2016: o mundo no limite

“Adeus Ano Velho. Feliz Ano Novo”. Essa sempre foi a mensagem encorajadora de Ano Novo. Mas em todas as comemorações e explosões de garrafas de champanhe não havia sinal de qualquer otimismo ou de esperança no futuro do lado da classe dominante e seus estrategistas. Pelo contrário, as colunas da imprensa burguesa estão cheias de pessimismo e apreensão.

Em 28 de dezembro, o Financial Times publicou um artigo de Gideon Rachman com um título interessante: Golpeado, ferido e nervoso – o mundo inteiro está no limite. Nele, lemos o seguinte:

“Em 2015, uma sensação de desconforto e apreensão parecia estar pairando nos principais centros de poder do mundo. De Pequim a Washington, de Berlim a Brasília, de Moscou a Tóquio – governos, mídia e cidadãos estavam nervosos e irritados.
“Este tipo de ansiedade globalizada é incomum. Durante os últimos 30 anos ou mais, sempre havia pelo menos uma potência mundial que esbanjava otimismo. No final dos anos 1980, os japoneses ainda estavam desfrutando de um auge de décadas – e compravam confiantemente ativos em todo o mundo. Nos anos 1990, a América se deleitou com a vitória na guerra fria e com uma longa expansão econômica. No início dos anos 2000, a União Europeia se encontrava em excelente estado de ânimo, lançando a moeda única e quase dobrando o número de membros. E, para a maior parte da última década, o crescente poder político e econômico da China inspirou respeito em todo o mundo.
“No entanto, no momento, todos os grandes jogadores parecem incertos – mesmo amedrontados. A única exceção parcial com que me encontrei neste ano foi a Índia, onde a elite política e empresarial ainda parecia impulsionada pelo zelo reformista do primeiro ministro Narendra Modi.
“Em contraste, no Japão, está desaparecendo a fé de que as reformas radicais, conhecidas como Abenomics [refere-se às políticas econômicas defendidas por Shinzo Abe, primeiro ministro japonês – NDT], possam verdadeiramente romper o ciclo de dívida e deflação do país. A ansiedade japonesa é alimentada pelas contínuas tensões com a China. Contudo, minha principal impressão de uma visita à China no início do ano, é que este também é um país que se sente menos estável do que estava mesmo a um par de anos atrás. A era em que o governo entregava sem esforço um crescimento de 8% ou mais ao ano sumiu. As preocupações com a estabilidade financeira doméstica estão crescendo, como revelaram os transtornos na bolsa de valores de Xangai no verão passado”.

Novas explosões no Oriente Médio

O Ano Novo se abriu com grande dramatismo, e a cena foi criada, como se poderia esperar, no caldeirão fervente do Oriente Médio, acompanhando a execução do Sheik Nimr-al-Nimr, um proeminente clérigo muçulmano xiita, um persistente crítico da família real da Arábia Saudita e que estava envolvido nas manifestações antigovernamentais que irromperam na Arábia Saudita durante o período da Primavera Árabe, até que foi preso em 2012.

Washington vê a situação com uma mistura de alarme e impotência. O porta-voz do departamento de estado dos EUA, John Kirby, pronunciou palavras tranquilizadoras: “Continuaremos a exortar os líderes de toda a região a dar passos afirmativos para acalmar as tensões. Acreditamos que engajamento diplomático e conversações diretas permanecem essenciais”.

Mas enquanto Washington prega doçura e luz, seus amigos e aliados em Riad estão derramando galões de gasolina nas chamas do que já é uma região altamente explosiva. As palavras de Kirby assemelham-se ao discurso de um vegetariano em uma convenção anual de canibais. A única diferença é que o homem que o pronunciou é o representante da potência mais canibal da Terra.

