A física quântica, a dialética e a sociedade: de Marx e Engels a Khrennikov e Haven

A física quântica ocupa um lugar fascinante na vanguarda da moderna investigação científica. Desenvolvida pela primeira vez no início do século XX, a teoria quântica está permitindo aos cientistas de hoje sondar novas profundidades quando se trata da matéria e do movimento. Um novo livro, Ciência Social Quântica, de Andrei Khrennikov e Emmanuel Haven argumenta que a aplicação da lógica da teoria quântica aos sistemas sociais pode elevar nosso entendimento da sociedade humana a um nível totalmente novo.

Aparentemente sem se darem conta, estes cientistas estão seguindo os passos de Karl Marx e Frederico Engels, que desenvolveram a lógica materialista dialética da investigação filosófica do mundo natural. Nesta base, através da aplicação da lógica científica à sociedade, desenvolveram a teoria do socialismo científico.

A lógica da física quântica

A mecânica quântica é complexa, e ocupando, como o faz, uma posição na linha de frente do conhecimento humano, os argumentos ainda continuam causando estragos entre os cientistas quanto às interpretações e explicações da teoria quântica. E tudo começou com a observação de que a luz pode ser mensurada como uma partícula e uma onda.

Niels Bohr, famoso por sua série de experimentos abstratos que buscavam explicar a teoria quântica, colocou como hipótese que, na tentativa de medir a luz (ou qualquer outra partícula), inevitavelmente mudamos seu comportamento. Seu argumento era que o próprio dispositivo de medição proporcionaria impactos aleatórios às partículas que causariam uma mudança fundamental em seu comportamento. Por esta razão, argumentou ele, a luz pode aparecer como uma partícula e uma onda, mas logo que você tentar medi-la, esta luz inevitavelmente se torna OU uma partícula OU uma onda, dependendo de nosso método de mensuração – ela não pode ser medida como ambos ao mesmo tempo.

Esta abordagem, baseada no ‘Princípio da Incerteza’ de Heisenberg, traz à tona um ponto interessante relativo à lógica da física quântica. De modo a explicar com precisão o que estava acontecendo, Bohr notou que quanto mais precisa a mensuração da localização de uma partícula, menos precisa a mensuração de seu movimento, e vice-versa. Em outras palavras, há uma contradição entre a partícula e seu movimento, entre matéria e movimento.

Esta contradição está no núcleo de nossa compreensão do universo, visto que é impossível de se conceber matéria sem movimento. Toda matéria está em movimento; as partículas que tudo constituem estão constantemente vibrando, se movendo e mudando. O próprio planeta está em movimento constante em torno do sol, e nosso sistema solar está em constante movimento com a rotação da Via Láctea, que, por sua vez, está em constante movimento em relação às outras galáxias.

O que é dialética?

Heráclito, o filósofo grego, uma vez disse uma frase que ficou famosa: “tudo muda e nada permanece o mesmo” e também que “você nunca pode mergulhar duas vezes no mesmo rio”. São as ideias de mudanças incessantes, movimento, interconexão e contradição que definem o pensamento dialético.

O filósofo Zenon tratou de ilustrar como é essencial o pensamento dialético para nossa compreensão do mundo usando experimentos abstratos. Ele formula o seguinte:
Imagine-se uma flecha voando. A qualquer momento sem duração no tempo (como o congelamento da imagem de um filme) a flecha não se move para onde se dirige e nem se move de onde está. Portanto, a cada instante concebível no tempo, não há movimento ocorrendo, então como a flecha se move?

Para respondermos a isto somos obrigados a aceitar o que parece à primeira vista uma ideia contraditória – que a flecha está, em qualquer momento, em mais de um lugar ao mesmo tempo. Este experimento abstrato serve para destacar a natureza contraditória do movimento da matéria no mundo.

