].

Muitas destas comunas semiautônomas cresceram a partir das grandes cidades imperiais que sobreviveram aos destroços do Império Romano e seu crescimento se tornou possível através da desintegração do estado romano e de sua autoridade centralizada. “a oriental administração bizantina foi incapaz de resistir às investidas crescentes dos árabes, dálmatas e, a partir do século X, às incursões normandas; e as cidades da Apúlia começaram a organizar suas próprias defesas e a desenvolver formas comunais de autogoverno” [5]. As comunas do sul da Itália tornaram-se particularmente ricas devido às “melhores oportunidades de comércio com o mediterrâneo oriental” [6]. Não obstante, o crescimento do comércio levava ao florescimento das comunas no norte da Itália.

O caráter dessas comunas é claramente expresso por Epstein, quando ele explica que “o principal objetivo das comunas era o de prover membros com direitos assegurados de propriedade, de arbitragem e resolução de litígios relativos ao comércio... Elas primeiro surgiram nos centros mercantis mais avançados como Gênova, Pisa, Veneza e Milão” [7]. Enquanto se tornavam economicamente mais poderosas, elas se transformaram em cidades-estados plenamente autônomas, cuja riqueza se baseava na acumulação de capital mercantil através do comércio.

Inglaterra Medieval

O feudalismo pode ser caracterizado como um sistema em que a produção é dominada pela agricultura e em que a terra é organizada em propriedades senhoriais sob o controle de uma classe de barões. Uma série de encargos ou responsabilidades feudais governava a maioria da interação econômica: os camponeses eram obrigados a trabalhar a terra de seu senhor durante certo número de dias, e também para manter as estradas e rodovias; aos senhores cabia fornecer soldados à coroa durante os tempos de guerra; e assim por diante.

Durante os séculos XI e XII, contudo, a moeda começou a jogar um papel crescentemente importante. O desenvolvimento do embrião do capital financeiro na Inglaterra foi, em não pequena parte, devido às pressões das intermináveis e mutuamente destrutivas guerras da dinastia Plantageneta, que levaram o modo feudal de produção aos seus limites. Como o historiador marxista A. L. Morton explica em sua obra seminal, Uma História do Povo da Inglaterra:

“Henrique II começou a permitir e mesmo a encorajar seus barões a fazer o pagamento chamado scutage [taxa paga em substituição ao serviço militar – Nota do Tradutor] em substituição ao serviço pessoal no campo. O procedimento era usado para recrutar tropas durante uma campanha.

“Scutage é um indicativo da extensão com que os pagamentos em dinheiro estavam agora substituindo muitos dos mais velhos impostos em espécie ou serviços que ainda sobreviviam no século XI. Ao mesmo tempo, houve uma marcada tendência por parte dos senhorios, por seu lado, de transformar partes de seus domínios em cortiços habitacionais para aluguel, e até mesmo de ‘comutar’ os serviços devidos por seus vilões nas mesmas condições. O dinheiro estava se tornando uma exigência normal e crescente, parcialmente como troca tornou-se mais normal, e parcialmente com o início de um século e meio de subida de preços que data de meados do século XII” [8].

Naturalmente, este processo não continuou mecanicamente em linha reta; nos próximos dois séculos, o crescimento do dinheiro e do comércio entrou em contradição com a inércia do sistema feudal dominante, e durante períodos a marcha do dinheiro foi detida e as obrigações feudais pareceram dominar novamente. No entanto, a tendência geral era o aumento do domínio do dinheiro e das finanças como mecanismo de troca, que tornou possível a acumulação de capital em nível qualitativamente mais alto que antes.

A Inglaterra era um centro de negócios e comércio mesmo antes dos tempos romanos. Durante a Idade Média, mercadores italianos e flamengos comerciaram extensamente com a Inglaterra. Por exemplo, a expulsão dos judeus em 1290 fez a coroa inglesa depender dos financistas italianos da região lombarda. Do século XIV para frente, a Inglaterra desempenhou um importante papel no comércio da lã. Flandres era o centro de produção de lã naquele tempo e a Inglaterra tinha o monopólio virtual da exportação de lã bruta para Flandres. Devido à fragilidade política de Flandres, rasgada em pedaços por divisões internas e enfraquecida por seus infindáveis conflitos com a França, a Inglaterra ganhou certa independência econômica e política e muitos de seus produtores de lã enriqueceram. Os mosteiros cistercienses, proprietários de vastas fazendas de criação de ovelhas em Pennines [cadeia de montanhas na Inglaterra], e usando o capital que eles acumularam através do comércio da lã, começaram a agir como financiadores do estado. Sob Eduardo II, por exemplo, seu capital era cinco vezes maior que o da coroa!

