Desastre aéreo - O luto e a política

Sim, Lula, José Serra, a TAM e todas as empresas choram lágrimas de crocodilo e derramam dores e providências. Cada uma delas, entretanto, só leva a mais acidentes, mais mortes e mais dores. A luta da classe trabalhadora contra as privatizações e contra a destruição dos direitos é que podem impedir a continuidade dessas tragédias.

Lula agiu rápido: decretou 3 dias de luto oficial, despachou o Ministro da Aeronáutica para Congonhas e determinou que a Polícia Federal abra inquérito policial para apurar possíveis responsabilidades de autoridades públicas por terem deixado a pista com defeito, sem as ranhuras responsáveis pelo escoamento de água. O Governador de SP, José Serra, aterrissou de helicóptero ainda na noite do acidente, verificou pessoalmente o que acontecia, anunciou na TV que, segundo os bombeiros, não havia probabilidade de existirem sobreviventes. A TAM disponibilizou vôos para levar os parentes das vítimas para São Paulo. O Ministro da Aeronáutica reúne-se com os parentes para prestar esclarecimentos.

Tudo muito certo, todos cumprindo direitinho o seu papel. Mas, quem vai devolver a vida aos 186 passageiros e tripulantes da aeronave? Quem vai devolver a vida de um número indeterminado de funcionários e pessoas que estavam no prédio da TAM? Ninguém, a vida humana não tem preço.

Nós nos solidarizamos com todos os parentes das vítimas. Mas cumprimos o nosso papel e temos que fazer aquilo que a burguesia e a grande imprensa não podem fazer: colar em todas estas autoridades e empresas um carimbo: culpados! Eles são, em ultima análise, os responsáveis. Comecemos com um depoimento de pilotos, colhidos pelo Estado de SP e publicado em seu site (http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid20326,0.htm, em 18/07/07, as 00:49), reportagem de Sergio Duran:

"Era um pista tão nova e já muito emborrachada", completou o comandante. Ele explica que também informou em seus relatórios que a borracha solta dos pneus dos aviões estava deixando a pista mais escorregadia ainda.

Os pilotos não pareciam tão tranqüilos como os passageiros. "Todos sabem que a pista não poderia estar aberta com essa chuva. Ela não está pronta. Mas piloto não pode reclamar porque perde emprego", diz um experiente piloto, com 33 mil horas de vôo no currículo, que preferiu não se identificar. "Se fosse eu, teria arremetido a aeronave. Não decolaria com esta chuva. Mas como muitos aviões aterrissaram sem problema, o piloto deve ter achado que seria seguro. Mas não é."

Sim, depois de assistirmos os controladores de vôo serem responsabilizados criminalmente e presos, agora assistimos os pilotos explicarem... piloto não pode reclamar porque perde emprego. Como chegamos a esta situação, em que os que deveriam ser responsáveis por nossa segurança, como profissionais, não podem exercer a sua profissão dignamente, não podem zelar pela segurança dos passageiros? Como dois acidentes podem ocorrem em um espaço de menos de um ano, como se pode chegar a ter o maior acidente aéreo da América Latina apesar de repetidos avisos, apesar de a imprensa destacar diariamente que a pista escorregava, apesar de no dia anterior um avião ter deslizado, como ninguém tomou providências...antes do acidente?

A privatização e os acidentes

A comissão parlamentar de inquérito concluiu que, para resolver os problemas dos aeroportos, era desejável a privatização de todos eles. Privatização? Mas esta foi a origem dos males dos transportes no Brasil e, em conseqüência, as origens desta crise. Sigamos um pouco a história.