Mais tarde, o filósofo alemão Hegel desenvolveu a dialética de forma sistemática. Em vez de tentar descartar as contradições, Hegel via nelas o verdadeiro impulso de todo desenvolvimento. De fato, Hegel via a interpenetração de opostos como uma das características fundamentais de todo fenômeno. A filosofia de Hegel é a filosofia da interconexão onde os meios e o fim, a causa e o efeito, estão constantemente trocando de lugar. Ela explica o progresso em termos de luta e contradição, não como uma linha reta ou uma marcha inevitável e triunfal adiante. O principal erro de Hegel foi o de ver todo desenvolvimento essencialmente como refletindo o movimento de uma Ideia mística ou do Espírito Mundial.

Marx baseou sua compreensão dialética da sociedade nos ensinamentos de Hegel, mas foi adiante e combinou a dialética à visão materialista que vê o mundo real e objetivo como o único existente. Marx descobriu que as leis dialéticas não são nada mais do que as leis gerais subjacentes da natureza e da sociedade humana. O resultado é uma compreensão das contradições e da incessante mudança na sociedade e na economia. É esta compreensão dialética da sociedade que, em última análise, dá ao Marxismo seu caráter revolucionário.

A lógica formal

No entanto, nem todos os cientistas estão dispostos a aceitar que as descobertas da física quântica são mais bem explicadas usando-se a lógica dialética. O próprio Bohr era um desses cientistas que viam a aceitação da contradição na ciência ou na natureza como a aceitação do fracasso como cientista. Para cientistas como Bohr, a rígida doutrina da lógica formal e a aversão à contradição são os fundamentos de sua abordagem científica.

Em consequência, Bohr interpretou o Princípio da Incerteza não como confirmação da natureza contraditória da matéria, mas, em vez disso, como prova de que não podemos nunca conhecer o mundo real objetivo. O fato de que a natureza da matéria mude, visto que isto pode ser verificado, prova, de acordo com Bohr, que nossa experiência do mundo é subjetiva e que qualquer tentativa de mensurar o mundo objetivo se verá frustrada no próprio ato de se tentar mensurá-lo.

Isto é um problema porque deixa Bohr e seus apoiadores defendendo uma posição muito pouco científica. A história da Ciência tem sido a da expansão do conhecimento coletivo do mundo e de seus processos. Esta tarefa se torna impossível se não há nenhum mundo objetivo a ser descoberto. As descobertas de um indivíduo somente se aplicariam ao mundo como experimentadas por este indivíduo e não teriam nenhuma aplicação científica geral. De fato a única coisa que restaria para qualquer pessoa provar seria a realidade de seus próprios pensamentos.

Ironicamente, ao rejeitar as ideias dialéticas da contradição e da unidade de opostos, Bohr colocou-se na posição contraditória de um cientista argumentando contra a ciência.

Da mesma forma que as ideias de Bohr, foram feitas outras tentativas para explicar o fenômeno quântico na base da lógica formal. Uma das hipóteses é a existência de múltiplos universos paralelos que permitiriam que a luz que vemos como uma onda possa existir como uma partícula em outro universo. Isto explica o que está acontecendo sem rejeitar a ideia da realidade objetiva, mas evita aceitar uma contradição entre matéria e movimento. O problema com esta teoria do “multiverso” é que não há nenhuma evidência disso – o melhor a que os físicos foram capazes de chegar são provas matemáticas abstratas, que ainda não foram comprovadas por nenhuma evidência física. Este é o resultado de uma posição formalmente lógica que fará qualquer coisa para evitar a contradição na natureza – a rejeição dos resultados das experiências reais em favor de uma hipótese teórica que, apesar de numerosas tentativas, não parece estar respaldada por provas concretas.