O último período da Idade Média pode, dessa forma, ser caracterizado pelo crescimento do capital mercantil na Itália e na Inglaterra e pelo início de sua transformação em capital financeiro.

O crescimento do moderno capital financeiro

O século XVII viu emergir a revolução burguesa na Inglaterra em nível qualitativamente mais alto do que tinha sido visto antes. Embora a república burguesa de Cromwell tenha sido curta e instável, o acordo constitucional que emergiu no final do século pavimentou o caminho para o crescimento do moderno capitalismo e, em particular, do capital financeiro. Como explica Marx em O Capital:

“A ‘gloriosa revolução’ [o acordo constitucional de 1688, de fato nem glorioso nem uma revolução] trouxe ao poder, com Guilherme III de Orange, os proprietários da mais-valia, nobres e capitalistas. Inauguraram a nova era em que expandiram em escala colossal os roubos às terras do estado até então praticados em dimensões mais modestas. Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços irrisórios, ou simplesmente roubadas mediante anexação direta a propriedades particulares. Tudo isso ocorreu sem qualquer observância da etiqueta legal. Essa usurpação das terras da Coroa e o saque dos bens da Igreja, quando os detentores destes bens saqueados não os perderam na revolução republicana, constituem a origem dos grandes domínios atuais da oligarquia inglesa. Os capitalistas burgueses favoreceram a usurpação, entre outros motivos, para transformar a terra em mero artigo de comércio, ampliar a área da grande exploração agrícola, aumentar o suprimento dos proletários sem direitos, enxotados das terras etc. Além disso, a nova aristocracia das terras era a aliada natural da nova bancocracia, da alta finança que acabara de romper a casca do ovo e da burguesia manufatureira que dependia então da proteção aduaneira” [9].

Aqui, Marx descreve a eliminação final das obrigações feudais remanescentes e sua transformação em relações capitalistas de propriedade. Isto anda de mãos dadas com o crescimento do capital financeiro. Mais uma vez, a guerra desempenhou um papel importante. Durante os séculos XVI e XVII, a Espanha tinha comandado um império poderoso, atravessando toda a América. Contudo, a base material deste império era a pilhagem dos recursos e a Espanha se situava em um extremamente baixo nível de produção.

No final do século XVII, o império espanhol começou a se desintegrar, suas vastas possessões eram cobiçadas por seus vizinhos. Inglaterra, França e a recém-independente Holanda estavam mergulhadas em uma série de guerras comerciais e de pilhagens. A Inglaterra, em particular, temia que, se as Américas caíssem nas mãos francesas, a coroa francesa iria aplicar leis anti-inglesas de comércio nas colônias de forma mais efetiva que os espanhóis poderiam fazer.

Os desenvolvimentos tecnológicos também fazem da guerra um negócio cada vez mais caro. Por exemplo, o desenvolvimento do anel da baioneta, que poderia ser anexado a um mosquete enquanto este fazia fogo, tornou a lança obsoleta; a guerra tornou-se crescentemente dominada pela artilharia. As custosas guerras pressionaram as finanças da coroa ao ponto de quebra.

Durante os séculos XVI e XVII, os ourives de Londres constituíam a primeira fonte de crédito ao estado. Em 1672, Carlos II repudiou a dívida do estado, um movimento que arruinou o crédito do governo. Em 1694, para tomar emprestada a grande soma de 1,2 milhões de libras, a coroa permitiu a um setor de seus credores a se fundir e formar o Banco da Inglaterra, garantindo a esta nova instituição um monopólio sobre o crédito ao governo e a emissão de notas promissórias. Este movimento encontrou considerável oposição dos ourives de Londres (que viram seus negócios arruinados), mas apesar de tudo pavimentou o caminho para o moderno sistema bancário. Como Marx explica:

“Desde sua origem, os grandes bancos ornados com títulos nacionais não passavam de sociedades de especuladores particulares que cooperavam com os governos e, graças aos privilégios recebidos, ficavam em condições de adiantar-lhes dinheiro. Por isso, a acumulação da dívida pública tem sua mensuração mais infalível nas altas sucessivas das ações desses bancos, que se desenvolvem plenamente a partir da fundação do Banco da Inglaterra em 1694. O Banco da Inglaterra começou emprestando seu dinheiro ao governo a juros de 8%; ao mesmo tempo foi autorizado pelo Parlamento a cunhar moedas utilizando o capital emprestado ao governo. Passou então a emprestar o mesmo capital ao público sob a forma de bilhetes de banco, tendo sido autorizado a utilizar esses bilhetes para descontar letras, emprestar com garantia de mercadorias e comprar metais preciosos. Não passou muito tempo para o banco fazer empréstimos ao estado nessa moeda fiduciária que fabricava e para pagar com ela, por conta do estado, os juros da dívida pública. Não bastava que o banco recebesse muito mais do que dava; ainda recebendo, continuava credor eterno da nação até o último centavo adiantado. Progressivamente, tornou-se o guardião inevitável dos tesouros metálicos do país e o centro de gravitação de todo o crédito comercial” [10].

Por todo o curso do século XVIII, a dívida do estado inchou devido às intermináveis guerras coloniais. De 1,2 milhões de libras, em 1694, ela cresceu a inacreditáveis 819 milhões no final das guerras napoleônicas. Esse século também viu a elevação da especulação financeira a níveis nunca vistos antes. Uma das primeiras mercadorias a atrair a especulação foi o salitre, um dos componentes da pólvora. Ao longo do século, uma série de bolhas arruinou os investidores ansiosos por fazer um lucro rápido. A mais famosa destas foi a bolha dos Mares do Sul em 1720. Como explica Morton:

“A Companhia dos Mares do Sul começou como uma empresa perfeitamente legítima no comércio de escravos e de pesca de baleias, mas seus diretores superaram as mais selvagens expectativas e até mesmo prometiam tomar cargo de toda a Dívida Nacional. As ações subiram de 120 libras a 1.020 libras, e toda a questão se tornou mais fraudulenta quando a febre da especulação aumentou. Toda sorte de empresas subsidiárias artificiais foram formadas e gente proeminente do governo Whig [partido político britânico que originou o Partido Liberal a partir de 1868], bem como o Príncipe de Gales foram criminalmente envolvidos. Quando chegou a quebra, milhares de investidores se viram arruinados e a fúria popular atingiu tal patamar que se chegou a propor solenemente na Casa dos Lordes que os diretores deveriam ser costurados em sacos e lançados ao rio Tâmisa, uma reminiscência da velha punição romana aos parricidas[11].

Este parágrafo indica a extensão da penetração da City de Londres no aparato do estado para defender seus interesses. Naturalmente, a nova classe de oligarcas das finanças reinvestiu algo de sua vasta riqueza na produção industrial. Em outras palavras, o crescimento do capital financeiro tornou possível a acumulação necessária de capital para o desenvolvimento industrial.

Capitalismo industrial e capital fictício

Da Itália da Idade Média, o mecanismo de desenvolvimento capitalista se transferiu decisivamente à Inglaterra, onde a Revolução Industrial do século XIX transformou o mundo. Se os financistas do século XVIII tornaram possível este desenvolvimento, seus continuadores do século XIX transformaram a natureza do capital financeiro.

Inerente ao capitalismo é sua constante tendência, por um lado, para revolucionar as forças produtivas, para produzir mais e mais barato que seus concorrentes. Por outro lado, devido ao fato de que os lucros dos capitalistas são essencialmente os salários não pagos de seus trabalhadores, estes nunca podem comprar de volta as mercadorias que produziram; há um excesso de capital que deve ser investido algures.

O capitalismo resolve, temporariamente, esta contradição fazendo com que os capitalistas com excesso de capital invistam em um banco ou instituição financeira; a instituição financeira então reinveste este capital em outro setor do ciclo produtivo. A questão fundamental é que estes processos não se equilibram facilmente; muitas vezes, o impulso para expandir a produção sobrepuja o capital disponível para investimento. Então, os capitalistas devem investir o capital que esperam realizar da produção futura – nos termos de Marx isto é capital fictício.

