Assessores de Trump caluniam o socialismo: uma réplica às mentiras da Casa Branca

A Casa Branca publicou um documento intitulado “Os Custos de Oportunidade do Socialismo” que reconhece a crescente popularidade do socialismo nos Estados Unidos (particularmente entre os jovens) e tenta proporcionar uma refutação científica em favor do capitalismo. Alan Woods, editor do portal “In Defence of Marxism”, responde às calúnias desse documento e demonstra porque as ideias socialistas estão ganhando terreno nos EUA.

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Recentemente, um grupo de especialistas da Casa Branca de Donald Trump produziu um relatório de 76 páginas sobre o socialismo, que eles evidentemente veem como uma crescente ameaça nos EUA. O relatório pode ser lido na íntegra, em inglês, aqui.

Os autores do relatório são membros do Conselho de Assessores Econômicos (CEA, em suas siglas em inglês). É assim como o Conselho se descreve:

“O Conselho de Assessores Econômicos, uma agência dentro do Escritório Executivo do Presidente, está encarregado de oferecer ao presidente conselhos econômicos objetivos para a formulação da política econômica nacional e internacional. O Conselho baseia suas recomendações e análises na pesquisa econômica e na evidência empírica, utilizando os melhores dados disponíveis para apoiar o presidente no estabelecimento da política econômica de nossa nação” (ênfase nossa).

Considerando o fato de que as políticas seguidas pelo presente ocupante do Salão Oval são consideradas altamente questionáveis do ponto de vista de muitos estrategistas do capital, pode-se suspeitar de que o assessoramento objetivo proporcionado pela CEA não seja do mais alto nível possível de qualidade. Essas suspeitas são amplamente confirmadas por seu assessoramento com relação ao socialismo.

Contudo, vamos suspender o julgamento até que tenhamos examinado pelo menos as principais linhas desse interessante documento.

Os valentes pequenos alfaiates da Casa Branca

No conto infantil, o pequeno e valente alfaiate – o herói, irritado com o zumbido de moscas voando em volta de seu sanduíche de geleia – golpeia-as com um jornal ou algo assim (não estamos seguros de que existissem jornais naquela época), matando sete dos irritantes insetos. Orgulhoso de sua façanha, ele desfila pela cidade com uma faixa que diz “sete de um só golpe”. As pessoas naturalmente assumem que ele está se referindo a sete homens e não a sete moscas. Consequentemente, sua fama cresce exponencialmente: ele enfrenta e derrota vários gigantes, casa-se com uma princesa, torna-se rei e vive feliz para sempre.

As façanhas do CEA são comparáveis às do pequeno e valente alfaiate, mas em escala muito mais ampla. Os representantes intelectuais da Casa Branca (se formos suficientemente ousados para descrevê-los dessa forma) não andam pelas ruas com uma faixa, mas publicam suas aventuras no campo das ideias nos meios de comunicação de massa.

Porém, apesar das semelhanças superficiais, há uma diferença entre os dois. Enquanto o pequeno alfaiate do conto era bastante inconsciente de suas ações, os da Casa Branca, que elaboraram esse lamentável documento, estão muito conscientes do fato de que, para desacreditar as ideias do socialismo, devem recorrer ao tipo mais descarado de truques. Esses truques podem muito bem servir para enganar pessoas ingênuas, mas para os que ainda conservam um cérebro para pensar, o engodo é tão transparente ao ponto de chegar ao cômico, como tudo o que emerge da Casa Branca nesses dias.

É muito significativo que façam tudo o que é possível para desmascarar “cientificamente” o socialismo, mesmo que isso se reduza a uma caricatura vulgar ou, como algumas pessoas gostam de dizer, a uma Fake News. Levantam um homem de palha para derrubá-lo mais uma vez. O truque principal é equiparar o socialismo tanto ao totalitarismo burocrático estalinista quanto ao reformismo socialdemocrata. Ambas as analogias são falsas, como iremos demonstrar.

Marx está de volta

O documento começa com um floreio surpreendente:

“Coincidindo com o 200o aniversário do nascimento de Karl Marx, o socialismo está reaparecendo no discurso político estadunidense” (ênfase minha, AW).

Sobre essa avaliação não pode haver duas opiniões. O surpreendente êxito da campanha de Bernie Sanders, o crescimento dos Socialistas Democráticos da América e muitos outros sintomas mostram uma mudança surpreendente de atitudes nos EUA com relação ao socialismo.

Não há muito, o socialismo nos EUA era equiparado ao comunismo, que, por sua vez, era equiparado à Rússia estalinista, que, por sua vez, era equiparada ao Império do Mal, que, como todos sabemos, era equiparado ao reino sinistro de Satã, ao Anticristo e a tudo o que era contrário à torta de maçã, à mãe pátria e a todos os bem conhecidos valores estadunidenses.

Durante décadas, o público estadunidense foi alimentado com uma dieta constante deste tipo de coisa. Portanto, surpreende a muitas pessoas que as recentes pesquisas de opinião tenham indicado uma mudança significativa na atitude dos norte-americanos comuns e correntes com relação ao socialismo. Isso está causando alarme crescente entre os comentaristas conservadores, incluindo os da Casa Branca de Donald Trump.

Os temores são bem-fundados. O crescente apoio às ideias socialistas está bem documentado. Aqui estão alguns exemplos. Quase a metade dos millenials democratas disseram que se identificavam como socialistas ou socialistas democráticos, de acordo com uma nova pesquisa de BuzzFeed News e Maru/Blue. Quase a metade, 48%, disse que se chamariam socialistas democráticos ou socialistas, comparados aos 39% que disseram não se identificar com nenhum dos dois.

As percentagens foram naturalmente mais baixas entre os millenials republicanos, embora, surpreendentemente, 23% destes disseram que se consideravam socialistas democráticos ou socialistas. Quase o dobro dos millenials disse que pelo menos se inclinavam para os Democratas em vez dos Republicanos, de 48 a 25%, enquanto 19% dos pesquisados se identificavam como independentes.

Pela primeira vez na avaliação de Gallup na última década, os autoidentificados democratas têm uma visão mais positiva do socialismo do que do capitalismo. A atitude com relação ao socialismo entre os democratas não mudou materialmente desde 2010, com 57% tendo hoje uma visão positiva. A principal mudança entre os democratas foi uma atitude menos favorável com relação ao capitalismo, que caiu para 47% neste ano – mais baixa do que em qualquer das três medições anteriores, embora os republicanos mantenham-se muito mais positivos com o capitalismo do que com o socialismo (16% são positivos com o socialismo), com poucas mudanças sustentadas em suas visões desde 2010.

Um artigo que apareceu nas páginas de ‘The National Review” de 18 de março de 2017, sob o interessante título: “A crescente popularidade do socialismo ameaça o futuro da América”, comenta:

“O resultado mais alarmante, segundo [George] Barna, foi que quatro de cada dez adultos dizem preferir o socialismo ao capitalismo’, observou ACFI em seus comentários sobre a pesquisa. ‘É uma grande minoria’, disse Barna, ‘e inclui uma maioria de liberais – que estarão pressionando por um modelo econômico totalmente diferente para dominar nossa nação. Esse é o material das guerras civis. Deve tocar o alarme entre os líderes mais tradicionalmente orientados de todo o país’. Que 40% dos estadunidenses prefiram agora o socialismo ao capitalismo pode significar grandes mudanças nas políticas promovidas pelos legisladores e líderes políticos e nas interpretações de juízes que governam a aplicação das novas leis e das preexistentes”.

No caso de que alguém não tenha entendido a gravidade da situação, o artigo é introduzido com um subtítulo adequadamente dramático: Muitos de nós esquecemos as lições da Guerra Fria. O documento da Casa Branca sublinha o ponto:

“Propostas políticas detalhadas dos autoproclamados socialistas estão ganhando apoio no Congresso e entre os eleitores”.

Na medida em que o documento se refere ao eleitorado (isto é, à população em geral), essa observação está correta. Mas a noção de que o Congresso estadunidense está inundado de Vermelhos é um exagero até mesmo na imaginação do cérebro mais fértil. Evidentemente, o que os intelectuais da Casa Branca querem dizer é que existem algumas pessoas no Congresso que defendem ideias revolucionárias como o direito do povo estadunidense à saúde universal, à educação gratuita, à garantia de uma renda mínima e a outras propostas absurdas que são claramente subversivas aos ideais do livre mercado.

É triste dizer que não há muitas evidências de apoio à visão de que os Democratas no Congresso estão prestes a levantar a bandeira vermelha sobre o Capitólio. As modestas propostas mencionadas acima estão muito longe de ser revolucionárias ou, pelo menos, não seriam consideradas como tais por alguma sociedade relativamente civilizada. Muitas delas existem, em um grau ou outro, na Escandinávia, na Grã-Bretanha, na França e na Alemanha, e não parecm ter subvertido minimamente a ordem capitalista.

O fato de que agora há um certo e morno apoio ao “socialismo” entre alguns democratas no Congresso é obviamente o sinal de uma mudança, quando se compara esse fato ao apoio zero do passado. Mas de forma alguma representa uma súbita conversão dos democratas ao socialismo genuíno. O que assinala é uma crescente pressão, vinda de baixo, sobre o Congresso por milhões de estadunidenses que estão cada vez mais descontentes com a lei da selva que dominou suas vidas até agora.

O relatório continua: “Não está claro, naturalmente, o que tem em mente um eleitor típico quando pensa em ‘socialismo’”. Lamentavelmente, isso é verdade. Contudo, embora possa se dar o caso de que a maioria das pessoas não saiba exatamente o que elas querem, também é verdade que elas sabem perfeitamente bem o que não querem. Elas não desejam viver em uma sociedade onde se nega a milhões de pessoas os cuidados elementares de saúde, que deveriam ser um direito inalienável das pessoas em qualquer sociedade civilizada. Elas não querem ser exploradas por empresários capitalistas gananciosos que pagam salários miseráveis por longas horas de trabalho duro.

Tampouco querem essas pessoas ser dominadas por uma pequena quadrilha de banqueiros e capitalistas obscenamente ricos que não produzem nada apesar de possuírem e controlarem tudo. Estão fartas do velho sistema pelo qual os políticos endinheirados – tanto os republicanos quanto os democratas – estão nos bolsos de Wall Street e governam de acordo com os interesses de sua classe em detrimento dos interesses da esmagadora maioria.

Décadas de raiva, indignação e frustração, que foram se acumulando gradualmente sob a superfície, estão finalmente começando a explodir. De forma peculiar, mesmo a eleição de Donald Trump refletiu essa raiva. Mas Trump, ele próprio um bilionário, não representa os interesses da maioria dos estadunidenses da classe trabalhadora. Essencialmente, ele representa os mesmos interesses de classe de Hillary Clinton: dos banqueiros e capitalistas, embora faça isso a sua maneira peculiar que nem sempre é do agrado desses últimos.

Palavras, palavras, palavras…

Tendo dispensado as preliminares, a CEA agora começa a fazer o seu trabalho:

“(…) economistas geralmente concordam sobre como definir socialismo, e eles dedicaram muito tempo e recursos para estudar seus custos e benefícios. Com um olho nesse amplo corpo de literatura, este relatório discute as visões e intenções históricas do socialismo, suas características econômicas, seu impacto no desempenho econômico e suas relações com as recentes propostas de políticas nos EUA”.

Uma das características infelizes do capitalismo moderno e de seus gurus intelectuais é o constante rebaixamento da língua inglesa. As palavras são constantemente distorcidas além de todo reconhecimento, frequentemente se transformando em seu oposto. Assim, hoje em dia, ninguém tem mais problemas, tem apenas “questões”. As pessoas não são mais assassinadas, são meramente “eliminadas”. Não há mais vítimas civis inocentes nas guerras, mas somente “efeito colateral”. Esse tipo de coisa leva o Newspeak [nova linguagem] de George Orwell a um novo nível de sublimação.

Os autores do presente relatório deram o melhor de si para continuar desenvolvendo a suave arte do ofuscamento linguístico. No caso em vista é a frase “custos de oportunidade”. Porém, pelo menos tentam oferecer uma definição de dicionário de seu estranho vocabulário. Um “custo de oportunidade” é definido como “a perda de ganho potencial de outras alternativas quando uma alternativa é escolhida”.

Que enfrentamos várias oportunidades diferentes é auto-evidente até mesmo para uma criança não muito culta de seis anos de idade. Mas de que alternativas específicas estamos falando? Uma das alternativas é a que já existe. Ela é conhecida como capitalismo. Isso significa, em linguagem muito simples: um sistema econômico onde tudo depende de uma só coisa: da produção para o lucro. A vida de milhões de homens e mulheres é determinada sob o capitalismo por esse simples fato.