Dialética quântica

Em oposição a esses teóricos formalmente lógicos, vários outros físicos quânticos estiveram muito ocupados em provar que é somente através da contradição que as descobertas da física quântica podem ser explicadas. Um experimento realizado pelo físico Shahriar Afshar sugere que somos capazes de mensurar a luz como uma onda e como uma partícula ao mesmo tempo. Além disso, o desenvolvimento de computadores quânticos se baseia na matéria que ocorre em mais de um estado ao mesmo tempo. Enquanto os computadores clássicos contam com a corrente elétrica para criar bits que podem estar on (1) ou off (0), os computadores quânticos serão capazes de criar “qubits” que podem armazenar tanto 1 quanto 0 ao mesmo tempo, dando dessa forma a estes computadores uma muito maior potência de processamento.

Finalmente, um fenômeno conhecido como entrelaçamento ou “ação à distância” sugere que as partículas que interagem entre si vinculam-se de tal forma que a mudança numa delas invariavelmente afeta a outra, sem importar a distância entre elas. A natureza e explicação deste efeito ainda não são completamente conhecidas.

Sem aceitar que a mudança constante, o movimento e a contradição estejam no coração de todas as coisas, e que estas coisas estão entrelaçadas, não podemos explicar o funcionamento dos computadores quânticos ou o fenômeno do entrelaçamento. As descobertas da física quântica somente podem ser explicadas usando a lógica da dialética.

Lógica quântica e sociedade

Em seu novo livro, Khrennikov e Haven argumentam que modelos “quânticos” podem ser aplicados a áreas fora do âmbito natural da física quântica. A teoria quântica é normalmente usada para explicar o movimento de partículas em nível subatômico e os autores não buscam, de forma mecânica, mapear estas teorias em sistemas sociais complexos. Em vez disso, tomam a lógica subjacente à física quântica e a aplicam à sociedade.

Uma área que eles destacam especialmente é a da tomada de decisões, um campo particularmente relevante para a moderna economia. Muitas teorias econômicas dependem da suposição de que os seres humanos são racionais e tomam decisões racionais, no seu próprio interesse.

Isto é conhecido como a lei básica da Probabilidade Total – um modelo para calcular a probabilidade de um determinado resultado. No entanto, esta lei básica é regularmente violada pelas experiências da vida real. Um experimento mostra que as pessoas que tomam decisões em um jogo de dois estágios são influenciadas no segundo estágio se lhes dizem ou não o que conseguiram no primeiro estágio, embora o resultado do segundo estágio não dependa do resultado do primeiro.

A razão desta suposta “lei” da economia parecer inadequada para explicar o mundo real é porque ela repousa sobre a lógica formal. A economia moderna muito frequentemente ignora a interatividade de fatores como superstição, tradição, sentimentos e outras coisas que, para além do pensamento racional, fazem parte do processo de tomada de decisão.

Khrennikov e Haven afirmam que a dualidade onda-partícula da matéria viola a lei básica da probabilidade total. A natureza contraditória da matéria em movimento significa que é impossível para os cientistas quânticos fixar a posição exata de uma partícula a qualquer momento do tempo. Aplicando a lei da probabilidade total não se descreve com precisão a posição das partículas. Tudo o que os físicos podem fazer é dar uma estimativa da probabilidade de onde a partícula estará em algum lugar em um momento dado. Para explicar estes valores prováveis em experimentos de onda-partícula um fator matemático conhecido como “termo de interferência” é introduzido.

O que Khrennikov e Haven mostram é que este termo de interferência, quando aplicado à economia, também explica os valores de probabilidade aparentemente ilógicos para as tomadas de decisão econômica. O que eles mostram é que as mesmas ferramentas matemáticas que são requeridas para explicar os processos contraditórios que ocorrem no nível subatômico também são requeridas para explicar os processos contraditórios na sociedade. Em outras palavras, a compreensão dialética das partículas quânticas também se aplica à economia.

