África do Sul: COSATU convoca Congresso Nacional Extraordinário enquanto a Direita se retira

O Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos (COSATU, em suas siglas em inglês) convocará um congresso nacional extraordinário para lidar com as divisões que devastaram a maior federação sindical da África do Sul no último período. O anúncio foi feito em 19 de agosto depois de três dias de reunião do Comitê Central Executivo (CEC), realizada em Johannesburgo. Isto ocorreu depois que nove sindicatos filiados escreveram ao CEC, solicitando a realização desse Congresso. Isto representa um passo na direção correta dado pela federação. A constituição de COSATU declara que, para que um Congresso extraordinário seja convocado, pelo menos um terço dos filiados (sete) deve fazer tal requerimento. O presidente da federação tem 14 dias para preparar a logística de realização do congresso, incluindo a definição de uma data.

Divisões

O cenário imediato para isto foi a suspensão do secretário-geral da federação, Zwelinzima Vavi, pelo CEC, em 14 de agosto, depois que ele admitiu manter um caso extraconjugal com uma jovem associada. Em artigo anterior, explicamos que as razões da suspensão de Vavi não tinham nada a ver com suas indiscrições pessoais, mas sim com a política e as forças contraditórias na Aliança Tripartite (ANC, SACP e COSATU). A decisão de suspender Vavi submergiu COSATU na mais profunda crise desde sua formação. Os sindicatos já se alinharam uns contra os outros, representando as alas direita e esquerda da federação. No momento da suspensão de Vavi, o secretário-geral do sindicato Food and Allied Workers, Katishi Masemola, advertiu: “COSATU não será mais o mesmo. A primeira coisa é que não vai haver dois campos dentro da federação. Cada afiliada será afetada pela instabilidade. A unidade de cada afiliada não está assegurada”.

Desde então, os acontecimentos provaram que ele estava correto. Mas as divisões são muito mais profundas e não se restringem apenas à COSATU. A origem dos problemas da federação está enraizada na Aliança Tripartite e reflete o conflito entre os que estão mais próximos do governo e que, assim, se aproveitam dos “frutos do cargo” e os que estão mais próximos do chão de fábrica e se encontram muito mais em contato com os trabalhadores. Toda a campanha para derrubar Vavi é na verdade uma tentativa de silenciá-lo por causa de sua franqueza contra a corrupção, as políticas anti-classe trabalhadora e suas críticas ao fato de que os líderes de SACP e COSATU se juntaram ao governo do ANC [Congresso Nacional Africano, em suas siglas em inglês] para implementar essas políticas. O secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos [NUNSA, em suas siglas em inglês], Irvin Jim, acusa diretamente ao secretário-geral do ANC e ao secretário-geral do Partido Comunista de estarem por trás das divisões. Dirigindo-se aos trabalhadores em uma marcha em Randburg, Jim disse: “Ele (Mantashe) e Blade (Nzimande da SACP) estão fazendo de tudo para dividir os sindicatos da COSATU”.

Por sua vez, Mantashe e Nzimande aumentaram a aposta lançando ataques constantes contra a facção pró-Vavi. Dirigindo-se a membros do sindicato dos policiais [POPCRU, em suas siglas em inglês], Nzimande chegou a se referir àquela fração como o inimigo: “Se alguns líderes sindicais pensam que vão ter filiais da COSATU, vão ter de enfrentar primeiro o Partido Comunista. Os que estão ameaçando sair, primeiro terão que abrir esta porta vermelha. Os que estão planejando fazer isto são parte do inimigo que quer destruir nossa revolução. Não pode haver nenhum problema que seja maior que a unidade de COSATU”. Isto é muito típico de Nzimande – assumir uma posição defensiva em público, enquanto intriga nos bastidores. Ele também defendeu a presença dos principais líderes do SACP no governo, dizendo: “A ideia ‘liberal’ (!!) de que o Estado era inerentemente ruim e que tinha que ser constantemente criticado teve de ser combatida. É por esta razão que em nossas universidades e na mídia, a fim de provar que somos verdadeiramente independentes, devemos atacar ao governo e ao ANC. Então, você vai receber aplausos. A maioria de nós aqui fez campanha por este governo em 2009. Então, este é o nosso governo, não importa que problemas ele tenha. Ele é nosso governo”.

De que revolução fala Nzimande quando o governo do ANC está firmemente comprometido com políticas capitalistas, privatizações, licitações etc.? De que revolução fala ele quando proeminentes líderes do ANC sentam-se nos conselhos de administração das mesmas empresas mineradoras contra as quais lutam os trabalhadores comuns e logo que os mineiros vão à greve, o governo do ANC responde enviando a polícia para massacrá-los? Onde está a revolução? A verdadeira ameaça à unidade do movimento é brandida por aqueles que o sequestraram para servir aos interesses da classe capitalista.