Enquanto os capitalistas e banqueiros puderem obter o que consideram ser um nível adequado de lucros espremendo o trabalho dos trabalhadores, continuarão a produzir, as pessoas terão empregos e poderão obter até mesmo algumas migalhas da mesa dos ricos. Mas, se os capitalistas não estiverem obtendo o que consideram ser uma recompensa adequada por seu “trabalho” (do que realmente consiste esse trabalho já é um problema discutível), fecharão as fábricas como se fossem caixas de fósforos, lançando os trabalhadores nas ruas sem o menor escrúpulo, destruindo comunidades inteiras e reduzindo toda uma geração ao desespero.

Foi isso o que realmente aconteceu a muitos trabalhadores estadunidenses. Áreas anteriormente prósperas, onde indústrias de grande escala produziam bens em escala massiva, foram reduzidas a desertos industriais. Na Pennsylvania, no Ohio e no Michigan, no Norte de Indiana, a Leste de Illinois, e no Wisconsin, minas e fábricas foram fechadas, comunidades dizimadas e milhões de cidadãos estadunidenses foram reduzidos a níveis de pobreza, miséria e desespero nunca vistos antes desde a década de 1930.

Foi a rejeição dessa chamada alternativa o que estava, em grande parte, por trás da busca desesperada por outro caminho, o que ficou muito claro durante a última eleição presidencial. Isso se expressou na ascensão de Donald Trump, que apelou demagogicamente a milhões de estadunidenses que foram lançados na pilha de rejeitos pelo sistema capitalista. Sua retórica chamou a atenção de pessoas às quais os outros políticos não davam atenção ou sequer mencionavam. Foi isso e não qualquer “interferência russa” o que determinou os resultados da eleição presidencial.

Trump e Sanders

No entanto, há outro lado nessa questão. Quando Bernie Sanders anunciou pela primeira vez sua candidatura, muito poucos estadunidenses haviam ouvido falar dele. Por um lado, todos haviam ouvido falar de Hillary Clinton. No entanto, dentro de curto espaço de tempo, Bernie Sanders disparou nas pesquisas. Seus comícios eram assistidos por dezenas de milhares de pessoas entusiasmadas, na maioria jovens, que buscavam uma alternativa.

Nessas reuniões de massas, Sanders falou sobre socialismo, atacou os ricos e poderosos e até mesmo falou da necessidade de uma revolução política contra a classe bilionária. E seus discursos golpearam como um acorde compreensível, não somente junto aos seus seguidores, como também junto a muitas pessoas que apoiavam Donald Trump. De fato, Sanders era o único candidato que poderia derrotar Trump. Como era previsível, no final, o establishment do Partido Democrata fez Bernie Sanders sucumbir, e ele, infelizmente, aceitou o fato e pediu as pessoas para votar em Hillary Clinton – corretamente vista por muitas pessoas como a candidata de Wall Street. O resultado é bem conhecido.

O grande escritor norte-americano Gore Vidal explicou certa vez que “nossa república tem um só partido – o partido da propriedade – que tem duas alas”. Não há muito a se acrescentar a essa notável definição da política estadunidense. O grande erro de Sanders foi ligar sua campanha ao Partido Democrata, que não é um partido menos capitalista do que o Partido Republicano.

O que é socialismo?

Agora, finalmente, os autores do documento tentam nos dizer o que o socialismo realmente é:

“Para os economistas, socialismo não é uma designação vazia. Se um país ou uma indústria é socialista, trata-se do grau em que (a) os meios de produção, distribuição e intercâmbio são de propriedade ou são regulados pelo Estado; e (b) o Estado utiliza o seu controle para distribuir a produção econômica sem levar em conta a disposição dos consumidores finais para pagar ou trocar (isto é, dando recursos ‘de forma gratuita’). Como explicado acima, esta definição está em conformidade tanto com as declarações quanto com as políticas propostas pelos principais socialistas, de Karl Marx a Vladimir Lênin, de Mao Zedong aos atuais socialistas estadunidenses”.

A definição de socialismo proporcionada por esses economistas anônimos vem direto da era “Red Scare” [Medo do Vermelho] da política estadunidense. Sob o socialismo, nos informam, tudo estará nas mãos do Estado – esse estado monstruoso, opressivo e burocrático que deseja controlar todos os aspectos de nossas vidas e nos reduzir ao nível de escravos. Ainda pior, em uma economia onde a produção, a distribuição e o intercâmbio são “de propriedade ou regulados pelo Estado”, a “produção econômica” (seja lá o que isso signifique) será distribuída “sem levar em conta a disposição dos consumidores finais para pagar”. Isso é o mesmo que “dar recursos de forma gratuita”, essa coisa definitivamente horrorosa.

A ideia de dar algo de forma gratuita fará calafrios percorrerem a espinha de cada empresário e banqueiro que se preze, da Florida até o Alaska. Essa ideia monstruosa significaria o fim da civilização como a conhecemos. Entretanto, vamos analisar a questão mais detalhadamente. Primeiramente, avancemos nossa própria e muito simples definição da diferença fundamental entre socialismo e capitalismo. Capitalismo, como já dissemos, é produção para o lucro privado. Socialismo é produção para a satisfação das necessidades humanas. Se nos ativermos a essas duas ideias fundamentais não pode haver confusão sobre o assunto.

Tomemos a presente situação. Nas primeiras décadas do século 21, vivemos em um mundo em que as forças produtivas foram desenvolvidas a tal ponto que, pela primeira vez na história humana, podemos honestamente dizer que não existe nenhuma necessidade de alguém morrer de fome, que não há nenhuma necessidade de alguma pessoa ficar desabrigado, que não há nenhuma necessidade de uma criança morrer por falta de água potável ou de cuidados médicos elementares e não há nenhuma necessidade de alguém permanecer analfabeto.

No mundo moderno, não há necessidade de que exista qualquer uma dessas coisas. E, no entanto, todas essas coisas existem em escala gigantesca, não somente no que se costuma chamar de “Terceiro Mundo” – África, Ásia e América Latina – como também nos países capitalistas avançados, incluindo os EUA, o país mais rico da Terra.

“Disposição de pagar”

Existe um abismo intransponível separando a teoria da “economia de livre mercado” capitalista e sua prática. O documento fala da “disposição” dos consumidores em pagar. Do que realmente estão falando é da capacidade para pagar. Todos estariam dispostos a pagar por um apartamento confortável em Nova Iorque ou São Francisco – se pudessem. O problema é que os preços monstruosos do alojamento nas grandes cidades estadunidenses impõem até mesmo o requisito elementar de um lar fora do alcance de muitos, senão da maioria, dos estadunidenses.

Voltamos aqui à diferença fundamental entre socialismo e capitalismo. Sob o capitalismo, as mercadorias só são produzidas onde há demanda para elas. Mas aqui, a palavra demanda deve ser definida corretamente. Há uma enorme diferença entre demanda no abstrato e o que os economistas se referem como demanda efetiva. Há obviamente uma enorme demanda por moradias nos EUA, como há na Grã-Bretanha e em todos os outros países. Infelizmente, demanda efetiva é outra coisa.

O célebre escritor francês, Anatole France, certa vez escreveu: “A majestosa igualdade da lei proíbe tanto o rico quanto o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão”. Essa frase é altamente aplicável a presente situação nos EUA. Naturalmente, todos sob o capitalismo gozam de liberdade de escolha. Porém, para milhões de pessoas pobres, a escolha tão alardeada oferecida pela economia de mercado é dormir sob um teto ou debaixo de uma ponte.

O alto custo da moradia é um dos maiores escândalos do período em que vivemos. Os milhões de sem-teto que mostram uma vontade fervente de adquirir um teto sobre suas cabeças lamentavelmente carecem dos meios para transformar esta vontade abstrata em uma compra real.

Há incentivos sob o capitalismo?

O documento continua:

“Descobrimos que os proponentes históricos e os contemporâneos nos EUA de políticas socialistas compartilham algumas de suas visões e intenções. Ambos caracterizam a distribuição da renda em economias de mercado como um resultado injusto da ‘exploração’, o que poderia ser corrigido por um extenso controle estatal”.

Notamos que a palavra exploração é colocada entre aspas. Isso implica que a exploração capitalista não existe. De acordo com isso, os lucros da classe capitalista devem surgir do nada. Supõe que a relação entre capital e trabalho assalariado é inteiramente harmoniosa, igual e equitativa. E que todos vivemos felizes para sempre.

Qualquer trabalhador estadunidense sabe que isso é apenas um conto de fadas. As relações entre trabalhadores e capitalistas não são harmoniosas em absoluto, pelo contrário, são totalmente antagônicas. Isso é assim pela simples razão de que os lucros dos capitalistas derivam do trabalho não pago à classe trabalhadora. E não pode derivar de outra coisa. Os autores do documento descartam o conceito de “exploração” como uma “queixa” da esquerda. Referem-se timidamente à “distribuição da renda em economias de mercado”. Mas não nos dizem o que é essa distribuição. Tomemos um momento para esclarecê-los.

As estatísticas mostram que há um aumento de longo prazo na desigualdade entre as camadas mais ricas da sociedade estadunidense e as mais pobres. Após a Grande Depressão da década de 1930, o fosso entre rico e pobre na realidade diminuiu. Agora pode ser vista a tendência contrária. Atualmente, um quarto dos trabalhadores estadunidenses ganha menos de 10 dólares por hora, o que está abaixo do nível federal de pobreza. Entre 1979 e 2007, a renda familiar aumentou 275% para o 1% mais rico das famílias. Subiu 65% para a quinta parte superior. A quinta parte inferior teve um aumento de apenas 18%.

De acordo com as estimativas de 2017 do Escritório de Recenseamento dos EUA, 12,3% da população estadunidense (39,7 milhões de pessoas) estavam vivendo na pobreza de acordo com a medida oficial. A pesquisa é enviada às residências estadunidenses, portanto as estimativas de pobreza não incluem os sem-teto. Essas cifras também excluem o pessoal militar que não vive com pelo menos um civil adulto, bem como os adultos encarcerados.

Outras estimativas são ainda mais altas. De acordo com o Escritório de Recenseamento, 18,5 milhões de pessoas relataram pobreza profunda, o que significa uma renda familiar 50% abaixo do limiar de pobreza de 2017. Esses indivíduos representavam estimativamente 5,7% de todos os estadunidenses e 46,7% daqueles em situação de pobreza. A maioria dos trabalhadores de baixa renda não recebe qualquer seguro de saúde, auxílio doença ou planos de pensão de seus empregadores. Esses trabalhadores não podem se dar ao luxo de ficar doentes e não têm esperança de se aposentar.

O que significa a exploração capitalista

Karl Marx explicou há muito que os lucros dos capitalistas são realmente o trabalho não-remunerado dos trabalhadores. A relação entre trabalho assalariado e capital é, portanto, intrinsecamente antagônica. Isso é verdade, mesmo nos períodos favoráveis, quando os salários estão aumentando, como Marx assinala:

“Vemos, portanto, que, mesmo se permanecemos nos limites da relação entre o capital e o trabalho assalariado, os interesses do capital e os interesses do trabalho assalariado são diametralmente opostos.

“Um crescimento rápido do capital equivale a um crescimento rápido do lucro. O lucro não pode crescer rapidamente, a não ser que o preço do trabalho – o salário relativo – diminua com a mesma rapidez. O salário relativo pode baixar, ainda que o salário real suba ao mesmo tempo que o salário nominal, o valor do trabalho em dinheiro, mas desde que esses últimos não subam na mesma proporção que o lucro. Se, por exemplo, numa época de bons negócios, o salário sobe 5%, e o lucro 30%, o salário relativo, proporcional não aumentou, diminuiu.

“Se a renda do trabalhador aumenta com o crescimento rápido do capital, alarga-se ao mesmo tempo o abismo social que separa o trabalhador do capitalista e crescem, ao mesmo tempo, o poderio do capital sobre o trabalho, a situação de dependência do trabalho em relação ao capital.

“Dizer que ‘o trabalhador tem interesse em um rápido crescimento do capital’ significa apenas isso: quanto mais o trabalhador aumenta rapidamente a riqueza de outrem, tanto mais serão substanciais as migalhas que ele recolhe do festim; quanto mais operários possam ser ocupados, quanto mais se reproduzam, tanto mais se multiplica a massa de escravos na dependência do capital.

“Verificamos assim que, mesmo a situação mais favorável para a classe trabalhadora, o crescimento mais rápido possível do capital, por mais que melhore a vida material do trabalhador, não suprime o antagonismo entre seus interesses e os interesses do patrão, os interesses do capitalista. Lucro e salário permanecem, como antes, na razão inversa um do outro.

“Quando o capital aumenta rapidamente, o salário pode aumentar, mas o lucro do capital cresce incomparavelmente mais depressa. A situação material do operário melhorou, mas à custa de sua situação social. O abismo social que o separa do capitalista alargou-se” (Marx, Trabalho Assalariado e Capital, Obras Escolhidas de Marx e Engels).

