Catalunha: O povo grita e briga na rua “Votaremos em 1 de Outubro!”

Nestes dias o povo da Catalunha está lutando uma batalha épica contra o aparato repressivo de todo um Estado, levantando o direito de decidir seu destino na frente de todos os cachorros e lobos que uivam vinganças diante do desafio revolucionário de não aceitar sua legalidade (do referendo de 1 de outubro, sigla “1-O”) nem suas imposições. Dezenas de milhares saem diariamente nas ruas de toda a Catalunha, vemos os primeiros passos da classe trabalhadora entrando em cena nestes acontecimentos, e também, os primeiros elementos de organização popular com a criação de comitês de luta em alguns bairros. Milhões observam confusos e expectantes no resto do Estado espanhol. Os próximos dias se anunciam decisivos.

Por trás da operação policial e judicial do dia 20/09 pela manhã, que supostamente desmantelou o aparato organizativo do referendo e que deteve o máximo dos responsáveis, o governo e a imprensa espanhola estavam exultantes e se mostravam arrogantes: “Nós os derrotamos!”; “O 1-O já não poderá mais ser votado!”. A mensagem por trás era: “Rendam-se, sua causa não tem esperança!”

Mas em questão de algumas horas, milhares de pessoas haviam saído para as ruas de Barcelona protestando indignadas. Foi a última gota após uma semana de provocações, da inundação de policiais nas cidades e povoados, de apreensões sem ordem judicial e de confisco de materiais de votação do 1-O.

Na noite, a multidão já alcançava aproximadamente 40 mil pessoas reunidas no centro de Barcelona. As pessoas se mantiveram ao redor da Conselharia de Economia durante 20 horas, onde haviam ingressados 18 membros da Guarda Civil, que não puderam sair até altas horas da madrugada. A multidão destruiu 3 dos veículos que haviam vindo. Durante toda a noite gritavam “Votarem!” (Votaremos!), o grito de guerra do movimento, mas também gritavam “Não passarão!” e, significativamente, “Greve Geral!“. Outras várias dezenas de milhares também saíram nas ruas de toda Catalunha.

Uma característica da última semana é que o movimento na Catalunha forjou um intercâmbio constante de busca de apoio e solidariedade entre a esquerda independentista e a esquerda espanhola que apoia o direito de autodeterminação. Milhares de pessoas saíram às ruas de todo o Estado na tarde de terça em concentrações improvisadas, e em poucas horas, a iniciativa do ativismo das esquerdas, em solidariedade.

Também foi gerado um reforço de unidade na ação entre a Candidatura de Unidade Popular (CUP), Podem (marca do Podemos na Catalunha) e outras organizações que se concentraram em atos conjuntos. Durante o assédio à sede da CUP por parte da polícia, o Podem ofereceu sua própria sede aos ativistas da CUP ali congregados como lugar para descansar, carregar seus celulares, utilizar os banheiros, etc. Tudo isso permitiu vencer as suspeitas que existiam há algumas semanas entre os independentistas e não independentistas partidários do direito de decidir que está fortalecendo e ampliando o movimento.

A iniciativa de Unidos Podemos de convocar no domingo uma assembleia de parlamentares e prefeitos de todo o Estado em Zaragoza a favor do direito de decidir, vetando expressamente a PP e Ciudadanos, tem aspectos positivos, mas fica curta em aspectos decisivos. Seu objetivo é aprovar uma declaração a favor de um referendo pactuado. Tem de positivo o combate ao nacionalismo espanholista contra a Catalunha e a política repressiva contra o governo do PP, e apela para a população espanhola para que entenda a necessidade de que o povo catalão deve decidir seu destino. Isso serve para elevar o nível de consciência das camadas mais atrasadas dos trabalhadores e da pequena burguesia, impregnadas pelo nacionalismo anticatalão que a direita propaga. Também forçou o Partido Nacionalista Basco (PNV), relutantemente, a marcar as distâncias com o PP, o que, além de adiar a aprovação dos Orçamentos do Estado, desenha no horizonte a possibilidade de uma hipotética queda do governo em uma eventual moção de censura, dependendo do que ocorra nas próximas semanas ou meses. Mas o PP não se intimida com declarações, senão com a força e os feitos das ruas. Para completar, as instâncias do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) aragonês, ainda dominado pela ala neoliberal de Felipe Gonzáles, proibiu a celebração do ato em um lugar do Condado de Zaragoza, devendo mudar as instalações municipais. Nesse tema, a ala de Susana Díaz-Felipe González está completamente alinhada com o governo e a burguesia, comprometendo a posição de Pedro Sánchez que trata desesperadamente de se distanciar do PP, sem poder fazê-lo por conta de sua covardia em relação à questão nacional catalã.