Os autores não param aqui. Também explicam como o pensamento quântico pode nos dar uma compreensão mais profunda de uma infinidade de instituições científicas e sociais, da neurociência aos padrões de votação. Eles argumentam que a força de uma abordagem quântica às ciências sociais é que ela pode levar em consideração a complexa mistura de fatores físicos, sociais, ambientais, financeiros e outros fatores que influenciam a sociedade em muito maior extensão do que os modelos clássicos são capazes de contemplar.

Em suma, estes cientistas argumentam que devemos entender a física quântica de forma dialética (embora não usem o termo “dialética”) e que, usando a lógica dialética para entender o mundo, podemos abrir a possibilidade de criação de novos avanços, não somente nos campos da ciência e da tecnologia, como também em quase todos os aspectos da sociedade.

Marx e Engels: sobre a dialética

Khrennikov e Haven afirmam que “a ideia de aplicar a mecânica quântica à ciência social é ainda muito nova”. É verdade que a prática nunca foi formulada neste termos antes, mas a ideia de derivar os princípios dialéticos da observação da natureza e aplicá-los à sociedade foi desenvolvida inicialmente por Marx e Engels há mais de 160 anos.

Engels resume sua própria posição no livro Dialética da Natureza dizendo:

“É, portanto, da história da natureza e da sociedade humana que as leis da dialética são abstraídas. Porque elas não são mais que as leis mais gerais destes dois aspectos do desenvolvimento histórico, assim como do próprio pensamento”.

Em outras palavras, Engels está dizendo que a lógica dialética pode ser utilizada para explicar tanto a natureza quanto a sociedade humana – exatamente a mesma reivindicação que está sendo feita por Khrennikov e Haven.

Em Dialética da Natureza, Engels examina a informação científica mais avançada disponível no momento em que escrevia (1883) nos campos da física, biologia, química, geologia, matemática e astronomia e explica as descobertas utilizando a dialética. Sobre esta base, ele foi capaz de fazer várias sugestões sobre os rumos futuros da investigação científica e mesmo tenta fazer algumas previsões do que os cientistas iriam encontrar. A mais famosa dessas previsões está contida em seu ensaio “O Papel do Trabalho na Transição do Macaco ao Homem”, onde argumenta, ao contrário das ideias prevalecentes no tempo, que o desenvolvimento do cérebro humano foi uma consequência do desenvolvimento do uso da mão e de ferramentas, e não o contrário.

Este ponto de vista do desenvolvimento dos seres humanos é uma dialética que considera a evolução e a mudança como produtos de uma interação complexa entre diferentes partes do corpo, e da interação entre os seres humanos e o meio ambiente. Não era uma ideia dominante no momento em que foi apresentada por Engels, uma vez que não se ajusta a uma fórmula claramente mecânica da evolução. No entanto, enquanto os antropólogos modernos reúnem cada vez mais evidências dos humanos pré-históricos, estão encontrando que seus descobrimentos não podem ser explicados pelo modelo básico que vê o cérebro se desenvolver primeiro e, como resultado disto, os humanos produziram ferramentas e desenvolveram a sociedade. De fato, o processo de desenvolvimento parece ter sido mais complexo que isso e requer uma explicação baseada na mudança, na contradição e na interconexão, como Engels previu.

A capacidade de Engels de fazer tal previsão mostra a mesma coisa que Khrennikov e Hagen estão sugerindo – que a compreensão do mundo enquanto um processo de mudanças contraditórias dá-nos um quadro científico mais preciso do que a visão do mundo como estático e mecânico.

Em seu “compêndio de marxismo” (como Lênin o descrevia), o Anti-Dühring, Engels ainda fornece uma explicação para o aparente enigma dialético representado pelos qubits dos computadores quânticos que são capazes de armazenar tanto 1 quanto 0 ao mesmo tempo. Ele diz:

“(...) na matemática é necessário começar de termos finitos, definidos... ou não podem ser usados para cálculos. Os requisitos abstratos de um matemático estão, no entanto, longe de ser uma lei obrigatória para o mundo da realidade”.