Certamente é esse o caso nos EUA, onde os lucros estiveram no auge, enquanto os salários estagnavam em grande medida, e a participação dos salários na riqueza criada por eles caiu significativamente. Um informe dos Institutos de Política Econômica (agosto de 2018) assinala que:

“De 1973 a 2017, a produtividade líquida aumentou 77%, enquanto o salário por hora dos trabalhadores essencialmente estancou – aumentando apenas 12,4% durante 44 anos (após o ajuste pela inflação). Isso significa que, embora os estadunidenses estejam trabalhando de forma mais produtiva que nunca, os frutos de seu trabalho foram atribuídos principalmente aos que estão no topo e aos lucros das empresas, particularmente nos anos recentes”.

Os ricos ficaram cada vez mais ricos depois da crise financeira de 2008. Em 2012, os 10% mais ricos levaram para casa 50% de toda a renda. Essa é a maior percentagem nos últimos 100 anos. Em 2015, os 10% mais ricos dos EUA já tinham uma média de renda nove vezes maior do que os restantes 90%. E o 1% mais rico entre os estadunidenses tinham em média 40 vezes mais renda do que os 90% mais pobres.

Como os ricos ficaram mais rapidamente ricos, sua fatia do pastel cresceu. O 1% mais rico aumentou sua participação na renda total em 10%. Todos os demais viram sua parte do pastel encolher em 1-2%. Embora a renda dos pobres tenha melhorado em termos absolutos, eles caíram ainda mais quando comparados aos mais ricos. Como resultado, a desigualdade está piorando constantemente.

Os grandes capitalistas estão realizando lucros obscenos. O CEO de Marathon Petroleum ganhou 19,7 milhões de dólares, 935 vezes mais do que um trabalhador médio da empresa (21.034 dólares). O CEO de Whirlpool ganhou 7,1 milhões de dólares, 356 vezes mais do que o salário médio de seus empregados, que é de 19.906 dólares. O salário médio dos trabalhadores de Honeywell é de 50.000 dólares. Seu CEO ganhou 16,8 milhões de dólares, ou 333 vezes mais.

Essa tendência não está limitada aos EUA. Há, de fato, uma tendência global ao aumento da desigualdade da renda nas economias em desenvolvimento e desenvolvidas. Em primeiro lugar, os salários reais estagnaram para a maioria da população, apesar do aumento da produtividade, devido às políticas anti-trabalhistas, que minam os acordos coletivos. Em segundo, houve uma crescente acumulação da riqueza no topo através da redução de impostos para as empresas e pessoas de alta renda.

David Autor, economista do MIT, produziu um artigo junto a outros quatro economistas intitulado, “A Queda da Participação do Trabalho e a Ascensão das Empresas Superstar”. Nele, lemos:

“As indústrias se caracterizam crescentemente pelo recurso de ‘o ganhador leva a maior parte’, em que um pequeno número de empresas obtém uma parte muito grande do mercado”.

Entre os economistas, um dos desenvolvimentos mais discutidos é o declínio abrupto na percentagem do produto econômico total que flui para o trabalho. Em um artigo de 2016, “Declínio da participação do Trabalho e o Capital”, Simcha Barkai, um professor de finanças da London School of Business, descobriu que o declínio da participação do trabalho produziu um grande vencedor, a participação dos lucros, que subiu de 2% do produto interno bruto, em 1984, para 16% em 2014. Barkai escreve:

“Para oferecer uma compreensão da magnitude, as participações combinadas de trabalho e capital diminuem 13,9 pontos percentuais, o que equivale a 1,2 trilhões de dólares em 2014. Os lucros estimados em 2014 foram de aproximadamente 15,7%, o que é igual a 1,35 trilhões de dólares ou 17.000 dólares para cada um dos 80 milhões de empregados no setor corporativo não-financeiro”.

Em outras palavras, acionistas e donos de empresas acumularam lucros no valor de 1,35 trilhões de dólares ou 17.000 dólares por empregado como resultado do aumento da participação dos lucros. De fato, o abismo que separa trabalhadores e capitalistas, ricos e pobres, é maior agora do que em qualquer outro momento nos últimos cem anos – isto é, desde o tempo em que Teddy Roosevelt denunciou o domínio voraz do que ele chamava de Barões Ladrões.

O que a linguagem técnica dos economistas pode ocultar é que isso representa muitas dores para muitas pessoas. O crescimento inexorável da desigualdade entre rico e pobre nos EUA não é de forma alguma uma invenção da esquerda. É um fato empiricamente verificável que está causando crescente alarme por parte dos mais fiéis defensores do sistema capitalista.

Isso explica, em grande parte, por que as ideias do socialismo estão ganhando uma audiência cada vez maior nos EUA. Também expõe a mentira de que os interesses dos trabalhadores e capitalistas são idênticos, e sublinha o fato de que a contradição fundamental na sociedade é o antagonismo entre trabalho assalariado e capital.

Nenhum incentivo?

Agora voltemos à pequena questão da motivação. O documento nos informa que:

“Ao avaliar os efeitos das políticas socialistas, é importante reconhecer que elas proporcionam pequenos incentivos materiais para a produção e a inovação e, ao distribuir bens e serviços ‘gratuitamente’, impedem que os preços revelem informações economicamente importantes sobre os custos e as necessidades e desejos dos consumidores. Para essa finalidade, como uma vez argumentou a então primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher (1976), ‘Os governos socialistas… sempre ficam sem o dinheiro de outras pessoas’, e, portanto, o caminho à prosperidade é, para o estado, dar ‘às pessoas mais escolhas para gastar o seu próprio dinheiro a sua maneira’”.

Então, agora sabemos que: “o socialismo tira a iniciativa privada e inibe a inovação”. Sim, conhecemos a música e a letra também. Elas nos são familiares há muito tempo. Mas esse tedioso zumbido não se torna mais melodioso com o passar do tempo.

Mas espere um segundo! Você diz que socialismo não proporciona nenhuma iniciativa para os trabalhadores. Mas que iniciativa têm os trabalhadores sob o seu sistema?

Os trabalhadores nos EUA trabalham longas horas, frequentemente em condições muito más, e com demasiada frequência têm mais de um emprego para sobreviver até o final do mês. Um trabalhador se levanta cedo pela manhã, esforça-se no trabalho, trabalha o dia inteiro, chega em casa esgotado mental e fisicamente, dorme na frente do televisor, desperta pela manhã e começa toda a rotina miserável outra vez. Seguramente as pessoas devem se perguntar se isso pode ser descrito como uma vida realmente vivida. (fiquei em dúvida)

Circula uma estória sobre Donald J. Trump, que pode ou não ser verdadeira, mas certamente é esclarecedora. O presidente foi convidado por alguns de seus colegas bilionários para jantar em Manhattan. Durante o seu discurso depois do jantar, ele se gabou de forma costumeira: “Criei um milhão de novos empregos”. Ouviu-se então o garçom – provavelmente um pobre imigrante latino – que comentou: “Sei disso, senhor presidente. Tenho três deles!”

Os capitalistas têm muitos incentivos materiais para adquirir enormes fortunas espremendo a mais-valia do suor dos trabalhadores. Os últimos, pelo contrário, somente se “motivam’ pela necessidade de sobreviver, de ganhar o suficiente para pagar as contas mensais e o aluguel, para evitar que eles e suas famílias sejam jogados nas ruas. Só que, nesses casos, a palavra “motivação” deve ser substituída por outra palavra: coação.

Fim do sonho americano

No passado tínhamos o chamado sonho americano. Muitas pessoas acreditavam que se trabalhassem duro o suficiente, se se sacrificassem e economizassem dinheiro, um dia seriam capazes de deixar de ser da classe trabalhadora e se tornarem ricos empresários. Isso acabou! O sonho americano transformou-se em um pesadelo americano. Não importa o quanto você trabalhe duro, você nunca economizará dinheiro suficiente para mudar de vida. As coisas parecem permanecer sempre as mesmas. Na verdade, as coisas parecem estar sempre piorando.

No passado, mesmo as pessoas pobres podiam esperar que as coisas melhorassem para seus filhos. Cada geração de jovens estadunidenses poderia esperar uma vida melhor que a de seus pais. Isso acabou! Os fatos e os números provam que a atual geração de jovens estadunidenses não pode esperar uma vida melhor que a de seus pais. Pelo contrário, a vida se tornará mais dura, mais mesquinha, mais desigual, mais injusta e mais incerta do que nunca.

Sobre todos esses fatos, os autores do documento não têm nada a dizer. Toda a sua sabedoria se resume em advertir os trabalhadores estadunidenses e a juventude de que o socialismo não lhes proporciona nenhum incentivo. Que incentivo possível eles têm sob o atual sistema, eles não dizem.

“Este é um relatório empírico sobre o socialismo que toma como marco de referência as atuais políticas públicas estadunidenses. Esse marco de referência tem a vantagem de ser mensurável, mas necessariamente difere dos conceitos teóricos de ‘capitalismo’ ou de ‘livre mercado’ porque o governo dos EUA não pode limitar suas atividades aos bens públicos teoricamente definidos”.

É impossível entender o que significa esse parágrafo – mesmo que possamos escapar da selva emaranhada de sua gramática e sintaxe (o que já seria, por si mesmo, uma conquista considerável). Primeiro salientemos que, longe de ser um “relatório empírico”, não há nada absolutamente de empírico sobre isso. Nem um só fato é citado para dar respaldo a uma série de alegações infundadas. No entanto, eles têm a audácia de alegar que esse “relatório empírico”, que não se baseia em quaisquer fatos identificáveis, tem a vantagem de ser “mensurável”.

Esqueçamos o mensurável! Já seria uma grande vantagem se pelo menos fosse inteligível.

Mas talvez seja pedir demais a uma Casa Branca que segue os meandros mentais de um Donald Trump. O que certamente é mensurável é que nos EUA os ricos estão se tornando obscenamente ricos, enquanto os pobres estão ficando cada vez mais pobres. Este é um marco de referência que está muito claro mesmo para o mais cego dos cegos. Lamentavelmente, não parece claro à elite intelectual da Casa Branca.

Havendo lutado com alguma dificuldade através do cipoal sintático e gramatical, pelo menos chegamos a uma clareira. Com um sonoro suspiro de alívio, os autores do documento finalmente chegaram à conclusão:

“Com relação ao marco de referência dos EUA, descobrimos que as políticas públicas socialistas, embora ostensivamente bem-intencionadas, têm custos de oportunidade claros que estão diretamente relacionados ao grau em que impõem impostos e regulações” (ênfase minha, AW).

Nossos amigos na Casa Branca nos informam amavelmente que, embora os socialistas possam ser bem-intencionados, não podem competir com o enorme êxito e as oportunidades apresentadas pela economia de livre mercado (referida aqui como o “marco de referência dos EUA”). Por que não? Por causa do grau em que impõem impostos e regulações.

Agora, todos sabem que se existem duas palavras capazes de levar dedicados Republicanos a um estado de raiva apoplética, essas palavras são tributação e regulação. Até mesmo proferir tais palavras é considerado por eles como o equivalente mais próximo a maldizer na Igreja aos domingos.

Tributação e regulação são a morte da economia de livre mercado, como todos sabemos. Os mercados operam melhor quando não há nenhum envolvimento governamental. Quando deixados sozinhos, os mercados resolverão todos os problemas. Não haverá crises e todos teremos vidas felizes, produtivas e, acima de tudo, lucrativas.

Essa confortável teoria, que foi entusiasticamente abraçada por Margaret Thatcher, calorosamente citada no documento, costumava estar contida em todos os livros escolares. Foi repetida ad nauseam em todas as salas de seminários universitários. No que se refere aos princípios da economia política, ocupou lugar similar aos Dez Mandamentos da Bíblia.

Atualmente, um número crescente de economistas – não necessariamente de esquerda – chegou à conclusão de que algum grau de regulação é absolutamente necessário para evitar a terrível confusão que vimos em 2008. Perceberam que uma nova crise é inevitável. E estão muito corretos, porque tais crises são inerentes ao sistema capitalista e inevitáveis nele.

Mas nossos intelectuais da Casa Branca não conseguem se por de acordo com os seus pares. Não podem tolerar a ideia de se regular a economia capitalista, a qual, de acordo com eles, opera perfeitamente bem por si mesma. As lições de 2008, ou de 1929, são para eles um livro fechado com sete chaves.

Quanto à tributação, essa é uma ingerência imperdoável na força motriz fundamental do capitalismo. Isso interfere no sacrário: os lucros. Não importa que muitas escolas do país mais rico da Terra estejam caindo aos pedaços. Não importa que o sistema de saúde dos EUA esteja faltando para milhões de pessoas, e que seja visto com horror pelos cidadãos de outros países. Não importa todas essas coisas, desde que os lucros dos grandes bancos e dos tubarões de Wall Street sejam salvaguardados.