Entretanto, a assembleia promovida pelo Unidos Podemos não dá nenhum apoio claro ao referendo de 1-O, nem a reconhecer seu resultado, nem acompanha a deriva autoritária do regime com uma proposta de mobilização.

Pablo Iglesias avançou em suas conclusões na última semana em pedir um acordo com o PP na questão da Catalunha, planeja agora a necessidade de um acordo com a margem da direita, mas sua alternativa confia na queda de Rajoy em uma nova moção de censura, indefinida no tempo, e em um acordo necessário com o PSOE, que não quer saber de nada da autodeterminação catalã. Entretanto, a via parlamentarista e institucional continua fechada e repleta de condicionantes por todos os lados, mas o povo catalão não pode esperar, querem votar em 1-O e estão fazendo todo o possível para colocá-lo em prática. A iniciativa passou para as ruas e nenhuma combinação parlamentarista poderá freá-la.

Na noite de quarta-feira, em meio a protestos em Barcelona, Rajoy apareceu na televisão para discursar, alheio às realidades da Catalunha, disse: “O referendo é uma quimera impossível, renunciem a essa desobediência”. E advertiu à Generalitat em tom de ameaça: “estão a tempo de evitar maiores males”.

As pessoas responderam à provocação de Rajoy saindo de novo às ruas. Quinta-feira milhares de concentraram em frente ao Tribunal Superior de Justiça da Catalunha para exigir a liberdade dos presos, que ainda são 6, todos eles pertencentes aos altos cargos da Generalitat. Centenas instalaram barracas para ocupar o lugar até que todos os presos sejam libertados. Os estudantes pararam todas as universidades de Barcelona e muitas escolas secundárias declararam uma greve indefinida. Milhares de estudantes se concentraram no Campus da Universidade Autônoma de Barcelona e muitos outros se moveram para a concentração no Arc de Triomf. Uma nova tentativa da Guarda Civil de entrar na sede da CUP, sem ordem judicial, foi frustrada pela presença de centenas de pessoas durante 8 horas, obrigando os policiais a saírem de mãos vazias. Durante a noite houveram panelaços em todos os bairros de Barcelona e em outras cidades e vilarejos.

Milhares de pessoas estão se organizando e produzindo cartazes coletivos a favor do referendo, apesar da proibição governamental. Em Reus (Tarragona), a convocação de uma produção massiva de cartazes falava de “avançar até a greve geral”. No bairro barcelonês de Poble Sec, foi constituído um Comitê em Defesa do Bairro, que celebrou ontem pela tarde sua primeira assembleia. Um companheiro, participante no ato, sintetiza o acontecido:

“Entre outras coisas, se discute organizar panelaços e piquetes cada vez que a polícia interfira no bairro, formar grupos para ir colocar cartazes e evitar prisões, fazer um mapa dos colégios eleitorais e organizar uma rede de apoio aos voluntários, criar um fundo de resistência, um grupo no Whatsapp para coordenar a luta contra a repressão. Uma mulher resume o ambiente: O 1-O começa hoje”.

Se essa experiência se generaliza e coordena a maioria dos bairros de Barcelona e das demais cidades e dos vilarejos da Catalunha, o referendo teria garantido uma verdadeira organização, por encontrar-se inoperante em grande medida pela organização oficial, e asseguraria uma enorme participação popular. A ascensão das massas nas tarefas formalmente designadas ao aparato do Estado é a medida mais fidedigna da profundidade revolucionária de um movimento popular.

A CUP, Podem e os movimentos sociais deveriam ajudar a desenvolver e ampliar essa tarefa fundamental.

Um elemento significativo na jornada de ontem foi a entrada de alguns setores da classe operária em cena. Os estivadores dos portos de Barcelona e Tarragona decidiram em assembleia se negar a atender os 3 cruzeiros de luxo que o Ministério do Interior alugou para alojar aproximadamente 6 mil policiais e guardas civis que o governo enviou para reprimir o protesto popular. Isso ocorreu após a recusa dos proprietários em muitas cidades e vilarejos em alojar as forças policiais que a população identifica corretamente como forças de ocupação.