O século XIX viu este processo alcançar níveis sem precedentes. A venda de mercadorias não podia acompanhar a produção; os capitalistas necessitavam de capital para financiar sua expansão a uma taxa maior do que eles podiam vender seus produtos existentes no mercado. Marx explica o processo:

“Em qualquer país a maior parte das transações de crédito tem lugar dentro do círculo das relações industriais... O produtor das matérias-primas adianta-as ao fabricante, e recebe deste último uma promessa de pagamento em determinado dia. O fabricante, tendo completado sua parte do trabalho, por seu turno adianta seu produto em condições similares a outro fabricante, para processamento posterior, e nesta via o crédito se estende mais e mais, de um para outro, até chegar ao consumidor. O comerciante no grosso dá ao retalhista as mercadorias sob crédito, enquanto recebe crédito do fabricante ou do agente comissionado. Todos tomam emprestado com uma mão e emprestam com a outra, algumas vezes dinheiro, mas com mais frequência produtos. Dessa forma uma troca incessante de adiantamentos, que se combinam e se cruzam em todas as direções, tem lugar nas relações industriais. O desenvolvimento do crédito consiste precisamente nesta multiplicação e crescimento de adiantamentos mútuos, e aí está a verdadeira base de seu poder” [12].

No final das contas, todo o ciclo de produção estava funcionando sob crédito, enquanto os capitalistas investiam este capital fictício em uma expansão sempre maior. A existência do crédito em tais níveis inevitavelmente originou a especulação – por que investir grandes quantias de capital enfrentando aventuras em algum terreno industrial, se você pode realizar uma maior taxa de lucro através da especulação? Marx continua:

“O objetivo da banca é oferecer facilidades ao comércio, e tudo que oferece facilidades ao comércio oferece facilidades à especulação. Comércio e especulação estão, em alguns casos, tão intimamente ligados, que é impossível de se dizer em que ponto preciso o comércio termina e a especulação começa... Onde há bancos, o capital é obtido mais facilmente, e a uma taxa mais barata. A modicidade (baixo custo: nde) do capital facilita a especulação, exatamente da mesma forma como a modicidade da carne e da cerveja facilita a glutonaria (ato de comer em excesso: nde) e a embriaguez” [13].

Esta orgia de crédito e especulação precipitou a crise de 1847, enquanto os investidores se agitavam para resgatar faturas sem valor baseadas em mercadorias que não tinham ainda sido produzidas. O capital fictício, que desempenhou papel integral na expansão da indústria produtiva, tornou possíveis as práticas especulativas destrutivas que dominaram o moderno capitalismo. Mas a expansão industrial significativa teria sido impossível sob o capitalismo sem o capital fictício – isto é, sem crédito.

Outra tendência inerente ao capitalismo é a do capital se tornar concentrado em cada vez menos mãos. Por todo um período histórico, isto jogou um papel progressista – a moderna indústria seria impossível se não houvesse um pequeno grupo de pessoas que acumularam capital suficiente para financiá-la. No entanto, isto também despojou dos capitalistas o seu necessário papel na produção, como explica Engels:

“Se a crise revela a incapacidade da burguesia para gerenciar por mais tempo as modernas forças produtivas, a transformação dos grandes estabelecimentos de produção e distribuição em sociedades anônimas, trustes e propriedades do Estado, mostra como a burguesia é desnecessária para este propósito. Todas as funções sociais dos capitalistas não ultrapassam a função social de embolsar dividendos, cortar cupões e apostar na Bolsa de Valores, onde os diferentes capitalistas roubam uns aos outros de seu capital. Primeiramente, o modo de produção capitalista arranca a pele dos trabalhadores. Agora, arranca a pele dos capitalistas e os reduz da mesma forma como reduziu os trabalhadores às fileiras da população excedente, embora não da mesma forma imediata como acontece com o exército industrial de reserva” [14].

Em outras palavras, a classe capitalista começou a se transformar em uma oligarquia de investidores profissionais, contribuindo com mais nada além de seu capital, e deixando a gerência da produção aos funcionários do estado e aos burocratas privados contratados. Os resultados deste processo estão certamente evidentes hoje, quando os grandes bancos e empresas industriais são administrados por “empregados” que ganham salários de sete algarismos, enquanto os “donos” formam conjuntos de fundos de hedge e de instituições financeiras sombrias que permanecem na obscuridade. Os capitalistas industriais e financistas estão profundamente fusionados.