Em outras palavras, embora o conceito de armazenar “1” e “0” ao mesmo tempo pareça ilógico, pois são dois termos finitos, definidos, diferentes, quando consideramos que estes números não são nada mais que abstrações de processos que ocorrem no mundo real, o problema aparente desaparece. Os números por si sós não são a realidade concreta; são os processos reais que eles representam o que nos interessa. Assim, se desenvolvermos um novo processo que não pode ser expressado usando-se o sistema clássico de dígitos binários, não rejeitamos esta descoberta porque não está de acordo com as abstrações matemáticas utilizadas para definir o velho processo, nós simplesmente temos que aceitar que o novo processo pode ser descrito através da introdução do conceito de contradição em nosso entendimento abstrato. Em suma, para fazer avançar ainda mais a nossa compreensão da ciência e nossa capacidade de desenvolvimento tecnológico, devemos aplicar a lógica da dialética.

Engels desenvolve completamente sua compreensão da dialética como aplicável à natureza e à sociedade em seu curto manuscrito Do Socialismo Utópico ao Científico, onde ele diz:

“Quando nos detemos a pensar sobre a natureza, ou sobre a história humana, ou sobre nossa própria atividade espiritual, deparamo-nos, em primeiro plano, com a imagem de uma trama infinita de concatenações e influências recíprocas, em que nada permanece o que era antes, nem como e onde era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos, pois, antes de tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda mais ou menos para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições, na concatenação, do que no que se move, muda e se concatena”.

Esta passagem foi escrita em 1878, muito antes do conceito da teoria quântica ser concebido. E ainda assim esta descrição da dialética poderia facilmente se aplicar ao argumento central feito por Khrennikov e Haven em “Ciência Social Quântica”. Questões de emaranhamento, contradição e mudança são as características definidoras tanto da mecânica quântica quanto da economia, da história e da consciência humana.

O método dialético tão claramente explicado por Engels permeia todos os escritos de Karl Marx. Em seus escritos econômicos, Marx é capaz de explicar o funcionamento do sistema capitalista dando relevo as suas contradições e à interconectividade de todas as suas partes. O melhor exemplo disto é a teoria marxista da crise econômica, ou “superprodução”. Marx explicou que os trabalhadores recebem menos que o valor das mercadorias que produzem, o que significa que em algum momento mais mercadorias estarão sendo produzidas do que as que podem ser absorvidas pelo mercado, levando a uma crise econômica.

Esta teoria destaca a contradição no capitalismo entre salários e preços e explica como esta situação contraditória pode continuar por um longo período de tempo antes da crise ocorrer. Ela também demonstra a interconexão de todos os setores da economia de tal forma que quando um país ou indústria é afetado, o resto começa a experimentar os mesmos efeitos. Da mesma forma como a aplicação da dialética por Engels à teoria evolucionista levou-o a fazer previsões que estão sendo comprovadas hoje, a aplicação da dialética por Marx à teoria econômica está sendo hoje reivindicada pela atual crise econômica – uma crise que somente pode ser explicada com a teoria marxista da superprodução.

Marx, como Khrennikov e Haven, aplicou a dialética a todos os aspectos da sociedade humana. Foi através desta aplicação rigorosa da lógica dialética que Marx entendeu as relações entre as diferentes classes na sociedade, suas contradições e interconexões. Baseado neste estudo dialético da história e da economia, resumido em O Manifesto Comunista, Marx e Engels desenvolveram a perspectiva do socialismo revolucionário.

O futuro da ciência social quântica

Naturalmente, Khrennikov e Haven não são marxistas, nem mesmo são necessariamente dialéticos conscientes. Apesar disso, conscientemente ou não, estão usando ideias e conceitos científicos modernos que inevitavelmente levam às mesmas conclusões que Marx e Engels alcançaram há muitos anos. Aplicando sua compreensão particular da interligação complexa no coração da física quântica à sociedade como um todo, eles estão seguindo – mesmo inconscientemente – a tradição de Marx, Engels, Lênin e Trotsky.