As chamas que envolvem todo o Oriente Médio são a consequência direta da invasão criminosa do Iraque e da contínua interferência do imperialismo EUA naquela infeliz região. Havendo desestabilizado o Iraque e o reduzido a ruínas fumegantes pela guerra, os estadunidenses e seus aliados ajudaram e incitaram forças reacionárias na Síria que agora colocam uma séria ameaça aos seus interesses. Mas a chamada “guerra ao terror”, supostamente travada pelos EUA e seus aliados durante os últimos anos no Iraque, não resolveu absolutamente nada. A alegação de que o patético e covarde exército iraquiano, que se encontra sob controle dos EUA, retomou a cidade de Ramadi do Estado Islâmico resultou ser uma mentira.

Enquanto escrevo estas linhas, os jihadistas permanecem no controle de grandes partes daquela cidade (ou do que resta dela) e ainda se travam combates. Não há dúvidas de que o exército iraquiano finalmente será bem-sucedido em ganhar o controle de um monte de ruínas fumegantes. Mas o “triunfo” em Ramadi somente serviu para expor o exército iraquiano como uma ferramenta inútil. Esta farsa vergonhosa expõe o vazio de todas as pretensões jactanciosas do Pentágono, que paga seus salários e põe armas em suas mãos, que eles jogam fora tão logo surja a primeira e conveniente oportunidade.

EUA, Rússia e Irã

Tendo finalmente despertado para o perigo colocado pelas forças que escaparam de seu controle, os americanos estão desesperadamente procurando por alguém que possa ajudá-los a apagar o fogo que eles próprios acenderam. Mas, quem pode ser? Relutantemente, resmungando baixo, são obrigados a se voltar para os mais inesperados e indesejados de todos os aliados imagináveis – a Rússia e o Irã.

Não faz tanto tempo assim, os americanos e seus aliados da OTAN estavam repetindo de forma constante o mesmo canto monótono sobre “isolar a Rússia”. Isso mesmo! “A Rússia está isolada internacionalmente”. Este era o mantra, repetido dia sim, dia não. Mas, agora, como num passe de mágica, a Rússia não está mais totalmente isolada, e se vê cortejada, festejada e coberta de elogios, embora de uma forma ainda meio ranzinza. “Não temos nenhuma intenção de isolar a Rússia”; “Devemos alcançar um entendimento com a Rússia” – agora repetem isto constantemente, e esperam que ninguém irá notar a mudança do tom.

Esta não foi a única cambalhota mortal executada por Washington no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2015. No circo diplomático, um salto ainda mais espantoso foi executado com relação ao Irã. O mesmo Irã que, como a Rússia, foi condenado ao papel de pária internacional, que também foi submetido a sanções punitivas e que chegou até mesmo a receber as amáveis atenções da força aérea dos EUA, agora se tornou um amigo da América. E, como todos sabemos, um amigo na necessidade é um amigo de verdade!

A razão para estas espantosas acrobacias diplomáticas não é difícil de se ver. As únicas ações militares sérias contra os jihadistas na Síria foram as realizadas pelos russos em colaboração com o exército sírio de Bashar al-Assad. E as únicas ações militares sérias contra o ISIS (Estado Islâmico) no Iraque (além dos Curdos que lutam somente em suas próprias áreas) são realizadas, não pelo chamado exército iraquiano e seus aliados estadunidenses, mas pelas milícias xiitas apoiadas pelos iranianos e por elementos do exército iraniano.

Na prática, os estadunidenses foram forçados a reconhecer isto e a aceitar as exigências da Rússia e do Irã de que Bashar al-Assad deve permanecer no poder em futuro previsível. Um relatório do proeminente jornalista investigativo Seymour Hersh, publicado na London Review of Books, afirma que: “o Estado-Maior Militar Conjunto dos EUA proporcionou ao exército sírio informações seguras através da Alemanha, da Rússia e de Israel”.

Isto concorda com as declarações feitas pelo ex-diretor da “Agência de Inteligência de Defesa” (DIA, em suas siglas em inglês), Michael Flynn, quem disse a mesma revista que, entre 2012 e 2014, sua agência enviou uma série de mensagens de advertência sobre o impacto da queda do regime de Assad. Sua agência começou a proporcionar informação de inteligência ao regime (sem, pelo que parece, a aprovação dos políticos) para avançar em sua guerra “contra inimigos comuns”.