Imperialismo

O domínio do capital financeiro em países individuais se transformou desde então em dominação do capital financeiro em todo o mundo. Este processo começou a ter lugar no final do século XIX. Lênin chamou-o de imperialismo e o caracterizou como a fase superior do capitalismo. Se o desenvolvimento do capitalismo até este ponto se caracterizou pela exportação de mercadorias, agora está dominado pela exportação do próprio capital. Para explicar o que isto significa reportemos a Lênin:

“A possibilidade da exportação de capitais é determinada pelo fato de uma série de países atrasados terem sido já incorporados na circulação do capitalismo mundial, terem sido construídas as principais vias férreas ou iniciada sua construção, terem sido asseguradas as condições elementares para o desenvolvimento da indústria etc. A necessidade da exportação de capitais obedece ao fato de que em alguns países o capitalismo ‘amadureceu excessivamente’ e o capital (dado o insuficiente desenvolvimento da agricultura e a miséria das massas) carece de campo para sua colocação ‘lucrativa’” [15].

Então, quando o lucro não podia ser realizado no investimento interno, os oligarcas financeiros das potências imperialistas investiram em países economicamente atrasados. Lênin descreve o mecanismo através do qual isto acontece:

“É muito comum que entre as cláusulas do empréstimo se imponha o gasto de uma parte do mesmo na compra de produtos ao país credor, em especial de armamentos, barcos etc. No curso das últimas duas décadas (1890-1910), a França tem recorrido frequentemente a este método. A exportação de capitais passa a ser um meio de estimular a exportação de mercadorias” [16].

A consequência deste desenvolvimento foi que o mundo foi ainda mais rapidamente dividido em “esferas de influência” das potências imperialistas mais importantes. O imperialismo se tornou, dessa forma, não simplesmente uma política imoral deste ou daquele governo, mas estava dirigido pela necessidade da burguesia financeira de realizar o retorno de seus investimentos.

Novos desenvolvimentos

A história do desenvolvimento capitalista é dessa forma a história do crescimento do capital financeiro, e da busca cruel por investimentos lucrativos. Desde o início do século XX, o capitalismo britânico tinha entrado em declínio; incapaz de competir com os EUA e a Alemanha, uma crônica carência de investimentos levou a Grã-Bretanha a ser considerada como o “enfermo da Europa”.

O capitalismo se caracteriza por uma série de crises, das quais busca encontrar saída temporária. Nos anos 1980, esta saída temporária foi a expansão massiva da especulação e do capital fictício, um desenvolvimento conhecido como o “big bang”, que espelhou políticas similares perseguidas pela administração Reagan nos EUA.

As administrações Thatcher e Reagan mergulharam em uma orgia de desregulação projetada para “aumentar a liquidez” – em outras palavras, para aumentar o número de coisas compradas e vendidas no mercado – e para estimular a especulação. A Bolsa de Valores de Londres abraçou o comércio eletrônico, substituindo os preços “call-outs” [pregão]. Mais importante ainda: 100% das posses no exterior de membros de empresas foram legalizados; vastas porções de empresas de corretagem foram compradas por bancos de investimento americanos, aumentando vastamente a concentração de capital e o total domínio de um pequeno número de instituições. Como o conservador Daily Telegraph, olhando para este período, ironicamente observa:

“O relacionamento de longo prazo da banca foi substituído por transações bancárias de curto prazo, frequentemente envolvendo engenharia financeira oportunista; a maximização de lucros, em busca do valor do acionista, significou uma crescente confiança nos intrinsicamente arriscados negócios com a especulação; e, para os negociantes, o fascínio dos bônus anuais de sete dígitos viu-os sistematicamente envolvidos em cômicas apostas de via única – de via única porque eles não são pessoalmente responsáveis pelas perdas (‘outras pessoas é dinheiro’), ao contrário da velha City de saudável estrutura de parceria” [17].

Naturalmente, esta aproximação reflete certa nostalgia por uma “idade dourada” do capitalismo que nunca existiu, e para nada contribui além de lançar luz sobre o impasse que o sistema alcançou atualmente. Uma consequência desta desregulamentação tem sido o aumento do comércio de alta frequência, onde computadores altamente poderosos realizam vastas operações, garantindo posições no mercado, em meras frações de um segundo. Em 2010, o comércio de alta frequência foi responsável por mais de 70% das transações de participações nos EUA [18]; isto eleva a especulação a um nível qualitativamente mais alto completamente, e o capitalismo se tornou ainda menos estável como resultado. O “flash crash” de seis de maio de 2010, quando certo número destes engenhos algorítmicos de comércio foi apanhado em loops de realimentação e começaram a vender agressivamente, é um dos muitos exemplos.

Que fazer?