Não surpreende de forma alguma que Nzimande tome tal posição. Afinal, ele é o ministro da Educação Superior. Mas o que o camarada Nzimande não consegue entender é que os líderes que criticam o governo e suas políticas apenas estão refletindo os pontos de vista das pessoas comuns da classe trabalhadora. Essas críticas não se originam da mídia ou das universidades, mas das comunidades, das minas e do chão das fábricas. De acordo com os dados mais recentes da polícia, eles organizaram mais de 12 mil protestos nos últimos doze meses. De acordo com os dados mais recentes do Departamento do Trabalho, o número de greves que ocorrem em todo o país é o mais elevado em cinco anos.

Esses protestos e greves explicam porque alguns líderes sindicais estão criticando o governo. São reflexos da raiva crescente que está se instalando na sociedade resultante do fracasso esmagador do capitalismo na sociedade sul-africana. As pessoas que estão protestando e indo à greve são as mesmas pessoas que votaram neste governo e que também sentiram que este é “seu governo”. A fonte desses problemas é o capitalismo e, por estar no governo enquanto este implementa essas políticas capitalistas, os líderes do Partido Comunista são cúmplices do sofrimento do povo trabalhador. É a isto que está condicionada a crítica de Irvin Jim e Zwelinzima Vavi, e não à tentativa de marcar pontos políticos, que o camarada Blade se refere como uma busca de “aplausos”.

O que está na base deste conflito é a raiva acumulada das massas de trabalhadores, camponeses e pobres, os que carregaram o peso da luta contra o apartheid, mas que, vinte anos depois, depois de duas décadas de governos do ANC aceitando o sistema capitalista, veem agora que suas condições de vida não mudaram substancialmente. Esta raiva foi expressa em greves gerais regulares e protestos constantes nas comunidades contra a falta de prestação de serviços. Ela se expressou, ainda que de forma distorcida, nos conflitos e confrontos em todas as organizações do movimento democrático de massas. Isto levou à remoção de Mbeki, identificado com a mais pró-capitalista ala do ANC, e sua substituição por Zuma, na esperança de que este fosse buscar políticas diferentes. Muito cedo, os trabalhadores perceberam que Zuma era a continuação de uma política capitalista.

O fato de que Vavi e o NUNSA se recusassem a travar uma batalha contra Zuma no último congresso do ANC somente serviu para encorajar a ala direita, que já tinha purgado a Liga da Juventude Comunista (YCL, em suas siglas em inglês) e Liga da Juventude do ANC (YL, em suas siglas em inglês) dos elementos críticos e estava decidida a se mover contra Vavi em uma tentativa de manter COSATU sob controle. Uma lição deve ser aprendida. Não é possível adoçar a luta em nome da “manutenção da unidade” no abstrato.

Campanha por um congresso extraordinário

Imediatamente após a suspensão de Vavi, a ala esquerda da COSATU partiu para o ataque. Na vanguarda estavam os metalúrgicos de NUMSA. Irvin Jim, de NUMSA, revelou que em mais de nove regiões seus membros estavam em “pé de guerra” com a suspensão de Vavi. A campanha teve duas frentes. A primeira era a de levar a federação do trabalho ao tribunal alegando que a suspensão de Vavi foi processual e substancialmente falha. Por outro lado, foi lançada uma campanha para a convocação de um congresso extraordinário da COSATU. O segundo foi o cenário que a facção anti-Vavi queria evitar a todo custo devido ao fato de o secretário-geral ser muito popular entre os trabalhadores. Esta campanha foi liderada e apoiada pelo Sindicato dos Trabalhadores Urbanos (SAMWU), o Sindicato dos Trabalhadores das Comunicações (CWU), o dos Trabalhadores do Varejo (SACCAWU), o dos Trabalhadores de Food and Allied Workers Union (FAWU), o Sindicato dos Trabalhadores do Futebol (SAFPU) e NUMSA.