Os americanos e seus aliados estão sendo forçados pela força das circunstâncias a abandonar a ficção ridícula de uma “oposição islâmica moderada” na Síria. Esta “oposição moderada”, como todos agora sabem, é composta de grupos de jihadistas extremistas com a Frente Al Nusra, que os EUA apoiaram, e que é o ramo sírio de Al Qaeda. Uma parte do imperialismo EUA (a CIA) deseja continuar com esta política, mas está em contradição direta com a mudança de linha da Administração em relação à Rússia e ao Irã. Enquanto isto, os russos continuam a bombardear todas as forças jihadistas direto em seu coração, sem dar a menor atenção aos grunhidos de protesto de Washington.

Sauditas e Turcos

Essas divisões em Washington criam uma impressão de confusão e indecisão, personificada na pessoa do Presidente Obama. Não pode haver dúvida de que a derrubada do avião russo pelos turcos foi uma provocação deliberada por parte de Erdogan, cuja intenção era interpor uma cunha entre a América e a Rússia. Como previmos, esta manobra fracassou completamente.

A execução de Nimr-al-Nimr, um assassinato judicial ordenado pela camarilha real saudita, é da mesma natureza. Foi uma provocação deliberada com a intenção de incitar a luta sectária entre xiitas e sunitas e para empurrar o governo de Teerã a tomar ações militares contra a Arábia Saudita, que então poderia chamar os americanos em sua ajuda.

A reação imediata ao que foi claramente um assassinato judicial foi a invasão da embaixada saudita em Teerã. A Arábia Saudita imediatamente rompeu as relações diplomáticas com o Irã. Tudo isto foi cuidadosamente premeditado. Os acontecimentos se sucederam automaticamente, igual à coreografia de um bailarino. Mas este balé é a dança da morte. Este foi um ato desesperado de um regime que se encontra em profundas dificuldades e que enfrenta a perspectiva de derrubada.

Os gângsteres sauditas calcularam mal no Iêmen, onde estão envolvidos em uma guerra impossível de ganhar. Agora despertaram a ira dos xiitas que constituem pelo menos vinte por cento da população saudita e estão entre as camadas mais pobres e mais oprimidas. Manifestações de massas irromperam nas cidades sauditas com palavras de ordem como “Morte à Casa de Saud! ”. Ao superar estes limites, a camarilha dominante saudita semeou ventos e colherá tempestades.       

A crise dos refugiados

O revisionista pseudo-marxista Hobsbawn, fazendo eco de uma ideia que foi muito melhor formulada por Kautsky, sustentava que, na era da globalização, as barreiras nacionais deixariam de ter qualquer sentido e as guerras seriam uma coisa do passado. Em vez disto, o século XXI tem sido marcado por guerras infindáveis, violências e conflitos nacionais de todo tipo. O Oriente Médio é somente um exemplo disto.

O caos sangrento na Síria está causando um deslocamento em massa de pessoas provavelmente nunca visto antes desde o final da Segunda Guerra Mundial. Milhares e milhares de refugiados, sofrendo o frio, exaustos e famintos, confrontam com os punhos nus as cercas de arame farpado que foram levantadas às pressas pelas forças da lei e da ordem da civilizada Europa. Nada pode ilustrar melhor a hipocrisia fria e cínica da burguesia europeia do que sua reação à crise dos refugiados.

Durante muitos anos os povos da Europa e da América foram alimentados com a mentira de que todo ato de agressão imperialista era motivado pelas mais puras preocupações humanitárias. Estas “preocupações” criaram o maior desastre humanitário desde a Segunda Guerra Mundial. Tendo contribuído em grande medida para a instalação da confusão na Síria, os governos da Europa estão agora ocupados em estabelecer a melhor forma de fechar a porta às infelizes vítimas da guerra.

A situação não é melhor do outro lado do Atlântico. Cem anos atrás, a América inscreveu em sua Estátua da Liberdade as famosas palavras:

“Deem-me seus exaustos, seus pobres,
Suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade,
O miserável refugo de suas praias apinhadas,
Enviem-me estes, os sem-teto, os sacudidos pela tempestade:
Eu ergo minha lâmpada ao lado da porta dourada”.