O desenvolvimento do capitalismo, de seus inícios mercantis no sul da Itália à Revolução Industrial na Inglaterra, somente se tornou possível devido ao desenvolvimento do capital financeiro e ao papel que ele desempenhou investindo na produção. O capital financeiro conduziu a concentração do capital que levou ao desenvolvimento da moderna indústria, e mais tarde ajudou a criar o mercado mundial que hoje vemos. No entanto, enquanto se desenvolveu o capitalismo, as possibilidades de especulação e de uma orgia de dívida e jogadas arriscadas cresceram.

Isto nos traz de volta à questão do reformismo. O programa dos líderes do movimento dos trabalhadores é o de regular os excessos do sistema financeiro. Mas, como já vimos, o capital financeiro é parte integrante do capitalismo como um todo – sem acesso ao crédito, o desenvolvimento das forças produtivas seria impossível em bases capitalistas.

Uma demanda enraizada no movimento é a “taxa Robin Hood”, uma pequena taxação sobre as transações financeiras. Embora apoiemos esta demanda até certo ponto – e de fato apoiamos toda demanda por reformas que façam avançar a luta de classes –, esta taxa sobre suas propriedades não resolveria nada – simplesmente poderia impedir o mercado de funcionar adequadamente. O crédito secaria, causando até mesmo mais danos à indústria manufatureira. E, porque o poder ainda estaria nas mãos dos capitalistas, eles estariam livres para adotar todo tipo de medidas de sabotagem econômica, tais como greves de investimento, ou simplesmente mudar seus negócios para o estrangeiro. O capital financeiro é, afinal, parte de um mercado global.

Outra demanda apela para a separação dos bancos de investimento dos bancos correntes, para proteger as poupanças populares dos riscos assumidos na City. Sob o capitalismo, isto seria uma completa ficção: enquanto separados formalmente, estes bancos ainda estariam sendo financiados, nos bastidores, pela mesma matriz de hedge-funds e empresas fantasmas de investimento. A complexa rede do crédito, os meios reais pelos quais o capital financeiro domina a economia, torna isto impossível de evitar. Em última análise, os riscos assumidos pela City ainda seriam transferidos para os clientes dos bancos correntes.

Que fazer? O capitalismo está no impasse. Quando a especulação de curto prazo e as apostas arriscadas são mais lucrativas do que o desenvolvimento das forças produtivas, então o papel útil do sistema acabou. O capitalismo financeiro não é um crescimento canceroso a ser amputado de um corpo saudável – é parte integrante do organismo do capitalismo.

A sociedade somente pode avançar quando o investimento é feito com base nas necessidades humanas, e não no lucro. Devemos nacionalizar os bancos e as grandes instituições financeiras sob o controle dos trabalhadores, integrando-os em um plano democrático de produção. Em outras palavras, devemos derrubar o sistema que agora é um obstáculo ao desenvolvimento humano. Só então o vasto potencial da humanidade poderia ser adequadamente realizado para sempre.

      

[1]http://www.ippr.org/juncture/171/9200/building-a-responsible-capitalism

[2]http://www.politics.co.uk/opinion-formers/unite-the-union-t-g-section/article/unite-delegates-vow-to-fight-feral-capitalism-with-robin-hoo

[3]http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2012/oct/26/ford-wake-up-call-government

[4]; S. R. Epstein, The Rise and Decline of Italian City States, p1,http://eprints.lse.ac.uk/22389/1/wp51.pdf

[5]; Ibid., p7

[6]; Ibid.

[7]; Ibid., p10

[8]; A. L. Morton, A People’s History of England, p60

[9]; Karl Marx, Capital;vol. I, §27,http://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/ch27.htm

[10]; Ibid., §31, http://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/ch31.htm

[11]; A. L. Morton, A People’s History of England, p250

[12]; Karl Marx, Capital vol. III, §25,http://www.marxists.org/archive/marx/works/1894-c3/ch25.htm

[13]; Ibid.

[14]; Friedrich Engels, Anti-Dühring, §24,http://www.marxists.org/archive/marx/works/1877/anti-duhring/ch24.htm

[15]; V. I. Lenin, Imperialism, the Highest Stage of Capitalism, §4,http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1916/imp-hsc/ch04.htm

[16]; Ibid.

[17]http://www.telegraph.co.uk/finance/financialcrisis/8850654/Was-the-Big-Bang-good-for-the-City-of-London-and-Britain.html

[18]; Rene Carmona and Kevin Webster, High Frequency Market Making,http://arxiv.org/abs/1210.5781v1