Na verdade, nos EUA e em todos os outros países capitalistas, os banqueiros e os capitalistas pagam poucas ou nenhuma taxa. Eles pagam advogados espertos para encontrar brechas na legislação, o que lhes permite dissipar bilhões de dólares em paraísos fiscais no Caribe e em outros lugares. Suas contínuas críticas à carga dos impostos são totalmente falsas.

Na realidade, é a classe trabalhadora e a classe média quem paga a parte do leão dos impostos. Mas isso não impediu Trump de introduzir uma legislação para reduzir drasticamente a taxação dos ricos, enquanto dava algumas migalhas ao restante Então, temos aqui o verdadeiro marco de referência da política econômica dos EUA: roubar dos pobres para ajudar aos ricos. Esse é um incentivo muito bom – para o 1% mais rico da população, mas não para os 99% restantes.

A “hipótese do mercado eficiente”

Os economistas nos apresentam um quadro formoso, no qual o livre mercado resolveria todos os nossos problemas sem qualquer regulação ou interferência do estado. De acordo com essa teoria, a oferta e a demanda sempre se equilibram entre si no final, de modo que o mercado age como uma espécie de pêndulo, oscilando suavemente de um ponto a outro, mas sempre retornando ao equilíbrio perfeito.

A maravilhosa ideia de que a economia de mercado capitalista se regulará automaticamente sem qualquer interferência do estado, foi consagrada na teoria conhecida como a hipótese do mercado eficiente. Supôs-se que fosse uma ideia nova. Na realidade, era uma ideia muito velha. Antes era conhecida como a Lei de Say – um absurdo demolido sistematicamente por Marx há cerca de 150 anos.

Ao contrário dos economistas teóricos das salas de seminário das universidades, o bilionário George Soros tem uma boa compreensão de como os mercados funcionam na prática, já que ele ganhou muito dinheiro com eles. Ele disse que o mercado não era como um pêndulo, mas como uma bola de demolição– do tipo utilizado em canteiros de obras para demolir prédios. Ele mostrou estar correto em 2008, quando da noite para o dia a economia de livre mercado entrou em colapso como um castelo de cartas.

O que fizeram os banqueiros e capitalistas naquele momento? Eles disseram: “O estado não deve interferir. No final, os mercados se ordenarão por si mesmos”. Não, eles não se ordenaram! Vieram correndo para o estado com as mãos estendidas, exigindo grandes quantidades de dinheiro público para salvá-los. E, então algo extraordinário aconteceu. George W. Bush, um presidente Republicano e um crente firme da economia de livre mercado e da não intervenção estatal, veio correndo com o talão de cheques aberto. “De quanto precisam, rapazes? De um bilhão? Tome um bilhão! De dez bilhões? Estão aqui, tomem-nos! Afinal, é só dinheiro público”.

E os banqueiros pegaram, tudo. Esta, e a colossal despesa com as guerras do Afeganistão e do Iraque, é a origem do infame déficit – sobre o qual os autores desse documento não têm absolutamente nada a dizer. O fato é que, no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2008, o sistema capitalista foi resgatado com enormes quantias de dinheiro público.

Em o Manifesto Comunista, Marx e Engels escreveram que “O executivo do estado moderno é apenas um comitê para administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”. É exatamente isto o que vemos aqui. Em 2008, o sistema capitalista foi salvo pela intervenção do estado – esse mesmo estado que não deveria desempenhar qualquer papel na economia. Os bancos privados e as corporações foram apoiados pelo estado como um homem doente de muletas. Sem isso, teriam ido ao colapso.

A prioridade do estado capitalista é preservar a ordem presente. Sua principal preocupação é garantir os lucros do setor privado, este mesmo setor privado que arruinou a economia mundial em 2008. Naturalmente, os garotos da CEA não têm nada a dizer sobre tudo isto. É demasiado vergonhoso admitir que a tão elogiada economia de mercado mostrou que estava (literalmente) falida e que teve que ser resgatada pelo contribuinte estadunidense. Também não estão ansiosos para nos dizer quais foram os custos de oportunidade dessa operação ou como a generosidade dos contribuintes estadunidenses foi recompensada.

Expliquemos isso em linguagem simples, para que os membros da CEA possam entender. Os bancos privados e as corporações receberam o equivalente a uma enorme transfusão de sangue que drenou as finanças públicas deixando-as em situação de anemia crônica e letalidade potencial. Um gigantesco buraco negro nas finanças privadas dos grandes bancos foi transformado milagrosamente em um gigantesco buraco negro das finanças públicas. Desde aquele momento, começaram a nos dizer que não havia mais dinheiro para escolas, saúde, pensões, estradas, moradias ou qualquer outra coisa que não seja considerada como prioridade pelo sistema capitalista.

Agora, se um trabalhador destruísse uma máquina em uma fábrica, ele seria imediatamente demitido e possivelmente processado por danos. Mas, se uma quadrilha de banqueiros muito bem pagos destrói todo o sistema financeiro mundial, nem são demitidos nem processados, nem são enviados à prisão por fraude, como mereciam. Em vez disso, são recompensados com vastas quantidades de dinheiro público – dinheiro roubado dos bolsos das camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. É a austeridade para os que estão por baixo e caridade para os do topo. Isto é Robin Hood ao contrário!

Socialismo escandinavo?

“Embora seja algumas vezes citada como a mais relevante história de êxito socialista, a experiência dos países nórdicos também apoia a conclusão de que o socialismo reduz os padrões de vida. Em muitos aspectos, as políticas dos países nórdicos agora diferem significativamente do que os economistas têm em mente quando pensam no socialismo. Por exemplo, eles não proporcionam cuidados de saúde ‘gratuitos’; o financiamento dos cuidados de saúde nórdicos inclui uma partilha substancial dos custos. Atualmente, as taxas marginais de impostos nos países nórdicos são apenas um pouco mais elevadas do que nos Estados Unidos, e a taxa global de tributação nórdica é surpreendentemente menos progressiva do que a dos impostos dos EUA. Os países nórdicos também tributam menos a renda do capital e regulam menos os mercados de produtos do que os EUA. No entanto, os países nórdicos regulam e tributam um pouco mais os mercados de trabalho; assim, as famílias estadunidenses que ganham o salário médio seriam tributadas de 2.000 a 5.000 dólares a mais, por ano, se os Estados Unidos tivessem as políticas nórdicas atuais. Os padrões de vida nos países nórdicos são pelo menos 15% mais baixos do que nos Estados Unidos.

“Pode ser que os socialistas estadunidenses estejam planejando mudar nossas políticas para se alinhar com as dos países nórdicos nos anos 1970, quando suas políticas estavam mais em linha com a definição tradicional de socialismo dos economistas. Estimamos que, se os Estados Unidos adotassem essas políticas, seu PIB real declinaria em pelo menos 19% no longo prazo, ou cerca de 11.000 dólares ao ano para a pessoa média”

Esse documento, que se disfarça como uma pesquisa independente, científica e “empírica”, não se justifica como tal. Os autores selecionaram cuidadosamente as peças de “evidência” para mostrar que o socialismo é uma “má ideia”. Na verdade, o próprio fato de se sentirem compelidos a produzir tal documento mostra que estão preocupados com o crescente interesse no socialismo.

Sob a pressão da classe trabalhadora e do movimento dos trabalhadores, a classe capitalista de certos países realizou algumas medidas no interesse dos trabalhadores, como os serviços públicos de saúde. Foi o caso dos países nórdicos nas décadas de ascensão econômica depois da II Guerra Mundial.

Naquele momento, os capitalistas podiam se permitir isto. Mas a crise do capitalismo golpeou a Escandinávia tão duro quanto a todos os demais países, e, em vez de reformas, vemos agora cortes e medidas de austeridade. Como se indica no documento, não é verdade que os cuidados de saúde sejam fornecidos como um presente “gratuito” do estado na maioria dos países nórdicos. Os cuidados de saúde só são gratuitos na Dinamarca. Na Noruega, Suécia e Finlândia, isso custa dinheiro, embora haja apenas uma carga nominal entre 25 – 76 dólares, destinada a evitar o uso excessivo. Mas isto seria considerado um enorme avanço para a maioria dos trabalhadores estadunidenses, quando comparado aos custos proibitivos da atenção médica nos Estados Unidos.

A atitude desdenhosa dos autores do documento com relação à Escandinávia, em todo caso, é muito desonesta. Tentam apresentar os padrões de vida nos EUA como superiores aos dos países nórdicos. Isto é profundamente enganoso. Embora esses países estejam muito longe de ser socialistas, estão à frente dos EUA em muitos aspectos, graças às conquistas feitas pelo movimento dos trabalhadores no passado.

O Índice de Desenvolvimento Humano, que inclui coisas como expectativa de vida, coloca os EUA no número 13 no mundo, enquanto a Finlândia é 15. Mas a Dinamarca é 11, a Suécia é 7, a Islândia é 6 e a Noruega é o número 1. Suécia, Noruega, Islândia, Dinamarca e Finlândia têm uma expectativa de vida maior do que os EUA.

O que é muito claro é que os trabalhadores nórdicos têm mais benefícios, tais como atenção médica, educação e regulamentação da habitação. E, embora o salário médio nos EUA seja alto, isso mascara o fato de que é muito desigual, com trabalhadores mal remunerados tendo muito pouco dinheiro quando comparados aos seus homólogos nórdicos. Adicionalmente, os trabalhadores estadunidenses têm que trabalhar muito mais horas ou ter mais de um emprego para se manterem à tona.

Mas não nos preocupemos demasiado sobre o chamado modelo sueco de “socialismo”. Os países da Escandinávia, como todos os demais países europeus, não têm nada a ver com socialismo. Baseiam-se fundamentalmente na propriedade privada dos meios de produção e funcionam de acordo com as leis da economia de livre mercado. Certas consequências inevitavelmente fluem desse fato.

O estado do bem-estar social, particularmente na Suécia, mas também em outros países nórdicos, foi severamente reduzido desde meados dos anos 1980. Isto incluiu tornar a tributação menos progressiva e dar um fim aos subsídios dos cuidados odontológicos etc. A desigualdade de renda também aumentou dramaticamente. O coeficiente Gini (que mede a desigualdade) na Suécia aumentou de 0,2, em 1980, a 0,33 em 2013. A falta de moradias, a saúde mental, o estresse no trabalho etc., se converteram em um problema grave.

Em outras palavras, a Escandinávia se juntou ao restante do mundo capitalista numa rápida e interminável corrida para o fundo. E isso não tem nada a ver com socialismo.

O capitalismo pode prejudicar seriamente sua saúde

Buscando implacavelmente sua vingança contra a Escandinávia – e qualquer outro país que mostre a mais leve inclinação na direção do “socialismo” – o documento continua:

“As versões nórdica e europeia da medicina socializada foram vistas como tão desejáveis pelos modernos socialistas dos EUA que eles propuseram nacionalizar os pagamentos para o setor da saúde (que representa mais da sexta parte da economia estadunidense) através da recente proposta ‘Medicare for All’. Essa política distribuiria atenção médica gratuita (isto é, sem compartilhar os custos) por meio de uma seguradora de saúde monopolista do governo que estabeleceria centralmente todos os preços a serem pagos aos fornecedores, como médicos e hospitais. Descobrimos que, se essa política fosse financiada com os atuais gastos federais sem empréstimos e aumentos de impostos, então mais da metade de todo o orçamento federal existente precisaria ser cortado. Ou, se fosse financiado através de impostos mais altos, o PIB cairia 9%, ou cerca de 7.000 dólares por pessoa, em 2022, devido às altas taxas de impostos que reduziriam os incentivos para suprir os fatores de produção. A evidência sobre a produtividade e a eficácia dos sistemas de pagador único sugere que ‘Medicare for All’ reduziria a longevidade e a saúde tanto no curto quanto no longo prazo, apesar de aumentar um pouco a população com seguro de saúde”.

Parece que toda a direita estadunidense vê a ideia de um serviço público de saúde gratuito como algo saído de um filme de terror. A sua própria menção é suficiente para fazer os bons Republicanos puxarem seus revólveres calibre 45. Se os capitalistas pudessem engarrafar o ar, nos cobrariam para respirar! No entanto, um serviço público de saúde é considerado pela gigantesca maioria dos europeus – não apenas na Escandinávia – como uma pré-condição fundamental para uma vida civilizada.

O CEA evita cuidadosamente mencionar os lucros exorbitantes das grandes empresas farmacêuticas e HMOs [Health Maintenance Organizations – Organizações de Manutenção da Saúde] nos EUA. Nunca mencionam a terrível miséria sofrida por milhões de estadunidenses sem atenção médica. Tentam ocultar os fatos generalizando tudo, citando as médias do PIB e a renda per capita, em vez de considerar a base de classe da distribuição desigual da riqueza nos EUA. A ausência de um sistema público de saúde decente continua sendo um buraco enorme que desfigura a sociedade estadunidense.