No entanto, Khrennikov e Haven não chegaram às mesmas conclusões revolucionárias de Marx e Engels. Eles estão apenas interessados em fenômenos sociais individuais, como votar ou tomar decisões, mas se detêm ante a aplicação de sua lógica à sociedade de classe como um todo, a sua história e futuros desenvolvimentos, que continuam desafiando seus próprios princípios de interligação dos fenômenos.

Isto não quer dizer que tais conclusões não poderiam ser tiradas por cientistas no futuro, porque, como assinalam os autores, há um grande número de bolsas de pesquisa disponíveis no campo da ciência social quântica (embora apostemos que estas bolsas de governos e prestigiosos institutos rapidamente secarão se os cientistas começarem a tirar conclusões revolucionárias). Contudo, para que sejam tiradas conclusões marxistas da ciência social quântica, o que mais claramente se necessita é de cientistas que reconheçam o potencial revolucionário do pensamento dialético. O estudo continuado da física quântica e do desenvolvimento de computadores quânticos e de métodos de criptografia são capazes de assinalar o progresso no desenvolvimento do pensamento dialético e, como resultado, desenvolver a escola de pensamento que busque aplicar estas ideias à sociedade em geral.

Devemos observar, contudo, que um estudo mais aprofundado da física quântica não será de forma automática igualmente claro como o pensamento dialético. Por exemplo, a ideia de Bohr de que não há nenhuma realidade além da que pode ser observada é uma interpretação popular do fenômeno quântico e é muito mais popular nos círculos acadêmicos do que a apresentada por Khrennikov e Haven. A interpretação de Bohr da física quântica, baseada na lógica formal, não é apenas cientificamente problemática, também tem fundamentos filosóficos perniciosos. É a mesma filosofia que sustenta o mito do self-made man da sociedade capitalista. A ideia de que a experiência de mundo de uma pessoa é tudo o que ele faz dela é totalmente subjetiva. Esta ideia sustenta que não há fatores objetivos que envolvam o indivíduo e que o êxito ou o fracasso é determinado por fatores subjetivos, como, por exemplo, se ele trabalha duro ou se é preguiçoso. Esta negação da realidade objetiva ecoa no discurso de Margaret Thatcher de que “não há esta coisa de sociedade, há somente famílias e indivíduos”. Estas ideias são falsas e perigosas e devem ser desafiadas a todo momento, inclusive na física teórica.

Os genuínos marxistas estão interessados no desenvolvimento científico. A capacidade dos cientistas de proporem novas ideias, nova tecnologia e novas descobertas, capazes de levar a sociedade adiante, é um reflexo da capacidade desta sociedade de investir em seu futuro. Também é um reflexo da perspectiva filosófica predominante na sociedade e, portanto, as explicações das ideias científicas podem encontrar um eco nas explicações para o restante da sociedade.

Escrevemos em outra ocasião sobre o recente declínio da inovação, um reflexo do declínio e da crise do sistema capitalista como um todo e da pobreza do pensamento filosófico nos tempos modernos.

Por esta razão, o trabalho de Khrennikov e Haven é interessante e encorajador, porque confirma mais uma vez a validade da filosofia do materialismo dialético – a filosofia do Marxismo. Parece que estes cientistas estão confirmando que a melhor forma de se fazer melhor uso das modernas descobertas é revolucionar a forma como pensamos a respeito delas. Se pensarmos sobre estas coisas em termos dialéticos poderemos não apenas entender a ciência, como também a economia, a história e a sociedade igualmente. O trabalho de Khrennikov e Haven proporciona provas das bases científicas do pensamento marxista, do potencial radical e revolucionário das ideias marxistas e da relevância do marxismo hoje.

Source: A física quântica, a dialética e a sociedade: de Marx e Engels a Khrennikov e Haven