Quando os requisitos constitucionais foram cumpridos e um congresso extraordinário tornou-se inevitável, o ANC formou uma força-tarefa especial liderada por seu vice-presidente, o ex-líder dos trabalhadores das minas que se tornou bilionário, Cyril Ramaphosa, mas que também incluía Mantashe e o presidente do ANC, Baleka Mbete, para “engajar” a federação e encontrar soluções para as divisões. Além disso, os ex-dirigentes sindicais Sydney Mufamadi, Alec Irvin e Enoch Godongwana tentaram separadamente firmar um acordo em nome dos líderes do partido no poder. Mas estas tentativas imediatamente deram errado. O vice-secretário-geral de NUMSA, Karl Cloete, disse aos senhores Mufamadi e Godongwana, em termos inequívocos, que eles estão “começando no lugar errado” e que deveriam começar a fechar a brecha “voltando-se para seu próprio partido”. O senhor Cloete deixou muito claro que a intervenção do ANC não era bem-vinda: “É o ANC que quer uma correia transportadora, um telefone de brinquedo, uma mesa de trabalho, que não critica nada... eles devem ir para o NEC (do ANC), tudo começou lá”, disse ele na escola política de NUMSA em Benoni. Criticando diretamente o secretário-geral do ANC, Cloete disse: “Este é o cargo que se necessita para se construir a unidade quando há desunião. É um cargo que deve orientar... Infelizmente, não podemos dizer isto hoje”.

É claro que a ala direita calculou mal em suas tentativas de derrubar Vavi e fazer de COSATU um cachorrinho obediente da ala dominante de direita da camarilha burocrática capitalista. Mas, mesmo forçada a realizar o congresso, isto não significa em absoluto que vá cair sem uma luta. Já existem rumores de que Vavi pode enfrentar acusações adicionais por supostamente violar os termos de sua suspensão, porque se dirigiu aos trabalhadores em greve. Isto está muito em sintonia com a mentalidade de um burocrata – tentar resolver as questões por trás dos muros, fechados em reuniões especiais, nas costas dos trabalhadores. Também há receios de que o presidente da COSATU, Dlamini, poderia vir com manobras dilatórias na realização do congresso extraordinário, o que poderia levar a uma custosa batalha judicial.

Em frente com o congresso extraordinário!

Em artigo anterior, escrevemos: “Como ficou demonstrado na remoção de Mbeki no Congresso de Polokwane do ANC, a esquerda é muito mais forte dentro de todas as organizações do movimento, uma vez que representa mais fielmente os interesses e os pontos de vista das massas de trabalhadores e de pobres que votam e apoiam o ANC”. Isto foi demonstrado mais uma vez neste caso. Dentro de curto espaço de tempo, a esquerda conseguiu mudar o rumo das coisas e agora estão enfrentando a facção anti-Vavi. A realização do congresso extraordinário é muito significativa porque os trabalhadores agora decidirão o futuro da federação. Este é o verdadeiro significado de “liderança e controle dos trabalhadores”, que é o lema sobre o qual COSATU foi fundado. O presidente de COSATU e outros direitistas terão agora de enfrentar os trabalhadores em um confronto direto.

Mas a mera realização do congresso não é suficiente. Nada deve ser dado como certo, muito menos as opiniões dos trabalhadores. Uma campanha de massa deve agora ser lançada para reconquistar a federação e trazê-la de volta as suas tradições revolucionárias, para trazer de volta a COSATU que enfrentou o poder combinado do Estado do apartheid e da classe burguesa e os forçou a realizar concessões substanciais. Uma COSATU que não será a correia transportadora do partido dominante, mas uma independente e destemida federação controlada pelos trabalhadores.

A crise que agora envolveu COSATU é muito mais ampla que as personalidades envolvidas. Ela é na verdade uma crise do reformismo. É o preço que tem que ser pago por se querer manobrar dentro dos limites do capitalismo e querendo reformar gradualmente a sociedade. Mas, como se revela em escala mundial, as reformas são impossíveis. O capitalismo está agora enfrentando sua mais profunda crise desde os anos 1930 e provavelmente a mais severa crise em sua história em termos de seu alcance. Em nenhum lugar isto se ver melhor que na sociedade da África do Sul, onde a pobreza, a desigualdade e o desemprego atingiram a sociedade de forma particularmente dura.

A única solução para esses problemas é lutar pelo socialismo. Somente através da nacionalização das alavancas fundamentais da economia sob o controle operário e da implementação de uma ampla e abrangente reforma agrária podemos resolver os problemas que a sociedade enfrenta. A condição prévia para isto é lutar por um programa deste tipo. A luta pelo socialismo deve ser colocada no centro do próximo congresso de COSATU. As questões tem de ser colocadas de forma clara, para que cada trabalhador possa entender o que está em jogo. As forças da esquerda são muito mais fortes do que as da direita porque representam os genuínos interesses das massas trabalhadoras e de pobres. Não há nenhuma razão objetiva para que a tarefa de lutar por um programa socialista não possa ser vitoriosa.

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