Os autores do documento pintam um quadro aterrador de um estado monstruoso esmagando os cidadãos estadunidenses sob uma montanha de impostos. Mas, se vamos financiar serviços públicos decentes, é claramente necessário um nível adequado de impostos. A pergunta é: quem deve pagar a conta?

Já assinalamos que nos EUA, como em todos os outros países, o rico não paga muito em impostos. Quase toda a carga tributária é colocada nos ombros da classe trabalhadora e das pequenas empresas. É por isso que o grito de guerra dos Republicanos “nenhum imposto!’ ganhou certa simpatia do público. Mas não há razão alguma para que os impostos atinjam aos pobres mais duramente do que aos ricos.

A própria noção de que o país mais rico do planeta não pode se dar ao luxo de cuidar da saúde e do bem-estar de seus cidadãos é uma afronta a sua inteligência. A questão não é se os EUA podem oferecer bons cuidados de saúde. A questão é: os EUA podem se permitir não o fazer? Independentemente do custo humano em sofrimento, dor e morte, há um preço econômico muito alto a ser pago por negligenciar a saúde da população em termos de horas perdidas, dias, semanas e anos de trabalho.

Uma boa saúde não deve ser um luxo disponível apenas para pessoas de alta renda. É um investimento necessário no futuro da sociedade. A Declaração de Independência Americana apresenta a ideia de que a vida, a liberdade e a busca da felicidade são direitos humanos inalienáveis. Mas como pode a vida humana ser protegida se não houver garantias de que a saúde da espécie humana será mantida? E o que significa a busca da felicidade se homens e mulheres são constantemente dominados pelo medo de adoecer ou da ruína financeira relacionada à saúde?

Libertar-se do medo também é, certamente, um direito inalienável. E é uma condenação às atuais prioridades da sociedade estadunidense que põem mais ênfase no direito de obter lucros do que na preservação da saúde de seus cidadãos. Estamos a favor de taxar os ricos e de nacionalizar o setor da saúde, a fim de pagar os cuidados de saúde gratuitos para todos. Para começar, toda a taxação indireta deve ser abolida como injusta na medida em que cai sobre os ombros das pessoas que menos podem pagar. Como alternativa, deveria ser um imposto de renda fortemente progressivo a ser imposto às pessoas que podem pagar mais – os ricos.

Mas e a Rússia?

Os defensores do capitalismo têm usado o espantalho do estalinismo para assustar e afastar as pessoas da ideia de socialismo, como os pais tentam assustar os filhos travessos referindo-se ao bicho papão. As pessoas dos EUA não são crianças e não são tão facilmente assustáveis como, talvez, costumavam ser. Mas isso não impede os defensores do capitalismo de arrastar o fantasma do bicho papão em todas as oportunidades disponíveis:

“Começamos nossa investigação examinando de perto os casos mais altamente socialistas, que são economias tipicamente agrícolas, como a China maoísta, Cuba e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Seus governos não democráticos assumiram o controle da agricultura, prometendo tornar os alimentos mais abundantes. O resultado foi, substancialmente, menos produção de alimentos e dezenas de milhões de mortes por fome”.

É realmente verdade que a economia nacionalizada na União Soviética nunca produziu nada exceto o colapso da produção e dos padrões de vida? Vamos examinar os fatos. Em 1917, a Rússia czarista era um país enormemente atrasado. Em muitos sentidos, era mais atrasada do que o Paquistão atual. Antes de 1917, havia apenas cerca de quatro milhões de trabalhadores industriais em um país com 150 milhões de habitantes, em sua maioria analfabetos. Em outras palavras, a Rússia czarista era substancialmente mais atrasada do que a Bolívia ou o Peru o são hoje. Então, como deixou de ser de um país extremamente atrasado e se converteu na segunda potência mundial depois dos EUA?

A verdade é que a transformação da União Soviética é um dos fenômenos mais notáveis da história mundial. Para toda a burguesia que mente, torce e calunia, visando tentar a todo custo subestimar e negar as impressionantes conquistas dos soviéticos, essa transformação – que não tem nenhum precedente histórico – ressalta a superioridade da economia nacionalizada e planificada sobre a anarquia capitalista.

Em duas décadas, a União Soviética construiu uma poderosa base industrial, que abriu o caminho para o progresso educacional, científico e cultural. Não menos importante foram seus avanços na área da saúde e da ciência médica. A II Guerra Mundial revelou a enorme superioridade da União Soviética no campo militar. A guerra na Europa se reduziu a uma luta titânica entre a URSS e a Alemanha de Hitler, que foi apoiada pelos recursos tomados de toda a Europa. Tanto os estadunidenses quanto os britânicos foram meros espectadores até o último minuto.

Depois da guerra, e apesar de perder 27 milhões de seus cidadãos – a metade do número total de vítimas mundiais da guerra – e da destruição da maioria de suas forças produtivas, tão cuidadosamente criadas pela classe trabalhadora soviética, a União Soviética conseguiu reconstruir sua economia em apenas alguns anos. Nas décadas de 1950 e 1960, a Agência Central de Inteligência estadunidense admitiu que os soviéticos tinham uma vantagem clara em muitos campos, incluindo a exploração espacial.

Em última análise, a burocracia minou e destruiu a economia nacionalizada e planificada. O grande Marxista russo, Leon Trotsky, explicou que uma economia nacionalizada e planificada necessita da democracia como um corpo humano necessita de oxigênio. Desnecessário dizer que Trotsky não estava falando sobre a caricatura de democracia que existe no Ocidente, onde uma pequena minoria de parasitas ricos é dona das terras, dos bancos e dos monopólios. Ele estava falando sobre a verdadeira democracia soviética estabelecida na Rússia depois da vitória em 1917.

O que fracassou na União Soviética não foi nem o socialismo nem o comunismo, mas uma caricatura burocrática e totalitária de socialismo.

Para os inimigos do socialismo, o colapso da União Soviética é a prova final de que o Marxismo fracassou e que o socialismo é impossível. Falaram sobre o fim do socialismo e do comunismo, e até mesmo do fim da própria história. No entanto, o gozo da burguesia que se seguiu à queda do Muro de Berlim foi muito prematuro. Os acontecimentos dos últimos 26 anos fornecem provas suficientes de que a história está longe de terminar. Em todos os lugares testemunhamos a profunda crise do capitalismo, caracterizada por guerras, revoluções e contrarrevoluções. Este é o período mais instável desde o final da II Guerra Mundial.

Podemos acrescentar que Francis Fukuyama, o homem que cunhou a famosa frase sobre o “fim da história”, agora diz que o “socialismo” deveria voltar ao cenário!

E a Venezuela?

Os velhos filmes B dos anos 1950 eram frequentemente filmes de terror sobre monstros alienígenas do espaço sideral ou zumbis que se levantavam de entre os mortos. Mas, hoje em dia, esses monstros perderam o seu poder de chocar e, na verdade, parecem até umas fofuras. Da mesma forma, através da repetição contínua, as velhas narrativas sobre a Rússia perderam uma enormidade de seu impacto. Assim, o velho espantalho deve ser complementado por um novo. Lá vamos nós:

“Mesmo que as políticas altamente socialistas sejam pacificamente implementadas sob os auspícios da democracia, as distorções nos incentivos fundamentais e os problemas de informação criados pelas grandes organizações estatais e pelo controle centralizado dos recursos também estão presentes nos países industrializados, como é o caso atualmente na Venezuela. As lições das economias agrícolas de baixo rendimento sob regimes socialistas se transferem às aquisições governamentais de outras indústrias modernas: produzem menos em vez de mais”.

É interessante notar que, quando se trata da Venezuela (que é mencionada somente de passagem, sem qualquer pretensão de uma análise séria), o documento tacitamente admite que a Revolução Bolivariana foi de fato “pacificamente implementada sob os auspícios da democracia”. Isso assinala uma refrescante mudança quando comparado à constante barragem de propaganda que, por 20 anos ou mais, persistiu na descrição de Chávez como “ditador”.

De fato, Chávez ganhou mais eleições e outras consultas democráticas do que qualquer outro político do mundo. Tampouco podem dizer que essas eleições foram manipuladas, visto que foram escrutinadas com precisão microscópica por observadores internacionais, incluindo o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter. Tivessem os observadores encontrado até mesmo o menor indício de fraude eleitoral, todos os jornais e canais de TV do mundo teriam gritado aos quatro ventos. Mas nenhuma evidência desse tipo foi jamais encontrada.

Os EUA apoiaram todas as ditaduras perversas e sangrentas que já existiram na América Latina: de Somoza a Batista e de Pinochet a Noriega. Portanto, seja qual for o problema que esses gentis cavalheiros de Washington possam ter com Hugo Chávez, podem estar absolutamente seguros de que a questão de ditadura ou democracia não tem nada a ver com isso.

Anastasio Somoza se tornou conhecido como um ditador implacável, no entanto os Estados Unidos continuaram a apoiar o seu regime como um reduto não comunista na Nicarágua. O presidente Franklin D. Roosevelt (FDR) supostamente afirmou em 1939 que, “Somoza pode ser um filho da puta, mas é nosso filho da puta”. O problema com Chávez – o único problema – era que, diferentemente de Somoza, ele não era um servo obediente de Washington.

O fato de que Chávez foi eleito por maioria esmagadora não pode ser explicado pelos autores do documento. Eles nunca mencionam o fato de que Chávez utilizou o dinheiro da venda do petróleo para fornecer à população venezuelana pela primeira vez atenção médica e educação gratuitas. O dinheiro foi utilizado para construir casas, escolas e hospitais. E Chávez deu ao povo uma voz e uma causa. Ele lhes deu esperança para o futuro, o que nunca tiveram antes.

Ninguém pode duvidar da colossal popularidade de Chávez, cujas razões seriam evidentes a qualquer observador honesto. No início, ele não falava de socialismo, nem nacionalizava nada, limitando-se às reformas sociais para beneficiar ao povo e a uma nova e muito democrática Constituição. Apesar disso (ou melhor, por causa disso) a oligarquia venezuelana o denunciou como “comunista”. Os EUA e seus agentes em Caracas estavam determinados a se livrar dele e organizaram um violento golpe para derrubá-lo em abril de 2002.

Esse golpe foi organizado com a participação ativa da embaixada estadunidense e da CIA, que foi uma característica comum da política latino-americana durante décadas. O golpe foi apoiado pelos banqueiros e capitalistas (foi liderado pelo presidente da organização patronal venezuelana), com a ativa participação de generais, chefes de polícia, a mídia (que desempenhou um papel fundamental na mobilização para o golpe), e a Igreja Católica Romana.

O golpe foi derrotado por um movimento espontâneo das massas e derrubado no espaço de 48 horas. Esses fatos nunca foram explicados ao público estadunidense, que, durante décadas, foi alimentado por um fluxo constante de mentiras, distorções e falsificações destinadas a desacreditar a Revolução Bolivariana. No entanto, isso era somente a ponta de um iceberg muito grande e feio.

O imperialismo estadunidense via na revolução venezuelana uma ameaça mortal que teria de ser derrotada a todo custo. Tomou medidas para isolar internacionalmente a Venezuela e arruinar sua economia com sanções perversas. Com a queda dos preços do petróleo, que afetou duramente a principal indústria da Venezuela, a economia sofreu graves danos. Em grande medida, a crise que vemos agora na Venezuela foi o resultado da política agressiva do imperialismo estadunidense. A sabotagem econômica foi parte importante da tentativa de derrubar um regime que era considerado hostil aos seus interesses.

No entanto, é verdade que o atual colapso econômico também se deveu a outros fatores. O problema da revolução venezuelana não é que ela tenha ido longe demais na introdução de medidas socialistas, mas por que não foi longe o suficiente. Não chegou a expropriar os setores-chave da indústria privada. Se permitiu aos capitalistas venezuelanos continuar sua política (com o ativo envolvimento dos EUA) de sabotar o país através de uma greve de capital que paralisou uma economia já enfraquecida, açambarcando alimentos e outros bens básicos para criar escassez e aumentar a inflação.

Toda a história mostra que é impossível realizar uma revolução pela metade. Uma economia pode funcionar sobre linhas capitalistas ou sobre linhas socialistas. Mas não pode ser um híbrido em que elementos de nacionalização e de regulação estatal coexistam com elementos de uma economia de mercado. Esta é uma receita pronta e acabada para o caos, que é o que se vê agora na Venezuela.

Um outro fator que minou os setores nacionalizados da economia foi a eliminação do controle operário e a imposição de um regime burocrático modelado no estalinismo. Isso ajudou a estrangular a nascente economia socialista, levando à corrupção massiva, ao desperdício a à ineficiência. Foi precisamente isto o que destruiu a União Soviética e que coloca em questão o futuro da revolução venezuelana.