Agora, estas palavras soam como uma ironia cruel. Esta mesma América está levantando cercas cada vez maiores para manter as massas empobrecidas amontoadas do outro lado do Rio Grande. O principal candidato presidencial do Partido Republicano pede publicamente a proibição de todos os muçulmanos que desejam entrar nos EUA. Esta é a verdadeira voz do capitalismo do século XXI: a voz da reação aberta, do chauvinismo, da xenofobia e do racismo mal disfarçado.

Em vez da Utopia revisionista de um mundo sem fronteiras, as barreiras nacionais estão sendo reforçadas em todos os lugares. Controles de fronteira estão sendo reintroduzidos não apenas na periferia da Europa como também entre os países membros do Acordo de Schengen. A amável e democrática Suécia está agora introduzindo o controle de viajantes vindos da amável e democrática Dinamarca. Nada resta do sonho de uma Europa unida, que sempre será impossível sob o capitalismo.

Europa em crise

O estado de ânimo na Europa é sombrio. O ano de 2015 foi marcado, tanto em seu início quanto no seu final, por dois ataques terroristas sangrentos em Paris. Os cidadãos de Munique e de Bruxelas sequer puderam comemorar o Ano Novo como costumavam fazer por temor a novos atentados terroristas. Em Paris, os fogos de artifício tiveram que ser suspensos. Medo e incerteza estão em todos os lugares.

Todos os economistas sérios esperam que a economia global deva cair outra vez, o que pode começar na Ásia como resultado da forte desaceleração da poderosa economia chinesa. Mas isto poderia igualmente começar na Europa. A Alemanha, anteriormente a locomotiva do crescimento econômico europeu, estancou e mergulhou em uma crise com a chegada de mais de um milhão de refugiados provenientes do Oriente Médio e de outras zonas de guerra.

O Euro, que, junto ao Acordo de Schengen, se esperava que constituísse a base de uma futura integração econômica, se converteu em seu contrário. Um profundo abismo se abriu entre a Alemanha e as nações do sul da Europa, enquanto a crise dos refugiados abriu uma brecha entre ela e os países ao Leste. A longa agonia da Grécia vai continuar, visto que nada foi resolvido. A saída da Grécia do Euro é somente uma questão de tempo.

Esta saída, por sua vez, causará ainda maiores dores e sofrimentos para o povo grego, e pode agir como um detonador que empurrará outros países para a porta de saída. A Grã-Bretanha está celebrando um referendo que pode terminar com o Reino Unido deixando a União Europeia. O sentimento anti-UE está se acumulando na França e em outros países. O futuro, não somente do Euro, mas da própria UE está em questão.

Fermentação política

O pessimismo da burguesia é bem fundamentado. Mas é apenas um dos lados da moeda. A crise do capitalismo inevitavelmente gera o seu oposto: o nascimento de um novo espírito de revolta que é a única coisa que pode fornecer a humanidade esperança para o futuro. De forma lenta, mas segura, a consciência das massas está despertando. E, enquanto os brotos verdes da recuperação econômica são somente o produto da imaginação dos economistas, os primeiros sintomas do renascimento de um estado de ânimo revolucionário são reais e tangíveis.            

É uma proposição elementar do materialismo dialético que a consciência humana sempre corre atrás dos acontecimentos. Mas, mais cedo ou mais tarde, eles vão emparelhar de forma explosiva. É precisamente isto o que é uma revolução. E o que estamos testemunhando na Grã-Bretanha é o início de uma revolução política. De um dia para o outro, toda a equação foi transformada. Isto em si já é um sintoma das mudanças profundas que estão ocorrendo na sociedade. Curvas fechadas e mudanças súbitas estão implícitas na presente situação.