Também uma delegação de bombeiros participou ontem na concentração do Arc de Triomf.

A central sindicalConfederação Geral do Trabalho (CGT), a quarta maior em números de delegados na Catalunha, juntamente com outros sindicatos menores, convocou uma greve geral na Catalunha para o dia 3 de outubro. Embora Confederação Sindical de Comissões de Trabalhadores (CCOO) e União Geral dos Trabalhadores (UGT) sejam as centrais sindicais majoritárias, negaram-se até agora a somar-se em qualquer medida de luta, apesar de rechaçar a repressão do governo, e passarão a sentir nestes dias a pressão social e a indignação de milhares de trabalhadores nas fábricas, empresas e escritórios.

A corrente geral está arrastando os setores cada vez mais amplos das massas ao movimento, desde trabalhadores e donas de casa, até empregados de escritórios, profissionais, funcionários, estudantes e pequenos comerciantes.

A associação de imprensa emitiu um comunicado contra a entrada das forças policiais nas empresas para confiscar o material do referendo. Mais de 5 mil jornalistas catalães assinaram um manifesto em defesa da liberdade de expressão e convocaram ontem um primeiro ato de protestos na rua. Até o Barcelona Futebol Clube emitiu um comunicado em apoio à Generalitat.

O governo catalão, que manifestou algumas vacilações ao logo da quarta-feira, voltou a empregar um tom firme de acordo com a pressão popular. Todos os elementos de um processo revolucionário em curso estão presentes na situação, que também teriam impacto no resto do Estado espanhol, sobretudo se a poderosa classe trabalhadora atuar de maneira decisiva nos acontecimentos. A autodeterminação das massas na Catalunha é ir votar em 1-O acima de qualquer consideração. Cada declaração insultante, cada ameaça arrogante apenas coloca mais gasolina no fogo da indignação social. Não é casualidade que o tom do governo e da imprensa burguesa, com La Vanguardia e o El País, seja nas últimas horas mais circunspecto, chamando para a negociação, implorando a Puigdemont que desconvoque o 1-O (Puigdemont é um dirigente político que, segundo a acusação do Estado, deveria estar preso por “sedição”!), prometendo mais autogoverno e financiamento para Catalunha. Mas Puigdemont está montado sobre um tigre que será difícil derrubar. Não contavam com a entrada das massas em cena nos acontecimentos, e que essas se organizassem por sua própria conta. “1-0 ou nada!” é o grito de guerra, e não será por menos que isso que os setores cada vez mais amplos da população na Catalunha abandonarão as ruas.

As esperanças de uma mudança radical nas vidas das pessoas comuns a partir de 2-O são poderosíssimas. A ideia de uma republica catalã, que rompa com o neofranquismo desmascarado, instalado em La Moncloa e em todas as fontes do Estado, está cativando cada dia que passa a imaginação popular. Um exemplo valente desde a Catalunha, como tantas vezes na história espanhola, mandará ondas de choque por toda a península e poderá estimular um processo similar no resto do Estado. Mas para levantar a maioria da classe trabalhadora catalã para essa perspectiva, necessita-se um poderoso programa social que não apenas tenha como bandeira o rechaço ao regime de 1978, ao seu podre aparato de estado franquista e a sua monarquia, mas uma proposta mais possível de uma transformação social: emprego digno, salários decentes, habitação para todos, serviços sociais, etc. que, em condições de crise capitalista, é incompatível com o domínio dos grandes empresários e banqueiros.

Toda revolução – e o desafio e desobediência às leis estabelecidas e injustas, protagonizados por um movimento das massas populares, é um ato revolucionário – sempre começa por reivindicações democráticas; porém, mais cedo ou mais tarde, preenchem-se de demandas sociais que abrem uma perspectiva de uma nova vida para a classe trabalhadora e os demais setores mais oprimidos. A tarefa dos socialistas revolucionários da Catalunha é promover o programa e o método para vincular a luta pela república democrática socialista. Se o amadurecimento das condições objetivas empurrarem primeiro ao estabelecimento de uma república socialista na Catalunha, esse seria o prólogo para uma revolução socialista em toda a península Ibérica. Isso poderia preparar a formação de uma federação socialista de nacionalidades e povos ibéricos no caminho de uma federação socialista europeia, e mais além…