O que tudo isso mostra, no entanto, não é a superioridade da economia de mercado capitalista sobre a planificação socialista, mas a necessidade de uma genuína planificação socialista, que deve ser conduzida em linhas democráticas. Certamente não proporciona qualquer justificativa para as meias medidas reformistas. Tentar regular o capitalismo em vez de aboli-lo leva ao desastre. Esta é a verdadeira lição da Venezuela e de todas as demais tentativas de reformar o capitalismo.

Socialismo nos EUA

Tendo apresentado um quadro completamente distorcido e unilateral do tipo de “socialismo” que foi introduzido na Venezuela, Rússia e China, os autores do documento então se engajam em uma estranha e maravilhosa peça de imaginação futurista. Quais seriam os efeitos da planificação socialista se ela fosse introduzida nos EUA? Os autores naturalmente têm uma resposta preparada para esta intrigante questão:

“Esses países são exemplos de um padrão mais geral dos efeitos de saída negativos do socialismo. Tais resultados também foram observados em estudos comparativos entre países sobre o efeito de uma maior liberdade econômica – quantificada como um índice de tributação e gasto público, a extensão das empresas estatais, a regulação econômica e outros fatores – sobre o produto interno real (PIB). Esta literatura encontra uma forte associação entre maior liberdade econômica e melhor desempenho econômico. Sugere que a substituição das políticas dos EUA por políticas altamente socialistas, tais como as da Venezuela, reduziria o PIB real em pelo menos 40% no longo prazo, ou cerca de 24.000 dólares ao ano para a pessoa média”.

Então, aí o temos! O socialismo nos EUA significaria uma redução do PIB real de pelo menos 40% “no longo prazo”, e um resultante colapso catastrófico dos padrões de vida. Não sabemos o quão longo “o longo prazo” pode ser. Mas o que sim sabemos é que os padrões de vida nos EUA estiveram caindo ou, na melhor das hipóteses, estagnando durante bastante tempo, para a maioria da população. Como já assinalamos, muitas famílias do país mais rico do mundo estão vivendo no limite da pobreza ou abaixo dela. Muitas pessoas estão desabrigadas. Muitas mais não têm planos de saúde e enfrentam constantemente o medo de adoecer.

Os autores do documento, como o atual encarregado da própria Casa Branca, ignoram alegremente esses fatos. Para eles, parafraseando a famosa frase do Candide de Voltaire, tudo é para o melhor no melhor de todos os mundos capitalistas. E qualquer pessoa suficientemente louca para questionar este paraíso capitalista é imediatamente convidada a examinar a situação na Venezuela, como uma terrível advertência do que poderia significar o socialismo nos EUA.

Com base na tecnologia avançada, seria possível implementar a planificação socialista nos EUA em linhas democráticas, envolvendo toda a população. Não só os trabalhadores, mas também os cientistas, técnicos, economistas, gerentes e outros profissionais poderiam se envolver na elaboração de um plano democrático de produção, e também na supervisão de sua realização.

Os poderosos instintos democráticos do povo estadunidense, e esse forte senso dos direitos e liberdades individuais que herdaram de seu passado revolucionário também oferecem uma séria garantia contra qualquer tentativa de se impor um governo burocrático e totalitário. Pelo contrário, desde o início, o povo seria capaz de submeter tudo a um rigoroso escrutínio democrático.

Queremos nacionalizar tudo?

O documento afirma:

“O CEA não espera que as políticas socialistas causem escassez de alimentos nos Estados Unidos porque os socialistas não estão mais propondo a nacionalização da produção de alimentos. Em vez disso, a experiência histórica com a agricultura é relevante porque envolvia desincentivos econômicos, planificação central e um monopólio do estado sobre um setor que era grande quando o socialismo foi introduzido – similar à atenção médica atual. A evidência histórica sugere que o programa socialista para os EUA traria a escassez ou, de alguma forma, degradaria a qualidade de qualquer produto ou serviço submetido a um monopólio público. O ritmo da inovação reduziria e os padrões de vida seriam mais baixos no geral. Estes são os custos de oportunidade do socialismo a partir de uma perspectiva estadunidense moderna”

Ficamos muito aliviados ao descobrir que a introdução do socialismo nos EUA não significará imediatamente uma fome de proporções bíblicas. Graças ao bom deus por essa pequena misericórdia! No entanto, não sabemos quais socialistas estadunidenses “não estão mais propondo a nacionalização da produção de alimentos”, visto que não são mencionados. Nem o CEA define exatamente o que eles querem dizer com “produção de alimentos”.

Se eles querem dizer que não defendemos a nacionalização da propriedade de pequenos agricultores, estão bastante corretos. Mas, se querem dizer que não vamos nacionalizar as grandes empresas que controlam coisas como o transporte, os produtos químicos e fertilizantes, e, acima de tudo, os grandes supermercados e monopólios alimentícios, estão muito equivocados.

Ao argumentar contra o socialismo, os defensores de direita da economia de mercado frequentemente tentam assustar a classe média, o pequeno agricultor, o pequeno comerciante, o pequeno empresário com a ameaça de que “os socialistas querem nacionalizar tudo”, que os socialistas querem submeter tudo ao sufocante controle do monopólio estatal burocrático, e assim por diante.

Isto é completamente falso. O que os socialistas propõem é a expropriação dos grandes bancos e monopólios que oprimem e exploram as pessoas – não apenas a classe trabalhadora, como também a classe média e os pequenos produtores. Os bancos, por exemplo, controlam rigidamente o fornecimento do crédito e cobram taxas de juros exorbitantes e outros encargos que paralisam as pequenas empresas. Um sistema bancário nacionalizado proporcionaria um fluxo livre de crédito barato ao pequeno agricultor e comerciante.

De fato, a prova de que a grande empresa é profundamente hostil à iniciativa privada e aos interesses do pequeno produtor está precisamente na agricultura. O pequeno agricultor e sua família trabalham duramente para produzir o leite, a manteiga, a carte, as frutas e os vegetais que as pessoas necessitam. Mas os agricultores não recebem o retorno justo por seu trabalho árduo. As grandes cadeias de supermercado pagam preços absurdamente baixos pelos produtos agrícolas, enquanto cobram preços exorbitantes ao consumidor pelos mesmos produtos.

Mas o roubo perpetrado contra o pequeno agricultor não termina aqui. As grandes empresas transportadoras tomam o seu pedaço, como o fazem as grandes empresas químicas e de sementes que cobram preços altos pelos produtos que vendem. Para melhorar a posição do pequeno agricultor, é necessário eliminar o intermediário. Ao expropriar os grandes bancos e monopólios que chupam o sangue dos pequenos produtores, será possível proporcionar um nível de vida decente aos agricultores e, ao mesmo tempo, baixar o preço dos alimentos ao consumidor.

Podemos dar um exemplo concreto disso referindo-nos à grande greve geral que ocorreu na França em maio de 1968. Os trabalhadores em greve estabeleceram contato com as organizações camponesas nas áreas rurais e foi organizado o fornecimento de alimentos, com preços fixados pelos trabalhadores e camponeses. Para evitar a especulação, as lojas tinham que exibir um cartaz adesivo na vidraça com as palavras: “Esta loja está autorizada a abrir. Seus preços estão sob a supervisão permanente dos sindicatos”. O cartaz adesivo era assinado pelos sindicatos. Como resultado, um litro de leite era vendido por 50 cêntimos comparados aos 80 de antes. Um kg de batatas foi reduzido de 70 cêntimos a 12; um kg de cenouras, de 80 a 50 e assim por diante.

Ao eliminar o intermediário, todos ganham – exceto os gatos gordos de Wall Street. Mas suas tristezas não nos interessam particularmente, ou a qualquer outra pessoa. O fato é que os pequenos produtores já são oprimidos e explorados pelos monopólios. A única diferença é que, sob o capitalismo, esses monopólios estão em mãos privadas e só existem para o propósito de espremer lucros do trabalho da classe trabalhadora e dos pequenos produtores. Ao se substituir o monopólio privado pelo monopólio estatal, elimina-se a motivação do lucro, e o produtor e o consumidor têm um enorme ganho.

Os socialistas não têm nenhum interesse em nacionalizar pequenas empresas. Na verdade, as pequenas empresas podem operar em certos setores da economia de forma bastante eficiente, por exemplo, as pequenas lojas de miudezas e os bares das esquinas. Não teria nenhum sentido nacionalizá-los. Necessitamos nacionalizar os grandes monopólios e os bancos porque, ao fazê-lo, obtemos o controle das principais alavancas da vida econômica – os altos comandos da economia – como são chamados.

Uma vez que tenhamos o controle dos bancos e dos grandes monopólios, poderemos planejar a economia no interesse da sociedade em geral. A diferença fundamental é que, enquanto sob o capitalismo os monopólios privados só representam os interesses de uma pequena minoria privilegiada, sob o socialismo o estado e as indústrias nacionalizadas serão de propriedade de e controladas pela classe trabalhadora que constitui a esmagadora maioria da sociedade.

Esta é a diferença entre a caricatura de democracia que existe agora, onde, sem importar quem se sente na Casa Branca, é sempre o 1% de parasitas super-ricos que decide o que acontece, e uma genuína democracia socialista, que maneja tanto a economia quanto o poder político para a maioria das pessoas que realmente criam a riqueza da sociedade.

Pode ser que, no longo prazo, os pequenos comerciantes e agricultores decidam que é melhor para eles trabalhar em empresas de propriedade pública, onde, sem dúvida, trabalharão menos horas e em melhores condições. Mas esta decisão deve ser tomada voluntariamente por eles. Nesse meio tempo, o pequeno agricultor estará livre para trabalhar a terra como antes, mas terá a certeza de um tratamento infinitamente melhor do que quando estava escravizado aos grandes bancos e monopólios.

O estado capitalista

Assim como no campo da economia a ideia de que todos os consumidores são iguais e “livres para escolher” é uma abstração sem sentido, também no campo da política a ideia de que em uma democracia capitalista formal as pessoas podem realmente decidir quem governa suas vidas e destinos é igualmente uma abstração vazia. Os políticos e presidentes são comprados e vendidos da mesma forma que qualquer outro produto da economia de mercado. E esse controle oligárquico anula a democracia, que é reduzida ao nível de uma farsa vazia e sem sentido.

Para quebrar o poder da oligarquia e colocar o controle real nas mãos do povo, é absolutamente necessário quebrar o poder econômico da classe dominante. A condição prévia para o socialismo é a expropriação do grande capital – os grandes bancos e empresas que realmente controlam a sociedade. Para controlar a economia, é necessário tirar completamente essas forças da propriedade privada.

Essa é a única forma de se destruir a ditadura do capital e de se criar um sistema econômico que seja de propriedade e controlado pela maioria e não por uma minoria privilegiada de famílias obscenamente ricas. No entanto, essa medida extremamente democrática e necessária é pintada nas cores mais sinistras como uma renúncia aos direitos e liberdades dos cidadãos comuns em favor de algum tipo de estado totalitário monstruoso.

Isso permanece sendo totalmente verdadeiro: é o atual sistema que é profundamente antidemocrático. É o governo de uma minoria irresponsável, não-eleita e estranha que exerce um controle despótico e asfixiante sobre as vidas das pessoas. Sob o sistema atual, pouco importa quem seja eleito ao Congresso e à Casa Branca, porque Wall Street estende os seus tentáculos a todos os níveis da vida política.

A burocracia federal é um monstro. Consiste de aproximadamente 2,6 milhões de funcionários, além de muitos prestadores de serviço independentes. A maior parte da burocracia se dedica a aplicar a lei. Existem 17.985 agências de polícia nos EUA, incluindo a polícia dos campi universitários, os departamentos do xerife, a polícia local e as agências federais. A natureza repressiva do estado é cada vez mais óbvia, com numerosos casos de polícias que assassinam pessoas – mais frequentemente negros e latinos. E a população carcerária está explodindo.

De acordo com o Bureau Federal de Justiça dos EUA (BJS, em suas siglas em inglês), 2.220.300 adultos foram encarcerados em prisões federais e estaduais e em cadeias municipais nos EUA em 2013. Em outubro de 2013, a taxa de encarceramento dos EUA era a mais alta do mundo, com 716 por cada 100.000 habitantes da população nacional. Embora os EUA representem cerca de 4,4% da população mundial, abriga cerca de 22% da população carcerária do mundo. O custo médio do encarceramento dos presos federais, em 2015, foi de 31.977,65 dólares por pessoa (87,61 dólares ao dia).

Esse gigantesco aparato de repressão é necessário porque uma pequena minoria de exploradores domina a esmagadora maioria. Constitui um enorme dreno da riqueza e dos recursos da sociedade. O custo de manutenção desse exército inchado de burocratas federais era de cerca de 58 bilhões de dólares ao ano, em 2015. Isso representava cerca de 14% do gasto total do governo e cerca de 16% de suas receitas.