É certo que a consciência é modelada em larga extensão pelas memórias do passado. Vai levar tempo para que as velhas ilusões no reformismo sejam expulsas da consciência das massas. Mas, sob os golpes de martelo dos acontecimentos, haverá mudanças bruscas e acentuadas na consciência. Ai daqueles que tentam se basear na consciência de um passado que já se desvaneceu irremediavelmente! Os Marxistas devem se basear no processo vivo e nas perspectivas do próximo período, que não têm qualquer semelhança com o que vivemos até agora.

Buscando uma saída da crise, as massas põem à prova um partido após o outro. Os velhos líderes e programas são analisados e descartados. Aqueles partidos que são eleitos e que traem as esperanças do povo, realizando cortes em violação às promessas eleitorais, rapidamente ficam desacreditados. O que era considerado como ideologia dominante é desprezado. Os líderes que eram populares tornam-se odiados. Mudanças bruscas e repentinas estão na ordem do dia.

Há uma ira crescente contra as elites políticas: contra os ricos, os poderosos e os privilegiados. Esta reação contra o status quo, que contém as sementes embrionárias de desenvolvimentos revolucionários, pode durar bem além do ponto em que a economia começar a registrar sinais de melhoria. O povo não acredita mais no que os políticos dizem ou prometem. Há uma desilusão crescente com a classe política e com os partidos políticos em geral. Há um sentimento geral e profundamente arraigado do mal-estar econômico na sociedade. Mas este sentimento carece de um veículo capaz de lhe conferir uma expressão organizada.

Na França, onde o Partido Socialista arrasou nas últimas eleições, François Hollande tem a taxa de aprovação mais baixa de qualquer presidente desde 1958. Na Grécia, vimos o colapso do PASOK e a ascensão de SYRIZA. Na Espanha, temos a ascensão de PODEMOS, que saiu do nada para ganhar – junto com seus aliados – 69 assentos no parlamento espanhol, estabelecendo-se como o único partido real de oposição.

Vemos o mesmo processo ocorrendo na Irlanda no recente referendo. Durante séculos, a Irlanda foi um dos países mais católicos da Europa. Não faz muito tempo que a Igreja tinha domínio absoluto sobre todos os aspectos da vida. O resultado do referendo sobre o matrimônio gay, onde 62% votaram pelo sim, foi um duro golpe na Igreja Católica Romana. Foi um protesto massivo contra o seu poder, suas interferências na política e na vida das pessoas. Isto representou uma mudança fundamental na sociedade irlandesa.

Na Grã-Bretanha, contra todos os prognósticos, Jeremy Corbyn arrasou nas eleições como líder trabalhista. Este foi um terremoto político que transformou toda a situação na Grã-Bretanha praticamente da noite para o dia. Este acontecimento foi antecipado pelos eventos na Escócia, onde a revolta contra o establishment se reflete no rápido crescimento do SNP [Partido Nacionalista Escocês, em suas siglas em inglês – NDT]. Este não foi um movimento à direita e sim à esquerda. Não foi a expressão do nacionalismo, mas de uma ira incendiária contra a elite decadente que governa em Westminster. O Partido Trabalhista, como resultado das covardes políticas de colaboração de classe de seus líderes, é visto como fazendo parte daquele establishment.

Durante décadas, o Partido Trabalhista sob a liderança da ala direita foi um pilar de apoio do sistema existente. A classe dominante não abandonará este pilar sem uma luta feroz. A primeira linha de defesa do sistema capitalista é o Partido Trabalhista Parlamentar (PLP) em si mesmo. A maioria Blairista do PLP é formada por agentes diretos e conscientes dos banqueiros e capitalistas nesta luta. Isto explica sua fanática determinação de se livrar de Jeremy Corbyn a todo custo. O terreno está sendo preparado para uma divisão no Partido Trabalhista que criará uma situação totalmente nova na Grã-Bretanha. Tudo isto é um sintoma do profundo descontentamento que existe na sociedade e que está buscando uma expressão política. Por toda a Europa há o temor de que as políticas de austeridade não sejam um ajuste temporário, e sim um ataque permanente sobre os níveis de vida. Em países como Grécia, Portugal e Irlanda estas políticas já resultaram em profundos cortes dos salários e pensões nominais, sem ter resolvido o problema do déficit. Portanto, todos os sofrimentos e privações do povo foram em vão. Em todos os lugares, os pobres se tornam mais pobres e os ricos mais ricos.