Em primeiro lugar, a malha ferroviária foi sucateada preparando a privatização, processo que começou no governo militar, passou por Sarney, Collor e terminou com Fernando Henrique. Os trens de passageiros, em particular os que faziam o percurso de RJ-SP e BH-RJ, foram desativados. Neste processo, subiram os preços das passagens rodoviárias, pioraram as estradas, preparando a privatização. E "explodiu" o transporte aéreo, com um crescimento fenomenal, com passagens de preços próximos ao transporte rodoviário. As Cias aéreas foram privatizadas (Varig e VASP), ainda no governo Collor. A Varig, depois disso, é progressivamente sucateada e destruída. Surgem as Cias de "baixo custo" ("low profile"), como a TAM e agora diversas outras (BRA, etc). E uma concorrência selvagem se desencadeia, com a abertura inclusive do mercado internacional (o fim da Varig levou a isso). Assim, tudo deve ser feito para garantir que as aeronaves voem o máximo possível, com o menor tempo em solo possível. Enquanto isso, a infra-estrutura de solo ...

Os aeroportos no Brasil foram, na maioria dos casos, construídos durante a ditadura militar. Alguns são verdadeiros "elefantes brancos", sem sentido, como o aeroporto de BH, que é tão longe da cidade que se demora mais viajando do aeroporto para a cidade que na viagem aérea. De forma geral, sem um meio de transporte barato para os aeroportos, com os metrôs passando ao largo para garantir o mercado dos táxis (no Rio, o metrô fica há uma distância de 10min a pé do aeroporto, em SP se vai de táxi ao metrô em 10 min, nos aeroportos longe não existe tal situação e tem-se linhas de ônibus exclusivas, com preço alto).

Durante o governo FHC e o governo Lula, começaram e acabaram várias obras que "reformularam" os aeroportos. Constroem-se hotéis, cinemas, restaurantes...verdadeiros shoppings. Salas de estar bonitas...e as pistas continuam iguais, sem crescimento, sem manutenção. Neste espaço de tempo, aeroportos que deveriam fazer somente o tráfego "local", como o de Congonhas e o de Santos Dumont, particularmente o de Congonhas, aumenta o tráfego. Congonhas se torna o aeroporto mais movimentado do Brasil, no centro de SP, com uma pista absurdamente curta, sem possibilidade de crescimento a não ser com desapropriações muito altas.

Os acidentes se sucedem na pista, deslizamentos em particular. A pista entra em obras, mas as Cias aéreas não aceitam que o aeroporto seja desativado durante as obras, usando a pista auxiliar (mais curta ainda). E termina-se a obra sem terminar, sem as tais ranhuras para que tudo volte ao normal no período de férias e na realização dos jogos Pan-americanos.

Como disse o governador, "uma tragédia anunciada", embora tenha esquecido de dizer que ele teve responsabilidade como Ministro de FHC nesta política que levou à tragédia. Mas, pilotos e controladores não podem reclamar?

Direitos trabalhistas e a vida humana

Lula acabou de remeter um projeto de reorganização do serviço público, criando fundações cujo quadro de pessoal será preenchido por trabalhadores regidos pela CLT. A burguesia e seus "especialistas" criticam o projeto por achar que a CLT é muito "rígida". Em palestra ontem no Conselho de Desenvolvimento que ele criou, Lula disse que era necessário reformar a CLT. A oposição, hoje, faz um papel de bumbo para as propostas de Lula, propostas que nascem dos laboratórios do FMI e das entidades empresariais. Mas, a que conduzem tais propostas?

- a privatização dos aeroportos, que só pode levar a mais mortes e tragédias. Lembramos que a privatização dos trens na Inglaterra levou ao aumento do número de acidentes!

- a destruição de mais direitos dos trabalhadores, aumento do medo e da incapacidade de exercer com dignidade a profissão, ou seja, aumenta a insegurança não só nos vôos, mas em qualquer tipo de transporte.

Sim, Lula, José Serra, a TAM e todas as empresas choram lágrimas de crocodilo e derramam dores e providências. Cada uma delas, entretanto, só leva a mais acidentes, mais mortes e mais dores. A luta da classe trabalhadora contra as privatizações e contra a destruição dos direitos é que podem impedir a continuidade dessas tragédias.