O verdadeiro custo do militarismo

O gasto militar é mais um dreno colossal. Donald Trump assinou o que sua administração chama de o maior orçamento militar da história dos EUA: 717 bilhões de dólares, nem um dólar a menos. Tudo o que ele diz sugere que pretende aumentar essa cifra no futuro. De fato, os contribuintes estadunidenses enviarão aproximadamente 6 trilhões de dólares ao Pentágono na próxima década, já que os custos militares estão programados para atingir níveis 20% mais altos do que no pico da Guerra Fria, de acordo com o Escritório do Orçamento do Congresso.

O assunto não termina aí. O constante envolvimento dos EUA em aventuras militares externas é um dreno interminável que coloca uma pressão severa sobre os recursos até mesmo da mais rica nação do mundo. E essas cifras não incluem o custo das chamadas “operações de contingência no exterior”. Essa é a gíria militar para os bilhões de dólares gastos por fora do orçamento, todos os anos, na interminável “Guerra ao Terror”.

Os EUA embarcaram na chamada guerra global contra o terrorismo na sequência dos ataques de 11 de setembro, que mataram aproximadamente 3.000 pessoas e que foram orquestrados pelo grupo islâmico militante Al Qaeda. Semanas mais tarde, os EUA lideraram uma invasão ao Afeganistão, que, naquele momento, era controlado pelo aliado da Al Qaeda, o Talibã.

Em março de 2003, Washington derrubou o presidente iraquiano Saddam Hussein acusando-o de desenvolver armas de destruição em massa e de abrigar organizações terroristas assinaladas pelos EUA. Ambas as afirmações eram falsas. Apesar das repetidas alegações de que os EUA possuíam “evidências irrefutáveis” de que o Iraque possuía “armas de destruição em massa”, nenhuma dessas armas foi encontrada. Foi uma mentira gritante destinada a enganar o público estadunidense e justificar a invasão e a ocupação de um estado soberano.

A alegação de que o Iraque estava abrigando organizações terroristas jihadistas, como Al Qaeda, e que, de alguma forma, estava ligado aos ataques às Torres Gêmeas, foi outra mentira. Esquece-se convenientemente que, nos ataques às Torres Gêmeas, dos 19 terroristas que sequestraram os aviões 15 eram cidadãos sauditas. Não havia um só iraquiano entre eles e, de fato, Saddam Hussein era um feroz inimigo da Al Qaeda, que não tinha bases no Iraque. No entanto, não foi a Arábia Saudita que foi invadida, mas o Iraque.

O que quer que seja dito sobre Saddam Hussein, ele era um governante secular e implacavelmente hostil ao extremismo islâmico. Ele suprimiu impiedosamente toda oposição – incluindo a do tipo jihadista. Somente após a invasão estadunidense ter destruído o estado iraquiano, a Al Qaeda conseguiu construir uma base forte (transformando-se no Estado Islâmico) e, apesar dos contratempos, ainda representa uma ameaça atualmente.

Alguém calculou que a “Guerra ao Terror” adicionou 2,1 trilhões de dólares à enorme dívida dos EUA: cerca de 10% do total. Os contribuintes gastaram mais de 800 bilhões de dólares somente na Guerra do Iraque. Dizem que os 2,1 trilhões de dólares gastos na Guerra ao Terror criaram 18 milhões de empregos. Mas, se fossem destinados à educação, teriam criado quase 38 milhões de empregos. Isso nos dá uma ideia do colossal desperdício causado pelos gastos em armas.

No entanto, agora parece que até mesmo essa assombrosa estimativa subestima o gasto total. A Projeção dos Custos da Guerra, do Instituto Watson da Universidade de Brown, recentemente publicou uma estimativa dos dólares dos contribuintes destinados à chamada Guerra ao Terror. De 12 de setembro de 2001 até o ano fiscal de 2018, a fatura ascendia a quase 6 trilhões de dólares (incluindo os custos futuros de cuidados com os veteranos). Em média, isso representa pelo menos 23.386 dólares por contribuinte.

Esse estudo inclui tanto os gastos do Pentágono quanto a conta de suas Operações de Contingência no Exterior; e “os gastos relacionados à guerra por parte do Departamento de Estado, gastos passados e obrigatórios para os cuidados com os veteranos de guerra, os juros sobre as dívidas contraídas para pagar as guerras e a prevenção e resposta ao terrorismo por parte do Departamento de Segurança Interna”.

“Os Estados Unidos se apropriaram e estão obrigados a gastar cerca de 5,9 trilhões de dólares (em dólares atuais) na guerra ao terror até o ano fiscal de 2019, incluindo os gastos diretos da guerra e relacionados à guerra e às obrigações para os gastos futuros com os veteranos de guerra posteriores a 11 de setembro”.

O relatório conclui:

“Em suma, os altos custos da guerra e os gastos relacionados à guerra colocam uma preocupação de segurança nacional porque são insustentáveis. O público seria melhor servido por uma maior transparência e pelo desenvolvimento de uma estratégia abrangente para acabar com as guerras e lidar com outras prioridades urgentes de segurança nacional”.

Em 2014, os EUA organizaram uma coalizão internacional para combater o Estado Islâmico (ISIS), que se espalhou do Iraque à vizinha Síria e mais além. A aliança militar da OTAN, liderada pelos EUA, interveio na Líbia e ajudou os insurgentes a derrubar Muammar Gaddafi, deixando a nação em estado de caos indescritível, anarquia e guerra civil. Sob Gaddafi, a Al Qaeda não era uma força séria na Líbia. Agora prospera ali e está espalhando seus tentáculos à África Subsaariana.

O relatório também descobriu que os “militares dos EUA estão conduzindo atividades de combate ao terror em 76 países, ou cerca de 39% das nações do mundo, expandindo [sua missão] por todo o globo”. Adicionalmente, essas operações “foram acompanhadas por violações aos direitos humanos e liberdades civis, nos EUA e no exterior”.

O custo humano dessas aventuras externas foi enorme. No geral, o relatório estimou que “entre 480.000 e 507.000 pessoas foram mortas nas guerras dos Estados Unidos depois do 11 de setembro, no Iraque, Afeganistão e Paquistão”. Essa cifra “não inclui as mais de 500.000 mortes da furiosa guerra na Síria, desde 2011”, quando os rebeldes e jihadistas, respaldados pelo Ocidente, desafiaram o governo, um aliado da Rússia e do Irã.

O número de mortes pode ser muito maior e também se compõe por centenas de milhares de pessoas mortas pelos efeitos colaterais desses conflitos. O Instituto Watson também calculou que o custo humano combinado para os EUA por suas ações no Afeganistão, Iraque e Paquistão foi de 6.951 soldados, 21 civis e 7.820 contratados.

O relatório afirma:

“Embora muitas vezes saibamos quantos soldados estadunidenses morrem, a maioria dos outros números é, até certo ponto, incerta. De fato, talvez nunca saibamos o total de mortes diretas nessas guerras. Por exemplo, dezenas de milhares de civis podem ter morrido na retomada de Mosul e outras cidades do ISIS, mas seus corpos provavelmente não foram recuperados.

“Além disso, essa contagem não inclui ‘as mortes indiretas’. O dano indireto ocorre quando a destruição das guerras leva a ‘consequências indiretas’ no longo prazo para a saúde das pessoas em zonas de guerra, por exemplo, devido à perda do acesso a alimentos, água, serviços de saúde, eletricidade ou outras infraestruturas”.

Saddam Hussein e Muammar Gaddafi eram ditadores brutais e inimigos das massas oprimidas. Mas pode alguém honestamente dizer que o Iraque e a Líbia estão mais seguros e estáveis desde que o imperialismo devastou esses países? E o Afeganistão? Depois de 17 anos (mais do que a guerra no Vietnã), do gasto de trilhões de dólares e das terríveis perdas de vidas, o país é um pântano sangrento em que os Talibãs ameaçam 70% do território.

A despeito das rápidas vitórias iniciais no Iraque e no Afeganistão, o exército dos EUA foi atormentado por insurgências contínuas – e não só nestes países. A invasão do Iraque desestabilizou toda a região. Isso forçou os EUA a expandir suas “operações de contraterrorismo” mais além do Oriente Médio, à Líbia, Paquistão, Somália e Iêmen.

Essas intermináveis aventuras militares não tornam os EUA mais seguros ou mais fortes. Nem tornam a ameaça terrorista mais débil. Pelo contrário, os terroristas enlouquecidos são cada vez mais numerosos. Prosperam com a instabilidade causada pela intervenção militar dos EUA. O mundo é agora um lugar muito mais instável e perigoso do que era em 2001. A invasão do Iraque gerou uma enorme vaga de ressentimento e ódio que terá que ser aplacada por inúmeras outras vítimas no futuro – tanto fora das fronteiras dos EUA quanto dentro delas.

O nazista Hermann Goering disse uma vez: “Armas antes da manteiga! As armas nos farão grandes. A manteiga somente vai nos engordar!” Mas o colossal gasto em armas dos EUA, que faz o programa de rearmamento de Hitler parecer liliputiano em comparação, não fez nada para restaurar a grandeza dos EUA. Em um mundo dilacerado por guerras constantes, que são um reflexo da crise do capitalismo, o gasto em armas está arrastando os EUA cada vez mais fundo em um pântano de sangue.

Em fevereiro, o presidente Trump reclamou de que “gastamos 7 trilhões de dólares no Oriente Médio”, adicionando “que erro”. Semanas mais tarde, ele supostamente disse aos seus assessores militares para preparar um plano de retirada da Síria, visto que a guerra contra o ISIS havia entrado em sua fase final. Mas desde então a intervenção militar estadunidense na Síria continuou e inclusive se intensificou, arrastando um conflito sem sentido que já custou muitas vidas.

Tudo isso nos lembra das famosas palavras do historiador romano Tácito:

“E quando criam um deserto, chamam de Paz”.

Os trabalhadores devem tomar o poder!

O socialismo é democrático ou não é nada. Significa tomar o controle da sociedade das mãos de uma elite gananciosa, irresponsável e corrupta e colocá-lo nas mãos da esmagadora maioria. Isso significa a derrubada do estado existente e sua substituição por um novo tipo de estado. Engels descreve o estado como “um poder, aparentemente acima da sociedade […], mas colocando-se acima dela e cada vez mais alienando-se dela”.

Essas palavras são uma precisa descrição da presente situação. O Pentágono, o Departamento de Segurança Interna, a indústria nuclear e de armamentos dos EUA e o restante do que se costuma chamar de Complexo Industrial Militar tornaram-se um Estado dentro do Estado, com seus próprios interesses, desfrutando de um poder colossal e exercendo influência sobre o governo central. Trump descobriu, à sua custa, que as agências de inteligência, supostamente servas do povo, na realidade não servem a ninguém além de si mesmas e ao establishment capitalista, cujos interesses representam.

Os defensores do capitalismo costumam apontar para a Rússia e a China e dizer aos cidadãos dos EUA: “você quer socialismo? Isso é socialismo para você! O gulag, a KGB, ditadura, espiões em cada esquina, ficar horas na fila por um pedaço de pão ou de uma barra de sabão. Você realmente quer isso?” E o aterrorizado cidadão sacudia a cabeça e dizia: “Não, obrigado! Isso não é para mim!”

Naturalmente, ninguém em seu são juízo quer as coisas descritas acima. Mas essas coisas não são necessariamente subprodutos de um plano socialista de produção. São precisamente os produtos de países economicamente atrasados onde as condições materiais para o socialismo estavam ausentes. E isso é muito diferente da situação nos EUA.

Enquanto na Rússia e na China as forças produtivas se encontravam em um nível muito baixo quando suas revoluções ocorreram (e esse foi também o caso da Venezuela, com a exceção parcial da indústria petrolífera), nos EUA as forças produtivas se elevaram a um nível muito alto. A população estadunidense desfruta de um alto nível de alfabetização e de uma forte tradição democrática – tudo o que estava ausente nos países acima mencionados.

Defendemos o controle dos bancos e das indústrias pelo estado, mas também defendemos o controle democrático do estado por todo o povo. Sob um regime de controle e gestão dos trabalhadores, todas as alavancas do poder econômico estariam nas mãos dos próprios trabalhadores. As pessoas que realmente produzem toda a riqueza da sociedade devem possuir e controlar as forças produtivas.

Em primeiro lugar, isso significa transferir a riqueza da sociedade e as forças produtivas das mãos privadas às mãos do estado. Mas o futuro estado proletário não terá nada em comum com a presente monstruosidade burocrática que é o poder estatal dos banqueiros e capitalistas. A revolução socialista acabará com o velho estado dos exploradores e opressores e criará um novo e genuinamente democrático poder estatal, que será menor, mais responsável e infinitamente mais econômico de manejar.