Estes processos não se limitam à Europa. A eleição presidencial nos EUA apresenta um desenvolvimento muito interessante. É naturalmente impossível de se prever o resultado com algum grau de certeza, dada a conjuntura extremamente instável e volátil da política dos EUA. O circo da mídia centrou-se quase que exclusivamente na pessoa do Republicano Donald Trump. Parece improvável que a classe dominante dos EUA vá confiar seus assuntos a um palhaço ignorante. Mas ela já fez isto em pelo menos duas ocasiões no passado recente. Hilary Clinton é certamente uma aposta mais segura do ponto de vista da classe dominante.

Mas, de longe mais significativo do que Trump ou Clinton, foi o massivo apoio para Bernie Sanders, que fala abertamente de socialismo. A emergência de Bernie Sanders como concorrente à nomeação como candidato Democrata à presidência é um sintoma dos profundos descontentamento e fermentação na sociedade. Seus ataques contra a classe bilionária e seus apelos por uma “revolução política” ressoam em milhões de pessoas, enquanto dezenas de milhares assistem os seus comícios.

A palavra “socialismo” agora é usada com mais frequência nos principais meios de comunicação. Uma pesquisa de opinião realizada em 2011 registrou que 49% do que tinham idade entre 18 e 29 anos tinham uma visão positiva de socialismo, contra somente 47% com uma visão positiva de capitalismo. Uma pesquisa mais recente, de junho de 2014, registrou que 47% dos americanos votariam por um socialista, com 69% dos menores de 30 anos de idade a favor.

Grande número de pessoas, muitas delas jovens, mostram-se ansiosas para ouvir a mensagem de Bernie Sanders. É verdade que este se encontra mais próximo da Socialdemocracia estilo Escandinávia do que do verdadeiro socialismo. Mesmo assim, este é o sintoma mais significativo de que algo está mudando nos EUA.

A situação na Rússia marcou diferenças com o restante da Europa. Superficialmente, pode parecer paradoxal que Putin tenha emergido fortalecido da crise na Ucrânia e na Síria. Os esforços do Ocidente em isolá-lo fracassaram miseravelmente. Na Síria, ele é o homem que agora comanda os tiros. E mesmo que os EUA persistam em manter as sanções sobre a Crimeia e a Ucrânia, podemos prever confiantemente que seus aliados europeus vão guardar silêncio. A economia europeia em crise necessita do mercado russo e do gás russo da mesma forma como a burguesia europeia necessita da ajuda russa para pôr ordem na Síria e (se Deus quiser) deter o fluxo interminável de refugiados.

Mas se olharmos mais profundamente a situação, ficará evidente que não é tão estável quanto parece. A economia russa continua caindo, golpeada pela queda dos preços do petróleo e pelas sanções ocidentais. Os salários reais estão caindo. A classe média já não pode mais passar fins de semana agradáveis em Londres e Paris. Ela se queixa, mas não vai além disto. Os trabalhadores russos foram influenciados pela propaganda oficial sobre a Ucrânia. Eles ficaram escandalizados pelas atividades dos fascistas e ultranacionalistas ucranianos e Putin foi capaz de tirar vantagem de sua simpatia natural por seus irmãos e irmãs do Leste da Ucrânia.

Putin pode ser capaz de manter seu controle do poder por algum tempo, mas tudo tem seus limites e, no final, a história sempre apresenta sua conta. A crise econômica levou a uma forte queda nos padrões de vida de muitos trabalhadores, especialmente fora de Petersburgo e Moscou. As massas são pacientes, mas sua paciência tem limites definidos. Vimos evidências disto no final de 2015, quando os caminhoneiros de longas distâncias foram à greve. Talvez só um pequeno sintoma, mas um sintoma, não obstante, de que mais cedo ou mais tarde o descontentamento dos trabalhadores russos encontrará sua expressão em protestos sérios.