Como será um estado dos trabalhadores? Há pouco mais de um século, Lenin respondeu a essa questão na famosa obra intitulada O Estado e a Revolução, onde expôs as condições fundamentais, não para o socialismo ou o comunismo, mas para os primeiros dias do poder operário. Essas condições podem ser resumidas como se segue:

  1. Eleições livres e democráticas, com o direito de revogação de todos os funcionários.
  2. Nenhum funcionário pode receber um salário maior do que o salário de um trabalhador qualificado.
  3. Nenhum exército permanente ou polícia, mas o povo armado (uma milícia popular).
  4. Gradualmente, todas as tarefas de administração do estado serão realizadas sucessivamente por todo o povo. Quando todos são burocratas, ninguém é burocrata.

Medidas como essas garantirão que o estado dos trabalhadores estadunidenses seja genuinamente democrático e representativo. Seria a verdadeira realização das aspirações democráticas que inspiraram o povo estadunidense desde a Revolução Americana e a Guerra Civil, que foi, na verdade, uma segunda Revolução Americana.

Essa é a face real da revolução socialista. Nada tem em comum com o estado burocrático totalitário do estalinismo. Pelo contrário, é uma concepção democrática de sociedade que está plenamente alinhada com as tradições revolucionárias e democráticas básicas do país – tradições que foram sistematicamente esmagadas e reduzidas a nada sob o presente sistema de oligarquia capitalista.

A transição ao socialismo

O documento da Casa Branca afirma:

“As soluções propostas incluem sistemas de pagamento único, altas taxas de impostos (‘de cada um de acordo com sua capacidade’) e políticas públicas que distribuem grande parte dos bens e serviços da nação de forma gratuita (‘a cada um segundo suas necessidades’). Onde eles diferem é que os socialistas democráticos contemporâneos denunciam a brutalidade do estado e permitem que os indivíduos possuam privadamente os meios de produção em muitas indústrias”.

Temos aqui confusão acumulada sobre confusão. Os autores têm uma vaga lembrança de que o socialismo tem algo a ver com “de cada um, de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com suas necessidades”. Mas, para começar, essa fórmula não tem nada a ver com tributação. De fato, essa formulação foi usada por Marx para descrever a situação que existiria em uma sociedade sem classes sociais. Em tal sociedade, com base em um desenvolvimento muito elevado das forças produtivas, com o consequente aumento da riqueza e da cultura, chegaríamos a uma situação em que cada indivíduo contribuiria para a sociedade na medida em que sua condição física e mental potencialmente o permitisse. Em troca, ele ou ela receberiam tudo o que se requer para viver uma vida genuinamente frutífera e humana.

Marx não era utópico. Estava bem ciente de que nem todos têm o mesmo potencial. Nem todos têm o potencial de Darwin, Einstein ou Rembrandt. No entanto, todo ser humano tem algum potencial e teria a possibilidade de desenvolver este potencial plenamente. Todos os homens e mulheres devem ser capazes de contribuir para a sociedade da melhor maneira possível. Em troca, podem esperar receber o direito de viver uma existência civilizada.

Durante o período de transição, como Marx explicou muito claramente em A Crítica do Programa de Gotha, não se pode colocar a questão da introdução imediata do princípio de “de cada um, de acordo com sua capacidade, a cada um, de acordo com suas necessidades”. Como ele escreveu:

“Mas uns indivíduos são superiores, física e intelectualmente, a outros e rendem, pois, no mesmo tempo, mais trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; e o trabalho, para servir de medida, tem que ser determinado quanto à duração ou intensidade; de outro modo, deixa de ser uma medida. Este direito igual é um direito desigual para trabalho desigual. Não reconhece nenhuma distinção de classe, porque aqui cada indivíduo não é mais que um trabalhador como os demais; mas reconhece, tacitamente, como outros tantos privilégios naturais, as aptidões individuais desiguais, e, portanto, a desigual capacidade de rendimento. No fundo é, portanto, como todo direito, o direito da desigualdade. O direito só pode consistir, por natureza, na aplicação de uma medida igual; mas os indivíduos desiguais (e não seriam diferentes indivíduos se não fossem desiguais) só podem medir-se pela mesma medida sempre e quando sejam colocados sob um mesmo ponto de vista e sejam olhados somente em um aspecto determinado; por exemplo, no caso dado, somente enquanto trabalhadores, e não se veja neles nenhuma outra coisa, ou seja, que se prescinda de tudo o mais. Prossigamos: um trabalhador é casado e outro não; um tem mais filhos que outro etc., etc. À igual trabalho e, em consequência, à igual participação no fundo social de consumo, um obtém de fato mais que o outro, um é mais rico que o outro etc. Para evitar todos estes inconvenientes o direito não teria que ser igual, mas desigual.

“Mas estes defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal e como brota da sociedade capitalista depois de um longo e doloroso parto. O direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado.

“Numa fase superior da sociedade comunista, quando haja desaparecido a divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre trabalho intelectual e trabalho manual; quando o trabalho não seja somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, cresçam também as forças produtivas e corram plenamente os mananciais da riqueza coletiva, só então poderá ser rebaixado totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá escrever em suas bandeiras: De cada um, segundo suas capacidades, a cada um, segundo suas necessidades!” (Karl Marx, Crítica do Programa de Gotha).

É impossível saltar diretamente da selva capitalista para a forma superior de socialismo sem um período de transição, que Marx descreveu como a fase mais baixa do comunismo. Durante esse período, a desigualdade de renda existiria, embora o diferencial fosse muito menor do que a desigualdade obscena que existe hoje, e tenderia a se reduzir ainda mais à medida que o trabalho não-qualificado se tornar uma coisa do passado.

A duração desse período de transição seria determinada pelo nível inicial de desenvolvimento das forças produtivas, da técnica, cultura etc., em dada sociedade. Na Rússia, em 1917, os Bolcheviques tomaram o poder em um país extremamente atrasado, com uma base industrial estreita e uma população em grande parte analfabeta. Portanto, na Rússia, o período de transição assumiu um caráter particularmente difícil e doloroso.

Lenin e Trotsky entendiam muito bem que as condições materiais para a construção do socialismo estavam ausentes na Rússia e que isso exigiria a vitória da revolução socialista em um ou mais países avançados (a Alemanha, por exemplo) para avançar na direção do genuíno socialismo. Os problemas enfrentados pela jovem República Soviética eram produtos do extremo atraso econômico e cultural. Foram essas condições objetivas que levaram à degeneração burocrática da Revolução Russa, que terminou na abominação do totalitarismo estalinista.

Mas, em um país capitalista avançado, como os EUA, com seu colossal potencial produtivo, sua população instruída e suas tradições democráticas, o avanço na direção do socialismo seria alcançado com muito mais facilidade, muito menos dolorosamente e muito mais rapidamente do que foi o caso na atrasada Rússia.

A superioridade de uma economia socialista planificada

Que efeito a nacionalização dos bancos e monopólios teria na produção? Nossos amigos da Casa Branca falam de um colapso de talvez 40% “no longo prazo”. Isso, mais uma vez, é uma cifra que alguém tirou da cartola. Em nenhum momento produzem a mais leve evidência para respaldá-la. Mas acreditamos que estamos em condições de demonstrar exatamente o contrário. Vamos nos referir, mais uma vez, a um exemplo concreto do que uma economia planificada poderia alcançar.

Sob condições assustadoras de atraso econômico, social e cultural, os Bolcheviques começaram a titânica tarefa de arrastar a Rússia para fora do atraso, com base em uma economia nacionalizada e planificada. No espaço de duas décadas, a Rússia estabeleceu uma poderosa base industrial, desenvolveu a indústria, a ciência e a tecnologia e aboliu o analfabetismo. Em um período de 50 anos, a URSS aumentou seu produto interno bruto mais de nove vezes.

No final da década de 1970, a União Soviética era uma formidável potência industrial, que, em termos absolutos, já havia superado o restante do mundo em toda uma série de setores-chave. A URSS foi o segundo maior produtor industrial do mundo depois dos EUA e foi o maior produtor de petróleo, aço, cimento, tratores e muitas máquinas-ferramentas.

E nessas cifras não se expressa o alcance total da conquista. Além disso, o desemprego, como este no Ocidente, era desconhecido na União Soviética. A URSS tinha um orçamento equilibrado e até gerava um pequeno excedente todos os anos. Nenhum governo ocidental teve êxito em obter resultados como esses. O déficit orçamentário federal dos EUA foi de 665 bilhões de dólares no ano financeiro de 2017, contra 587 bilhões em 2016, um aumento de 82 bilhões, ou de cerca de 13%. Neste momento, a dívida pública dos EUA é de cerca de 20 trilhões de dólares, tendo aumentado assombrosos 115% na última década.

Ademais, durante a maior parte do período pós-guerra, havia pouca ou nenhuma inflação na URSS. Este era particularmente o caso com os preços dos itens básicos de consumo. No início dos anos 1980, o preço do pão, do açúcar e da maioria dos alimentos não havia aumentado desde 1955. Os aluguéis eram extremamente baixos, quase gratuitos de fato, e incluíam o consumo ilimitado de eletricidade e gás. Basta comparar isto com o Ocidente, onde a maioria dos trabalhadores tem de pagar um terço ou mais de seus salários em habitação, e o alto custo da moradia coloca a propriedade do lar fora do alcance de milhões e condena outros milhões à falta de moradia.

Na década de 1980, a URSS tinha mais cientistas do que os EUA, o Japão, a Grã-Bretanha e a Alemanha juntos. Só recentemente o Ocidente foi obrigado a admitir, a contragosto, que o programa espacial soviético estava muito à frente dos EUA. Os críticos ocidentais da União Soviética guardaram silêncio sobre isto, porque demonstrava as possibilidades de até mesmo uma economia em transição, para não falar do pleno socialismo.

Agora vejamos, se esses resultados foram possíveis com base em uma economia semifeudal, extremamente atrasada e com uma população analfabeta, não é necessário ser um gênio para se entender que resultados muito maiores poderiam ser alcançados com a aplicação da planificação socialista democrática a uma economia industrializada avançada, como a dos EUA. Todo o vasto e inutilizado potencial dessa terra poderosa poderia ser mobilizado para a satisfação das necessidades humanas. Todos os homens e mulheres sãos seriam convidados a participar na reconstrução socialista dos EUA. Um programa acelerado de construção eliminaria o flagelo da falta de moradias e reconstruiria a combalida infraestrutura do país.

Liberada do controle da oligarquia parasitária de banqueiros e capitalistas e com base no controle e gestão democráticos dos trabalhadores, a economia estadunidense avançaria a passos acelerados. Sob um plano socialista democrático de produção, uma taxa anual de crescimento de 10% seria um objetivo bastante modesto. Isso significaria duplicar a riqueza coletiva dos EUA no espaço de dois planos quinquenais. Longe de entrar em colapso, os padrões de vida seriam elevados a um nível jamais visto antes na história. As jornadas de trabalho seriam drasticamente reduzidas, dando às pessoas tempo para se desenvolverem mental, física e espiritualmente.

Longe de ser uma utopia impossível, já temos em nossas mãos o potencial produtivo, baseado na ciência e na tecnologia modernas, para garantir um futuro alicerçado em um nível de prosperidade que pode satisfazer todas as necessidades humanas, sem a necessidade de uma luta animal pela existência. É este realmente um objetivo que se encontra além da capacidade da raça humana lograr? Só um misantropo ignorante e de mente estreita ousaria afirmar isso.

Uma vez que a poderosa economia estadunidense se liberte da camisa de força dos bancos e monopólios privados, seria possível reorganizar as forças produtivas de uma forma harmoniosa e planejada, que garantiria a todos os homens, mulheres e crianças um nível de vida muito mais alto do que têm no presente.

A participação democrática da classe trabalhadora, que é a condição prévia para a construção do socialismo, seria uma questão muito simples, dado o fato de que os EUA possuem uma população instruída. A aplicação geral da moderna tecnologia – computadores, calculadoras, smartphones e outras maravilhas da ciência moderna – tornaria as tarefas da contabilidade e do controle acessíveis a todos, proporcionando uma base sólida para a introdução do controle e da gestão dos trabalhadores em todos os níveis da indústria e da economia.

Liberadas da necessidade de lutar por uma vida sem sentido, as pessoas estariam livres para perseguir seus interesses e para desenvolver seu potencial ao máximo. As escolas e universidades estariam abertas a todos os cidadãos que desejassem melhorar os seus conhecimentos da ciência, da cultura e das artes. O acesso ao aprendizado e à cultura seria fornecido gratuitamente pelo Estado, lançando as bases para um novo Renascimento da arte, da pintura, da música, da literatura e da arquitetura. Este seria um primeiro e gigantesco passo na conquista do objetivo final: uma federação socialista de todo o mundo.

No entanto, tal mundo somente será possível depois que a humanidade se livre do jugo parasitário do capitalismo. E é precisamente por essa razão que os cavalheiros do Conselho de Assessores Econômicos estão tão interessados em alertar o povo estadunidense contra essa perspectiva.