Panorama sombrio

No fundo, todos estes fenômenos refletem o fato de que o sistema capitalista alcançou seus limites. A globalização, ao se exaurir, se transformou em seu contrário. De poderoso fator de crescimento, agora está ajudando a arrastar para baixo todo o edifício pouco sólido. O fato é que a chamada recuperação – que não é absolutamente uma recuperação – é de caráter tão débil e anêmico que qualquer choque, seja econômico, político ou militar, será suficiente para leva-la a um tremendo impasse.

A desaceleração da economia chinesa ameaça o mundo inteiro. A China importava enormes quantidades de commodities de países como o Brasil. Agora a economia brasileira está se contraindo em 4-5%. Muitos outros chamados BRICS estão em situação semelhante. As previsões dos porta-vozes do Capital são crescentemente pessimistas sobre o futuro. O Wall Street Journal reportou as palavras de Adam Parker, estrategista-chefe nos EUA das ações de Morgan Stanley: “Acreditamos que estamos propensos a nos dirigir para um ano agitado de baixos rendimentos, e suspeitamos que muitos outros pensam o mesmo”.

O principal executivo de Hyundai Motor disse que a perspectiva para este ano “não era brilhante”. O presidente do grupo, Chung Mong-koo, disse aos chefes das unidades da montadora no exterior que o crescimento em 2015 esteve condicionado por uma fraca economia global, pela desaceleração econômica no segundo maior mercado de automóveis do mundo, a China, e pela redução da demanda nos mercados emergentes. “Tendo em conta muitos dos principais indicadores, as perspectivas para o mercado de automóveis tampouco são brilhante”, disse ele. Exemplos similares podem ser repetidos à vontade.            

No artigo que mencionamos no início, Gideon Rachman tira as conclusões mais pessimistas:

“O pessimismo mundial faz com que o sistema político internacional seja percebido como um paciente que ainda está lutando para se recuperar de uma enfermidade severa, que se iniciou com a crise global de 2008. Se não houver mais choques adicionais, a recuperação deve ocorrer gradualmente e os piores sintomas políticos podem se retrair. O paciente é vulnerável, contudo. Qualquer outro choque severo, como um grande ataque terrorista ou uma grave recessão econômica, poderia significar um verdadeiro problema”.

Aqui está a voz real dos estrategistas do Capital. Eles olham para o futuro com temor. E, de sua própria perspectiva de classe, não estão equivocados. 2016 produzirá mais turbulências, crises econômicas e ataques aos padrões de vida, mais desigualdade e injustiça, mais banhos de sangue e caos.

O Ano Novo replicará o Velho, mas com ainda maior intensidade. As guerras no Oriente Médio, na África e na Ásia produzirão o mesmo tsunami de miséria humana que continuará a ser transmitido à Europa, onde será recebido por barreiras de arame farpado e desumanidade.

O terrorismo, que se espalha através do globo como uma epidemia incontrolável, é em si mesmo um sintoma da natureza doentia do capitalismo no século XXI. Mais atos terroristas são inevitáveis. Os terroristas não podem ser detidos por métodos policiais. Não há policiais suficientes no mundo para tratar com um grande número de indivíduos determinados e fanáticos que desejam cometer atos de assassinato contra civis desarmados e indefesos.

Quando Lênin escreveu que capitalismo é horror sem fim, ele estava falando a verdade. É tão inútil se queixar desses horrores quanto se queixar das dores que acompanham o parto. A tarefa dos Marxistas não é se queixar das consequências inevitáveis da decadência do capitalismo. Deixaremos este tipo de comportamento aos predicadores e pacifistas.

Nossa tarefa é trabalhar incansavelmente para mostrar aos trabalhadores e à juventude as causas reais desses horrores e explicar a forma como o problema pode ser erradicado de uma vez por todas. Isto somente se pode lograr através da transformação radical da sociedade. Problemas drásticos requerem soluções drásticas. Somente a revolução socialista pode resolver os problemas enfrentados pela humanidade. Esta é a única causa pela qual vale a pena lutar atualmente.

Londres, 4 de janeiro de 2016